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Quem é contra a PEC da Segurança Pública fica a favor do crime organizado, diz ex-ministro

Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública, diz que projeto é uma oportunidade histórica para o país avançar no combate ao crime

Raul Jungmann: ex-ministro diz que governadores devem entender que precisam de uma coordenação nacional para combater o crime

Raul Jungmann: ex-ministro diz que governadores devem entender que precisam de uma coordenação nacional para combater o crime

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 10 de abril de 2025 às 06h01.

Última atualização em 10 de abril de 2025 às 06h17.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo federal ao Congresso Nacional nesta semana, é avaliada por Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública durante o governo Michel Temer, como positiva e fundamental para criar mecanismos para combater o crime organizado. 

"O crime e as organizações criminosas se nacionalizaram e se transnacionalizaram, mas não existe uma coordenação nacional. A PEC cria os instrumentos necessários para combater o crime. Sem ela, será impossível implementar medidas, como a integração da inteligência, o monitoramento das grandes quadrilhas, ou mesmo a atuação dentro dos estabelecimentos prisionais controlados pelo crime organizado", diz em entrevista exclusiva à EXAME.

Jungmann aponta que quem se coloca contra a proposta, consciente ou inconscientemente, fica a favor do crime organizado e da violência no Brasil e que o país não pode "jogar fora uma oportunidade histórica".

"Quem defende a redução da violência e a promoção da paz para os brasileiros precisa apoiar essa PEC. Quem se opõe a ela está, na prática, se posicionando contra o Brasil, contra a segurança dos brasileiros, e favorecendo o crime organizado", afirma.

A PEC enfrenta resistência de governadores, principalmente da oposição. Eles afirmam que a medida tira a autonomia dos Estados do combate ao crime. O ex-ministro discorda da posição e diz que os governadores devem perceber que os Estados não tem capacidade de combater o crime organizado sem coordenação.

"A questão toda é política. A reação de oposição muitas vezes está mais ligada à disputa eleitoral de 2026 do que a um entendimento sobre a necessidade de coordenação nacional para combater o crime organizado", diz.

Na entrevista, Jungmann comenta os detalhes do projeto, como a criação de uma força ostensiva da União, e analisa a crescente sensação de insegurança da população brasileira.

Veja a entrevista completa com Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública

Qual é a sua avaliação sobre o texto da PEC?

O governo federal nunca teve atribuições na área de segurança pública. Nós tivemos sete constituições, a primeira de 1824 e a última de 1988, e nem no Império nem na República o governo central teve atribuições ou responsabilidades com a segurança pública. O único setor social que ficou fora da Constituição de 1988 foi o da segurança pública, o que significa que a segurança pública nunca foi organizada enquanto um sistema, como as outras áreas sociais. O crime e as organizações criminosas se nacionalizaram e se transnacionalizaram, mas não existe uma coordenação nacional. A PEC, de fato, aponta para a reversão desse quadro e é uma solução para o crescimento do crime organizado e da violência, que se tornaram um problema principal para os brasileiros e uma ameaça para o desenvolvimento e a democracia do país. Por isso, minha avaliação é muito positiva em relação a essa PEC.

Existe uma crítica, principalmente por parte dos governadores de oposição, de que essa PEC tiraria uma parte da autonomia dos estados para gerir a sua segurança pública. Como o senhor vê esse argumento? Existe alguma racionalidade nesse ponto ou é uma questão política?

A questão é que a saúde e a educação são organizadas de forma sistêmica entre as três esferas de governo, e isso não retira as competências dos Estados e municípios. Eles estão estabelecidos como parte do sistema, mas isso não retira a autonomia deles. O que os governadores devem perceber é que hoje nenhum estado pode combater o crime nacional ou internacional. Estados como Paraíba, Goiás, Pernambuco ou São Paulo não têm como combater o crime transnacional. As atribuições de segurança pública são estaduais, mas como vai se combater o crime se não existe coordenação nacional, informações ou inteligência a nível federal? Isso é um problema sério. A questão toda é política. A reação de oposição muitas vezes está mais ligada à disputa eleitoral de 2026 do que a um entendimento sobre a necessidade de coordenação nacional para combater o crime organizado.

E o senhor vê que essa PEC resolve os grandes problemas para combater o crime organizado?

A PEC cria os instrumentos necessários para combater o crime. Ou seja, sem ela, será impossível implementar medidas, como a integração da inteligência, o monitoramento das grandes quadrilhas, ou mesmo a atuação dentro dos estabelecimentos prisionais controlados pelo crime organizado. Sem essa coordenação, o Brasil está desarmado para combater o crime de maneira eficiente. Além disso, precisamos de recursos federais para combater o crime, mas a segurança pública é, em grande parte, responsabilidade dos estados e municípios. O governo federal contribui com cerca de 10% dos recursos destinados à segurança pública, enquanto os Estados são responsáveis por quase todo restante. A PEC visa corrigir essa falta de coordenação e de recursos.

Como o senhoe avalia outros pontos da PEC, como a ampliação do papel da Polícia Federal e a criação de uma polícia viária federal com caráter ostensivo, além da questão das guardas municipais podendo realizar policiamento ostensivo?

A questão da ampliação da atuação da Polícia Federal é positiva, mas exige melhorias, principalmente em termos de pessoal e capacitação. No caso das guardas municipais, é positivo que elas possam exercer papel de polícia, mas isso exige cuidados. Hoje, temos mais de 100 mil guardas municipais no Brasil, mas muitos não têm um controle adequado. A falta de corregedorias e de controle interno nas guardas municipais pode resultar em abusos. Para que elas desempenhem um papel efetivo na segurança pública, é necessário garantir uma estrutura organizacional adequada, além de capacitação e controle externo.

Considerando o momento fiscal desafiador, o senhor acredita que o governo deve garantir um orçamento maior para a segurança pública, assim como ocorre com a saúde e a educação?

A segurança pública foi negligenciada por muito tempo, mas hoje ela tem uma urgência e uma importância tão grande para o país, tanto no desenvolvimento quanto na democracia. Uma sociedade que vive com medo, que se vê ameaçada, acaba tomando atitudes regressivas, apoiando soluções populistas, como aumentar a repressão. Porém, o que precisamos é combater as grandes quadrilhas, as lideranças do crime organizado, o que exige inteligência, informação e recursos. A PEC é fundamental para desenvolver essas políticas, mas precisa de investimento e capacitação das forças policiais, além de estratégias integradas e coordenadas a nível nacional.

Em São Paulo, por exemplo, os dados de segurança mostram queda no roubo e furto, mas a sensação de insegurança na população parece ser maior, principalmente com os crimes de roubo de celulares. Como o senhor vê essa situação e como o governo pode lidar com isso?

A sensação de insegurança pode ser medida, por exemplo, por uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto com o Datafolha, que atestou que 23 milhões de pessoas vivem em comunidades onde o crime — seja o tráfico ou as milícias — tem uma presença muito forte. Ou seja, praticamente 10% da população brasileira vive nessa situação. Outro fator importante é a conectividade das redes sociais. As redes e seus algoritmos tendem a difundir e maximizar a percepção de ocorrências criminais. Mesmo que haja uma queda nos indicadores estatísticos — e, de fato, há —, os índices ainda são muito altos. Ou seja, mesmo havendo redução, ela não é suficientemente expressiva para se refletir na percepção da população. A quantidade de pequenos crimes, aquela criminalidade de rua, sem necessariamente envolver violência grave ou sangue, ainda é muito elevada. E esse tipo de crime, pulverizado, é amplificado pelo ambiente digital, onde praticamente todo mundo tem um celular e compartilha informações. Isso cria um clima de insegurança que, muitas vezes, é aproveitado por interesses políticos ou outros interesses para ser ampliado ainda mais.

Como enfrentar essa questão? 

Há, sim, um sentimento enraizado de insegurança na população. Para enfrentá-lo, é preciso identificar as fontes e as zonas criminogênicas — áreas onde a incidência de crimes é mais alta. Vi recentemente um estudo que mostra que, em São Paulo, esses pequenos roubos estão concentrados em algumas regiões específicas da cidade. Diante disso, é necessário adotar políticas públicas de patrulhamento, fiscalização e monitoramento eficazes, utilizando inteligência, inteligência artificial, drones e outras tecnologias. E, principalmente, focar os esforços com base em dados.

Há experiências no Brasil dessas medidas? 

No Rio Grande do Sul, por exemplo, houve uma experiência bem-sucedida: eles se concentraram em 23 municípios onde ocorriam cerca de 70% a 75% das ocorrências policiais. Com políticas focadas e integradas, conseguiram uma redução expressiva da criminalidade. Pernambuco também teve uma experiência positiva no governo de Eduardo Campos, com o programa “Pacto pela Vida”, que dividiu o Estado em distritos, integrou as polícias, o Ministério Público e a Justiça, e estabeleceu metas de segurança. Esse tipo de abordagem inteligente, coordenada e integrada pode, de fato, fazer diferença. Mas, para isso, é preciso informação, inteligência e coordenação.

O senhor acredita que o Congresso está maduro para discutir a PEC de forma a não desidratá-la?

Este Congresso, em alguma medida, foi o mesmo que aprovou o SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública, que representou um enorme avanço. Antes, nós não tínhamos nenhuma política nacional de segurança pública. É evidente que existem setores conservadores e setores corporativos que tendem a ter uma postura reativa, contrária. Mas acredito que, no interesse do Brasil e da sociedade brasileira, não é possível que governo e oposição não encontrem um entendimento. Se não encontrarem, ambos serão derrotados. Eles precisam encontrar pontos de convergência.

O Congresso fará alterações na PEC. Quais deveriam ser as linhas gerais, em sua avaliação?

É claro que tudo o que passa pelo Congresso não sai exatamente como entrou. Porém, é fundamental que o texto não seja desfigurado no que diz respeito ao seu núcleo, ao centro da proposta: integração, coordenação, inteligência, informação e recursos. Se isso for preservado — que é o cerne da proposta —, teremos avançado. Caso contrário, estaremos jogando fora uma oportunidade histórica. E, sinceramente, quem se posiciona contra essa PEC, consciente ou inconscientemente, acaba ficando a favor do crime organizado e da violência no Brasil. Quem defende a redução da violência e a promoção da paz para os brasileiros precisa apoiar essa PEC. Quem se opõe a ela está, na prática, se posicionando contra o Brasil, contra a segurança dos brasileiros, e favorecendo o crime organizado. Isso, para mim, é muito claro.

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