Ricardo Sennes, sócio da consultoria Prospectiva no Exame Fórum, dia 4 de setembro de 2017 (Germano Lüders/Site Exame)
Talita Abrantes
Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 10h49.
Última atualização em 23 de janeiro de 2018 às 14h05.
São Paulo — Para uma parte considerável dos analistas políticos, as eleições de 2018 começam nesta quarta-feira (24), data em que o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) julga os recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relacionados à sua condenação no caso do tríplex no Guarujá.
Pela lei da Ficha Limpa, uma eventual condenação na segunda instância impediria a candidatura do petista, que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto para a presidência da República. No entanto, alertam juristas, a inelegibilidade da Ficha Limpa não é automática. Logo, o PT poderia lançá-lo candidato e lutar até o fim na Justiça por seu nome na urna — custe o que custar.
Nesta entrevista a EXAME, o cientista político Ricardo Sennes, sócio da consultoria Prospectiva afirma que a estratégia do PT diante de uma eventual condenação no TRF4 ainda não está clara, mas que a sobrevivência do partido depende disso.
Dequalquer forma, segundo Sennes, preso ou não, candidato ou não, Lula deve exercer uma influência importante nas eleições de 2018. “Não diria que ele é o novo Getúlio Vargas, mas a sombra dele vai estar aí por muito tempo”, afirma.
EXAME: Quais são os efeitos do julgamento do recurso de Lula nesta quarta-feira para as eleições de 2018?
Ricardo Sennes: O dano para o Lula está feito. A condenação nos vários casos é um processo de desgaste da imagem dele e de seu grupo há um tempo já. A imagem para o público em geral já foi maculada. Isso está feito. A questão mais forte é a condenação em segunda instância derivar na impossibilidade da candidatura. A formalidade de ser condenado em segunda instância certamente altera a estratégia política do PT e de todos os outros candidatos em 2018, mas não tanto a imagem do Lula.
Se a imagem está maculada, como explicar o desempenho do ex-presidente nas pesquisas eleitorais?
O Lula não é um consenso, mas é um líder nacional. Ele é um dos poucos do Brasil que responde por 25% a 30% da população que tem uma certa simpatia pelo que ele representa do ponto de vista ideológico ou programático — gente que até pode não gostar dele, mas gosta do Bolsa Família. Mas ele não é consensual nem majoritário. Esses 30% não são suficientes para ganhar um segundo turno, mas são suficientes para colocá-lo no segundo turno.
A condenação em segunda instância, contudo, não o tira automaticamente das eleições. Como um eventual registro de candidatura do Lula impacta o jogo eleitoral?
Os procedimentos com relação a [eventual] condenação dele nesta semana e o impedimento como candidato são dois processos separados, não são automáticos. Sendo condenado em segunda instância, ele vai apelar. A outra questão é impedi-lo nas eleições. Se escolhido pelo partido, ele pode ser inscrito na Justiça Eleitoral e alguém tem que pedir a impugnação da candidatura por conta do Ficha Limpa. Só aí se abre o processo no TSE.
Ele pode fazer campanha até a decisão final. A questão fundamental é a estratégia do Lula e isso ainda não está claro. Uma hipótese é ele querer ir até o fim e fazer esse jogo, sabendo que é de alto risco. A outra é o PT decidir por uma estratégia de redução de danos e apresentar logo um candidato minimamente viável para as eleições.
Por que ir até as últimas consequências é um jogo de alto risco?
A principal consequência é o PT se afirmar que não existe sem o Lula. A ideia que qualquer outra alternativa não vale ser tentada, que eles são órfãos de uma liderança eterna é um sinal de que não há chance de sobrevivência do partido sem o Lula. Como ele está muito personalista, é possível que ele opte por isso, mas, do ponto de vista da racionalidade política, é uma estratégia complicada para não dizer que é um suicídio.
Agora, se o PT lançar um outro candidato no meio desse processo, qual a capacidade do Lula de transferir votos?
De fato, o Lula pode estar fazendo uma estratégia de maximizar sua capacidade de transferir votos. Ele calcula até quando vale a pena apelar nesses julgamentos a ponto de cacifar e pegar o melhor momento para lançar uma candidatura alternativa. Ele não vai até as últimas consequências, mas vai até o último momento em que ele entender que conseguiu acumular recursos de narrativa e de poder suficientes para lançar um cara. Não é substituir já, mas esperar o melhor momento de desgaste dos demais e ganho de legitimidade.
Então, é esperar um momento ótimo para ...
Uma substituição que pode seguir com o legado, com a narrativa.
Essa narrativa ainda é forte para viabilizar um candidato alternativo?
Vai depender dos demais candidatos. Um candidato apoiado pelo Lula pode ter cerca de 15% de votos. Se não existir outros dois que consigam passar essa margem, ele vai para o segundo turno.
Em 2014, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi para o segundo turno com cerca de 41% dos votos válidos e o Aécio Neves (PSDB), com 33%. A expectativa é de uma campanha com muitos candidatos. Essa pulverização de candidaturas e, possivelmente, de votos facilita um cenário em que não há outros dois candidatos com mais de 15% dos votos válidos?
É razoável que sim.
Uma vez no segundo turno, qual é a chance para um herdeiro de Lula?
Segundo turno é a votação do “menos pior”, [vence] aquele que menos atrai repulsa e rejeição. Tendo em vista que o PT perdeu a maioria da sociedade de maneira irreversível, um petista só ganha um segundo turno se for contra [o deputado federal Jair] Bolsonaro. Se for um candidato moderado, que busque uma candidatura mais ao centro, me parece que tem certa chance [nesse contexto]. Mas eu acho pouco provável que o Bolsonaro chegue ao segundo turno.
O discurso do anti-lulismo está presente nas falas da maior parte dos pré-candidatos. Sem Lula, a eleição perde o referencial?
Sem dúvida, o risco Lula tem um peso próprio. Mas só as candidaturas que são apenas “anti-Lula” devem ficar sem referencial. Outros candidatos estão tentando não ser apenas um “anti-Lula”, mas ter algum elemento mais propositivo. O Lula não favorece ninguém. O ruído vai tornar a eleição muito imprevisível. Talvez a ausência do Lula propicie eleições menos tensionadas.
Independente da estratégia que o PT vai adotar e do resultado do julgamento de Lula nesta quarta, a sombra de Lula vai pairar sobre as eleições?
É um personagem na eleição sem dúvida nenhuma. Preso ou não preso, Lula tem uma opinião que vai ser ouvida por uma parte importante da população. Não diria que ele é o novo Getúlio Vargas, mas a sombra dele vai estar aí por muito tempo.