Queimadas no Pantanal: voluntários tentam resgatar animais feridos (Bloomberg / Colaborador/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de setembro de 2020 às 10h28.
Última atualização em 15 de setembro de 2020 às 11h23.
Tarde de mormaço no Pantanal de Mato Grosso. Pelo Rio São Lourenço, corre a informação, de barco em barco, que uma onça-pintada está cercada pelo fogo na margem de um afluente do curso, a montante. Num cais da localidade de Porto Jofre, em Poconé, a 290 quilômetros de Cuiabá, o "piloteiro" Vandir Garcia o Cabelo, diz à equipe do Estadão que pode chegar com sua voadeira até o animal em 45 minutos.
É a maior série de queimadas na região nas últimas duas décadas, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As labaredas engoliram 2 milhões de hectares, uma área equivalente a dez vezes os territórios dos municípios de São Paulo e Rio juntos, destaca o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "O fogo neste ano aqui está muito brabo. Os animais não conseguem escapar", afirma Cabelo, um paraguaio de 49 anos, há 30 em serviços de transporte nos caudalosos cursos de água.
Na viagem para localizar a onça, o "piloteiro" demonstra incômodo também com o nível do mormaço. O horizonte no estirão do rio ganha um tom avermelhado e o calor torna-se mais intenso. Focos de incêndio surgem de um lado e de outro. Uma densa fumaça encobre o céu. A fuligem está em toda parte. A visibilidade é limitada. Nos trechos mais abertos, é possível ver tuiuiús, martins-pescadores e biguás nos remansos.
Antes de sair do cais na voadeira pilotada por Cabelo, na sexta-feira, o Estadão certificou-se que uma rede formada por moradores, voluntários, biólogos de uma ONG de defesa de animais e donos de pousadas seria informada da localização da onça assim que terminasse uma outra missão de resgate no local.
Após alguns minutos de viagem, o barco entra no Rio Corixo Negro que deságua no São Lourenço, área de presença constante de jacarés e sucuris. O braço é mais raso e um descuido pode prender a embarcação na galharia do leito.
Foram apenas 35 minutos para a equipe avistar a onça estirada num trecho da margem esquerda. É um macho jovem. Tem aproximadamente 2 anos e pesa cerca de 100 quilos, estima Cabelo. Um ribeirinho que passou por ali jogou uma piranha para a onça, que não teve forças para se alimentar.
Da voadeira, a reportagem registra o momento em que o animal se levanta, caminha e logo depois interrompe o deslocamento. As patas estão feridas, em carne viva. Lambidas na parte de baixo das patas removem a pele queimada em uma tentativa de amenizar o sofrimento. Possivelmente a onça fez um grande esforço para chegar à beira do rio, área onde poderia se salvar. Antas, capivaras, cobras, veados e aves morrem por asfixia ou queimaduras ainda dentro da mata.
O Estadão aguarda o grupo de salvadores de animais para que a onça não desapareça. Uma hora depois, os integrantes da rede encostam seu barco. A missão em que estavam não teve bom resultado. Ainda no dia anterior, o grupo chegou a usar tranquilizantes em um animal que agonizava, mas o bicho se assustou e voltou para a mata sem deixar rastros.
A operação para retirar uma onça-pintada de seu hábitat, mesmo quando debilitada, é complexa e perigosa. Requer paciência. O grupo de salvamento é liderado por Eduarda Fernandes Amaral, de 20 anos apenas, natural de Cuiabá. Ela é uma liderança em Porto Jofre que faz a interlocução entre donos de pousadas, Corpo de Bombeiros, ONGs e agentes ambientais do governo de Mato Grosso. "O Pantanal é muito grande para os poucos bombeiros que vieram", afirma.
Assustada
Os veterinários logo percebem que o caso da onça do Corixo Negro é crítico. Assustada, magra e sem forças, tem dificuldades para manter-se de pé. O barco do grupo de salvamento e a voadeira do guia são manobrados para forçá-la a se deslocar para um local específico da beira do rio. Dali, um médico veterinário tentaria se desvencilhar dos galhos e acertar uma zarabatana com sedativo.
O animal resiste e se abriga sob raízes em um barranco. As manobras prosseguem ao longo de uma hora. Finalmente, o veterinário Jorge Salomão, de 36 anos, da ONG Ampara Animal, dispara a zarabatana para atingir a corrente sanguínea da onça. Em dez minutos, o felino "dorme", de olhos abertos. A partir daí começa outra corrida contra o tempo para suspendê-lo e colocá-lo numa jaula, onde serão feitos os primeiros socorros.
Uma base instalada em uma pousada à margem da Transpantaneira, estrada que passa pela região, recebe o animal provisoriamente, até que começa outra etapa do processo de salvamento. É preciso providenciar helicóptero ou caminhão para levar o bicho para tratamento. Por fim, a onça foi levada em helicóptero da Marinha para um centro especializado na Universidade Federal de Mato Grosso. O último boletim veterinário informava que ela resiste.
Os próprios pantaneiros se unem numa ofensiva sem muitos recursos e estrutura em defesa do Pantanal. Os donos de pousadas abriram as portas dos quartos e puseram voadeiras à disposição dos biólogos e veterinários das entidades de proteção de animais que ajudam a movimentar a indústria do turismo. "As consequências do incêndio só não estão sendo piores porque houve uma união. A gente se juntou", afirma Marcos, gerente de uma pousada em Porto Jofre. Os pantaneiros resolveram salvar por conta própria as onças, símbolos de um Brasil solidário, ainda selvagem e fascinante.
Em nota, a Defesa diz que o governo atua "sem poupar esforços" no combate ao fogo e que os focos de incêndio foram reduzidos. A pasta ressaltou que pôs um helicóptero para ajudar nos resgates de onças e engaja 200 militares. O Ministério do Meio Ambiente afirma que enviou 5 aviões, 2 helicópteros, 80 viaturas e 400 brigadistas.