Bolsonaro e Temer: prisão do ex-presidente pode intensificar as tensões políticas para negociações necessárias do governo Bolsonaro (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 21 de março de 2019 às 15h22.
São Paulo — A prisão do ex-presidente Michel Temer, nesta quinta-feira (21), pode intensificar as tensões políticas para negociações necessárias do governo Bolsonaro, como a reforma da Previdência, segundo especialistas ouvidos por EXAME.
Para o economista André Perfeito, a prisão do emedebista pode tornar ainda mais complexa a relação entre o Planalto e o Congresso, que já está fragilizada depois das críticas feitas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em relação ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
"A prisão do ex-presidente Michel Temer joga gasolina nas tensões entre a classe política e as forças da Lava Jato e pode tornar mais complexo o acerto por reformas. As críticas de Maia ao ministro da Justiça podem ser lidas como parte deste xadrez entre legislativo e judiciário", afirma.
O professor da Fundação Getúlio Vargas e colunista da EXAME, Sérgio Praça, diz que é possível que os parlamentares interpretem a prisão de Temer como uma provocação de Moro ao MDB — partido do ex-presidente, de Maia e também de David Alcolumbre, atual presidente do senado.
"Uma reação que pode complicar as aprovações de reformas do governo Bolsonaro é a interpretação de alguns parlamentares de que essa foi uma reação de Moro à fala do Maia. Apesar de não acreditar nessa hipótese, isso pouco importa ao mundo político. Se eles tiverem a visão de que o ministro da Justiça está chantageando as instituições, os parlamentares pedirão a saída do Moro em troca da aprovação da Previdência", explica.
O especialista acrescenta que, caso essa disputa não venha a se consolidar, é provável que não haja nenhuma alteração no trâmite da reforma. "Não acho que vai facilitar, mas, no fim das contas, não afeta muito. Só teria interferência se o Temer ainda tivesse um papel forte de articulação, algo que ele não tem mais", defende.
Temer foi detido preventivamente nesta quinta-feira, em São Paulo, em uma investigação da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro. Os agentes da Polícia Federal e do Ministério Público carioca colocam o ex-presidente como líder de uma quadrilha que atua há mais de 40 anos no RJ. Segundo as investigações, Temer teria movimentado 1,8 bilhão de reais em propina, por meio de um esquema de desvios em estatais.
O cientista político Fernando Schuler interpreta a prisão como um alerta a outros políticos. "O fato isolado não deve afetar reformas, porque o MDB perdeu força. O que fica é um alerta de que as investigações e prisões devem continuar. Muita gente dentro do Congresso deve ter ficado assustada, principalmente após o desentendimento entre Maia e Moro, nome mais forte do governo Bolsonaro", reforça.
A ação que levou a prisão do ex-presidente é um desdobramento da Operação Radioatividade, que investiga desvios nas obras da Usina de Angra 3 e tem como base a delação do empresário José Antunes Sobrinho, dono da Engevix.
Além de Temer, também foram presos o ex-ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, e João Batista Lima Filho, conhecido como coronel Lima, amigo pessoal do ex-presidente Temer desde 1980.
A detenção foi ordenada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro no âmbito de uma investigação aberta para verificar supostas irregularidades em contratos assinados com a estatal que opera usinas do Brasil, a Eletronuclear.
Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, considera que a operação terá implicações políticas importantes. A principal, diz o especialista, tem relação com o combate à corrupção.
"A simbologia relacionada à prestação de contas ao público e à percepção de risco embutido nas negociações de pautas menos populares, como a reforma da previdência, podem trazer implicações. A expectativa era de que o texto fosse aprovado em outubro, mas com a nova conjuntura pode demorar mais.", diz.
Ele acrescenta, ainda, que para o eleitor do Bolsonaro a prisão de Temer é bastante positiva, mas isso não se enquadra a todos os brasileiros. "Para os demais eleitores que votaram no Bolsonaro porque não queriam o PT não faz muita diferença. Ele tem queimado capital político com fatos que não têm a ver com política", conclui.
O mercado financeiro também reagiu à operação. O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, ampliou a queda logo após as prisões. Por volta de 12h45 (de Brasília), o índice caia cerca 2,3%, na casa dos 95,8 mil pontos. No câmbio, o dólar comercial subia 1,4%, cotado a 3,8185 reais na venda.