Sérgio Moro: caberá ao Ministério Público Federal produzir "a prova acima de qualquer dúvida razoável" do envolvimento do petista nos crimes de corrupção, disse o juiz (Nacho Doce / Reuters/Reuters)
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2016 às 22h20.
São Paulo - O juiz federal Sérgio Moro afirmou que o processo aberto contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta terça-feira, 20, é a oportunidade para ele "exercer livremente sua defesa" e que caberá ao Ministério Público Federal produzir "a prova acima de qualquer dúvida razoável" do envolvimento do petista nos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dentro do esquema de desvios na Petrobras.
"É durante o trâmite da ação penal que o ex-presidente poderá exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à Acusação produzir a prova acima de qualquer dúvida razoável de suas alegações caso pretenda a condenação", escreveu Moro no despacho que aceitou denúncia apresentada contra Lula, sua mulher, Marisa Letícia, e outras seis pessoas.
Para o juiz, a ação penal - primeira aberta contra Lula, na Lava Jato, em Curitiba - , é "uma oportunidade para ambas as partes".
O Ministério Público Federal acusa Lula de ter recebido vantagens ilícitas da empreiteira OAS por meio de um tríplex 164-A, do Edifício Solaris, no Guarujá, no litoral de São Paulo, e no custeio do armazenamento de bens do acervo presidencial, mantidos pela Granero de 2011 a 2016.
Ao todo, diz a denúncia, o ex-presidente recebeu R$ 3,7 milhões a título de propina da empreiteira OAS. Parte do valor está relacionada ao apartamento no Edifício Solaris: R$ 1,1 milhão para a aquisição do imóvel, outros R$ 926 mil referente a reformas, R$ 342 mil para a instalação de cozinha e outros móveis personalizados, além de R$ 8 mil para a compra de fogão, micro-ondas e geladeira.
O armazenamento dos bens do ex-presidente, pago também pela OAS, segundo os procuradores, custou R$ 1,3 milhão.
Polêmica
A apresentação da denúncia pelos 13 procuradores da força-tarefa da Lava Jato na quarta-feira, 14, em Curitiba, foi alvo de críticas da defesa de Lula e de aliados.
Além de criticarem o que foi chamado de "espetacularização" da acusação, as críticas foram feitas ao conteúdo, levantando questionamentos sobre as provas elencadas pelos acusadores.
Moro afirmou que o "juízo de admissibilidade da denúncia não significa juízo conclusivo quanto à presença da responsabilidade criminal".
"Nessa fase processual, não cabe exame aprofundado das provas, algo só viável após a instrução e especialmente o exercício do direito de defesa. Basta, nessa fase, analisar se a denúncia tem justa causa, ou seja, se ampara-se em substrato probatório razoável", afirmou o juiz da Lava Jato.
Também alvo de críticas, por parte das defesas dos investigados, Moro considerou ser necessária as explicações no despacho de aceitação da denúncia, devido a "celeuma" surgidas pela acusação contra o ex-presidente Lula.
"Tais ressalvas são oportunas pois não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-Presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie", afirmou Moro.
"Tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado. Examina-se, portanto, se presente ou não justa causa."
Defesa
Os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, afirmaram: "Diante de todo o histórico de perseguição e violação às garantias fundamentais pelo juiz de Curitiba em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não causa surpresa a decisão por ele proferida nesta data (20/9/2916) determinando o processamento da denúncia protocolada pelo Ministério Público Federal em 14/9/2916.
Nem mesmo os defeitos formais da peça acusatória e a ausência de uma prova contra Lula, como amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, impediu que o referido juiz levasse adiante o que há muito havia deixado claro que faria: impor a Lula um crime que jamais praticou.
Esse é um processo sem juiz enquanto agente desinteressado e garantidor dos direitos fundamentais. Em junho, em entrevista, o procurador da República Deltan Dallagnol reconheceu que ele e o juiz de Curitiba são "símbolos de um time", o que é inaceitável e viola não apenas a legislação processual, mas a garantia de um processo justo, garantia essa assegurada pela Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir.
Na qualidade de advogados do ex-Presidente, apresentamos uma exceção de suspeição (5/7/2016) - ainda não julgada - e temos convicção nos seus fundamentos.
Esperamos que a Justiça brasileira, através dos órgãos competentes, reconheça que o juiz de Curitiba perdeu sua imparcialidade para julgar Lula, após ter praticado diversos atos que violaram as garantias fundamentais do ex-presidente."
Já o advogado de defesa de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes, ressalta que "não há corrupção ou vantagem ilícita no pagamento para conservação de um acervo de ex-presidente porque é considerado como 'patrimônio cultural brasileiro de interesse público' pela Lei 8394/91", e não há lavagem de dinheiro porque nem Lula, nem Okamotto, nem o Instituto se beneficiaram.
Fernando Henrique Cardoso teve o acervo pago por empresas privadas beneficiadas com diminuição de impostos por incentivo cultural". A defesa afirma que Okamotto, presidente do Instituto Lula, não recebeu o que foi pago para a Granero, "o valor foi pago para a empresa, que mantinha o acervo em depósito.
Portanto, a denúncia sem provas, sem justa causa, não poderia ser recebida e o processo também não pode ser uma farsa com o único objetivo de condenar publicamente inocentes", conclui Fernandes. A defesa vai recorrer da decisão.
Por meio de sua assessoria, a empreiteira OAS informou que não comentaria o assunto.