Brasil

Quase 7 milhões pedem demissão no país

No Brasil, o movimento — que ficou conhecido globalmente por "grande renúncia" — foi marcado, sobretudo, pelos mais escolarizados e jovens

Demissões voluntárias: mais de 6,8 milhões de brasileiros pediram as contas em 2022 (Pattanaphong Khuankaew / EyeEm/Getty Images)

Demissões voluntárias: mais de 6,8 milhões de brasileiros pediram as contas em 2022 (Pattanaphong Khuankaew / EyeEm/Getty Images)

Estadão Conteúdo
Estadão Conteúdo

Agência de notícias

Publicado em 6 de março de 2023 às 18h06.

Última atualização em 7 de março de 2023 às 07h26.

Em novembro do ano passado, Renata Lopes, de 36 anos, decidiu por fim a sua insatisfação profissional. Com apenas oito meses ocupando um cargo de gerente de compras numa startup, ela optou por se desligar da companhia e se dedicar exclusivamente ao negócio próprio — uma empresa que vende produtos de segurança. "Foram diversos fatores (que levaram a essa decisão). Era o cargo, a empresa, a distância", diz ela.

Renata se somou a quase 6,8 milhões de brasileiros — o equivalente a toda população do Maranhão — que, em 2022, pediram demissão de forma voluntária, um terço do total de desligamentos registrados no País, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compilados pela LCA Consultores.

No Brasil, o movimento — que ficou conhecido globalmente por "grande renúncia" — foi marcado, sobretudo, pelos mais escolarizados e jovens. Entre os trabalhadores com pós-graduação a demissão voluntária superou os 50%.

"Boa parte desse movimento está atrelado a esse processo de normalização, com as pessoas voltando a ter empregos mais condizentes com sua formação", afirma Bruno Imaizumi, economista da LCA e responsável pelo levantamento.

Em 2020, por exemplo, quando a economia foi abalada pelos impactos provocados pela pandemia de covid, os desligamentos voluntários representavam 25,7% do total.

"Há dois 'Brasis' no mercado de trabalho formal. A grande maioria tem uma mão de obra pouco qualificada, mas quem tem um pouco mais de qualificação tem poder de barganha", afirma Imaizumi.

Hoje os trabalhadores com mais qualificação não ficam mais presos a um trabalho de que não gostam.

Bem-estar e qualidade de vida

O presidente da multinacional de recursos humanos Adecco, André Vicente, explica que a questão do bem-estar e da qualidade de vida passou a ter uma relevância maior para essa população mais qualificada, que não pensa duas vezes antes de deixar o emprego mesmo sem ter algo em vista. "Alguns deles deixam vagas formais e apostam em trabalhos autônomos, em negócios digitais ou no empreendedorismo." Foi o caso de Renata Lopes, que decidiu se dedicar a sua empresa de produtos de segurança.

Outro fator que explica a onda de pedidos de demissão é o desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra em alguns setores, como tecnologia, saúde e mercado financeiro. Vicente afirma que, nesse cenário, as empresas são muito competitivas para atrair o trabalhador. "Isso também foi reflexo da pandemia, pois exigiu que as companhias acelerassem o processo de digitalização, o que demandou muita mão de obra qualificada (que o País não tem)."

Junta-se a isso uma questão geracional, em que os jovens seguem uma filosofia de propósito e "fit cultural". Ou seja, não basta ter um emprego. A cultura organizacional da empresa precisa estar de acordo com a sua personalidade e crenças. "Hoje as pessoas estão muito mais exigentes e preocupadas com os valores da empresa em que trabalham", diz Vicente.

Em 2022, o desligamento voluntário entre os que têm de 18 a 24 anos chegou a 39% do total da faixa etária e representou 34% das demissões dos 25 a 39 anos, resultados bem acima do observado na faixa dos 50 a 59 anos (24%).

"Se a gente for analisar uma geração mais antiga, o sinônimo de sucesso era ficar anos numa mesma empresa, crescer na empresa. O mais jovem, não. Se encontra uma melhor oportunidade no mercado de trabalho, ele se movimenta", afirma o economista da LCA, Bruno Imaizumi.

Um exemplo é Marília Gabriela Fechio, de 34 anos. Formada em publicidade, com uma pós-graduação no currículo e cursando um mestrado, ela sempre prezou pela sua saúde emocional e reconheceu os seus limites. Nem sempre tinha a garantia de um trabalho nas suas trocas de emprego. "Do meu último emprego CLT, pedi demissão por motivos de insalubridade mesmo, por ocorrência de sobrecarga emocional e racismo."

Antes da crise sanitária, ela pondera que tinha alguma "flexibilidade" a mais para lidar com um ambiente de trabalho eventualmente mais difícil. "Depois da pandemia, veio muito mais um senso de urgência, de imediatismo (das empresas). Isso acabou pesando, tanto que, na minha área, nas minhas equipes, tinha sempre alguém sendo afastado por questões psicológicas."

No mundo, essa onda deixou evidente aspectos comportamentais. Em 2021, na esteira desse movimento, mais de 40 milhões de pessoas se demitiram dos seus trabalhos. Vicente diz que na Europa esse movimento é ainda mais intenso que no Brasil. E deve continuar em alta. Exemplo disso é que alguns países estão abrindo suas fronteiras para atrair estrangeiros, como é o caso de Portugal.

Acompanhe tudo sobre:DemissõesMercado de trabalho

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022