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Quanto custaria oferecer internet a todos os alunos da rede pública?

Ainda que as aulas voltem, acesso à internet precisará ser encarado pelo MEC até que haja uma vacina. Estudo do Ipea calculou quanto isso custaria

Escola pública: alunos mais pobres que ficaram sem internet na pandemia são o maior desafio da educação diante do coronavírus (Leandro Fonseca/Exame)

Escola pública: alunos mais pobres que ficaram sem internet na pandemia são o maior desafio da educação diante do coronavírus (Leandro Fonseca/Exame)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 6 de setembro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 6 de setembro de 2020 às 20h32.

Quase seis milhões de alunos da rede pública não dispõem de acesso à internet no Brasil. Essa barreira, já prejudicial antes, se tornou um dos maiores obstáculos para manter as aulas nas escolas públicas durante a pandemia do coronavírus. Para aprofundar o diagnóstico, o Ipea calculou em nota técnica publicada nesta semana quanto custaria universalizar o ensino remoto para essa parcela da população.

estudo "Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia", assinado por pesquisadores da autarquia, usou dados da Pnad Contínua de 2018 do IBGE para mapear os insumos que a população tem para o acesso remoto.

O cálculo leva em conta múltiplas estratégias para universalizar o acesso, entre distribuição de chips com plano de internet a equipamentos para quem não tem e, por fim, apostilas e TV digital para áreas sem sinal. A estimativa foi de 3,8 bilhões de reais para implementar todas essas ações.

Seriam, nesse cenário, 800.000 estudantes que receberiam chips de dados, porque já têm sinal de internet em suas áreas e já possuem dispositivos como celular ou computador.

Já para um grupo de 1,8 milhão de alunos, seria preciso disponibilizar, além dos chips, tablets ou celulares para o acesso.

Por fim, há 3,2 milhões de alunos que sequer têm acesso a sinal de internet em suas regiões. Para eles, o Ipea calcula a utilização de kits de TV digital e distribuição de apostilas ou outros materiais físicos. Os números no estudo incluem alunos da pré-escola à pós-graduação estudando na rede pública.

O principal problema está no ensino fundamental e médio, isto é, alunos de até 17 anos no geral. Nas séries do ensino fundamental, cerca de 16% dos alunos não têm acesso à internet; no ensino médio, são 10%. Na graduação e pós-graduação, o índice é menor, entre 1% e 2%.

"A proposta desta nota técnica foi fornecer estimativas para uma política que tenha por objetivo fornecer os meios necessários para que esses estudantes permaneçam estudando mesmo estando afastados fisicamente do ambiente escolar", escrevem os pesquisadores no estudo.

A falta de acesso à internet tem cor e endereço

Dos estudantes sem acesso a internet considerada de qualidade, metade mora em áreas rurais, mostram os dados. Também há maior proporção de alunos sem acesso fora das capitais (84% está no interior).

Além da questão financeira, há ainda uma desigualdade de região e de cor no acesso à internet. Estudantes sem internet de qualidade são majoritariamente negros ou indígenas. Entre 30% e 40% de alunos dessas populações não têm internet de qualidade na rede pública, ante menos de 13% da população de brancos e amarelos.

Os estados das regiões Norte e Nordeste têm o maior percentual de alunos sem acesso.

Mas, em números absolutos, mesmo estados mais ricos sofrem, porque são desiguais e populosos, mostra o estudo. A Bahia é o estado com maior número de alunos sem internet, e São Paulo, o estado mais rico da federação, é o quinto com mais estudantes sem acesso.

Desde o começo da pandemia, muitos avanços já foram feitos no sentido de reduzir a desigualdade de acesso por meio de ações de governos estaduais em suas respectivas regiões.

Redes em todo o país implementaram opções que foram de atividades impressas entregues na casa dos alunos a aulas na TV e até por rádio. Algumas também fizeram parcerias com operadores para oferecer internet gratuita. Ainda assim, muitos alunos também sofrem com a falta de equipamentos em casa para assistir às aulas, como mostrou reportagem da EXAME em julho.

No âmbito federal, o Ministério da Educação foi criticado em meio à pandemia por não centralizar medidas de combate à crise educacional que se instalou com as escolas fechadas. Algumas iniciativas centralizadas poderiam levar as redes a reduzir custos, sobretudo as mais pobres, afirmou em entrevista anterior à EXAME o deputado João Campos (PSB-PE), da comissão de acompanhamento do MEC na Câmara. Em agosto, o MEC também respondeu a deputados que não sabia quantos alunos estavam tendo aulas remotas.

Agora, mesmo com o Brasil começando a reabrir as atividades, esse desafio em particular não irá embora tão cedo. Para o restante do ano letivo, muitas redes planejam não voltar às aulas presenciais. E, dentre as que pretendem abrir escolas, o plano é manter um modelo de ensino híbrido -- com um revezamento de alunos e nem todos indo à escola ao mesmo tempo para evitar aglomeração.

Um problema adicional é que as escolas ainda são um dos ambientes mais arriscados para a disseminação do coronavírus. Um estudo da Ação Covid e da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) divulgado no mês passado mostrou que, na cidade de São Paulo, quase metade dos alunos poderia se infectar caso as aulas voltassem, com índices altos de contágio mesmo quando cumpridas as regras de distanciamento social.

É por isso que, mesmo com o ensino híbrido já posto sobre a mesa, redes têm encontrado dificuldade em bater o martelo para uma data de volta às aulas. O desafio de oferecer meios de ensino remoto a todos ainda terá de ser uma das prioridades, e será preciso uma ampla coordenação financeira e de gestão entre o MEC e os governos estaduais para qreduzir o tamanho da desigualdade.

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