JOVENS LEGISLADORES: João Leme, Andréia Pereira e Julia Rodrigues são estagiários de vereadores da Câmara graças ao projeto Legisla, que faz a ponte entre os políticos e universitários interessados em entrar para a política / Alexandre de Paulo
Da Redação
Publicado em 7 de julho de 2018 às 07h33.
Última atualização em 16 de julho de 2018 às 15h02.
Caio Rolim tinha vontade de entrar para a política, mas, como muita gente, não sabia nem por onde começar. Formado em engenharia mecatrônica pela Universidade de São Paulo, ele não tinha nenhum contato com o mundo dos gabinetes de vereadores, prefeitos e de outros eleitos para decidir os rumos do país.
Foi para dar uma resposta a esse anseio que Rolim criou o Legisla, uma organização suprapartidária, sem fins lucrativos, que busca ser a ponte entre jovens que querem atuar politicamente e legisladores que desejam renovar suas equipes. Neste ano, a organização conseguiu alocar, como estagiários, três universitários em gabinetes de vereadores da Câmara municipal de São Paulo, e já prepara o segundo processo seletivo que vai escolher mais jovens para entrar nas equipes de vereadores e deputados estaduais.
“Vemos uma certa dificuldade, uma falta de perspectiva e até de informação para jovens que querem ocupar esses espaços. O Legisla é a porta de entrada”, diz Rolim.
O projeto nasceu em agosto do ano passado, durante o PróLíder, um programa de formação de lideranças para jovens promovido pelo Instituto Four. Um dos objetivos do programa é que os participantes saiam com um solução para algum dos problemas do Brasil. Para Rolim e para as duas outras criadoras do Legisla, Ana Kuntz, formada em engenharia de alimentos pela Unicamp, e Luciana Elmais, formada em administração pública pela FGV, uma das principais questões no país é a qualidade, muitas vezes ruim, da equipe por trás de um legislador. Boa parte das equipes costuma ser formada por cargos comissionados, preenchidos por pessoas de confiança dos políticos, mas que não necessariamente possuem a formação técnica necessária.
Em abril, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu mais de 1.000 cargos ocupados por indicações políticas dos vereadores e dos partidos (os chamados cargos comissionados) na Câmara da capital paulista, a pedido do Procurador-Geral do Estado, Gianpaolo Smanio. Para Smanio, a criação, transformação ou mesmo extinção de cargos comissionados é norteada pela vontade pessoal dos vereadores e não por parâmetros objetivos. Em sua decisão, o desembargador Sérgio Rui da Fonseca considerou que a criação de cargos sem a exigência de concurso público contraria a Constituição Estadual. Entre 2003 e 2017, foram criados, por meio de leis, cargos como “coordenador de liderança”, “assessor de comunicação externa” e “auxiliar da ouvidoria”.
O objetivo principal do Legisla é inserir pessoas mais bem qualificadas dentro dos gabinetes para melhorar a qualidade do Legislativo –e, ainda, arejar esses espaços com a entrada de pessoas mais jovens. O primeiro processo seletivo da organização, realizado em novembro do ano passado, foi voltado para estudantes universitários dos mais variados cursos e faculdades.
Cerca de 300 pessoas se inscreveram. Os selecionados passaram por análise de currículo, testes de inglês e lógica e uma entrevista com a equipe do Legisla. Os 17 selecionados fizeram ainda uma formação de dois dias com palestras sobre sistemas eleitorais, o papel dos tribunais de contas na fiscalização do poder Legislativo, campanhas eleitorais, renovação política e representatividade, entre outros.
Ao final do processo, a organização procurou juntar, a partir dos diferentes perfis, os selecionados com vereadores que demonstraram interesse no projeto –Rolim conta que eles foram de porta em porta na Câmara Municipal e falaram com quase todos os 55 vereadores (o projeto não possui nenhum tipo de parceria institucional com a Câmara). Em apenas três casos deu “match”: atualmente, dois trabalham no gabinete do vereador Caio Miranda (PSB) e uma no da vereadora Soninha Francine (PPS).
Andreia Pereira, estudante de políticas públicas da Universidade Federal do ABC, começou a trabalhar no gabinete de Soninha há quatro semanas. Ela almeja, um dia, ocupar um cargo eletivo, mas sempre quis uma experiência no legislativo, o que só foi possível, diz Pereira, por causa do Legisla. “Nunca nem tinha visto um processo seletivo para a Câmara, ainda mais para ir trabalhar direto no gabinete”, conta.
“Sempre imaginei que trabalharia com gestão pública, mas não de forma tão direta. Pretendo seguir com esse trabalho, porque não vejo alternativas para a transformação da sociedade tão boas ou tão eficazes quanto a política”, diz João Pedro Leme, estudante de Direito da USP e hoje estagiário no gabinete de Miranda.
O Legisla é tocado por uma equipe de seis pessoas –todas trabalham voluntariamente. Para dar início ao projeto, eles receberam um financiamento semente do PróLíder, mas, agora, precisam buscar novas fontes de receita –que devem vir principalmente de doações. Rolim saiu de seu trabalho na startup de pagamentos Stone para se dedicar exclusivamente ao projeto. Segundo ele, o plano é, no futuro, monetizar a organização por meio da oferta de outros serviços, como cursos.
Por enquanto, o que importa é levar mais jovens qualificados para dentro da Câmara e da Assembleia Legislativa. A previsão é que o segundo processo seletivo da organização comece já na segunda quinzena de julho. Desta vez, além de universitários, serão selecionados recém-formados que queiram entrar como assistentes juniores nos gabinetes, tanto de vereadores quanto de deputados estaduais.
Na opinião de Sergio Praça, professor da FGV e colunista de EXAME, o mérito da iniciativa é sua dimensão prática. “É uma ação política que de fato acontece para além das eleições, não como os movimentos de renovação política que pedem votos para candidatos que dificilmente serão eleitos”, diz.
Para Rolim, fundador da organização, o Legisla é um meio de renovação política complementar a esses movimentos focados na eleição de novas pessoas. “Qual é o principal local de tomada de decisão de um país? É a política”, afirma. “Por isso, precisamos das pessoas mais bem capacitadas lá dentro para tomar as melhores decisões. Pessoas bem formadas devem estar resolvendo os problemas do país”.