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Prêmio ajuda a preservar memória da escravidão no Rio

Prêmio contemplou o instituto que abriga o Cemitério dos Pretos Novos, no Rio, onde até 30 mil escravos foram enterrados.

Escravidão: instituto receberá uma verba de R$ 100 mil (Evgeniya Tiplyashina/Thinkstock)

Escravidão: instituto receberá uma verba de R$ 100 mil (Evgeniya Tiplyashina/Thinkstock)

AB

Agência Brasil

Publicado em 6 de agosto de 2017 às 14h40.

O Prêmio de Expressões Afro-Brasileiras, concedido desde 2009 sob o patrocínio da Petrobras, contemplou este ano, na categoria especial de preservação de bens culturais, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, que abriga o Cemitério dos Pretos Novos. O Pretos Novos integra o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, na zona portuária do Rio de Janeiro, e do qual faz parte também o Cais do Valongo, espaço que conquistou este mês o título de Patrimônio Mundial Cultural, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Com o prêmio, entregue na última segunda-feira (31) em cerimônia no Teatro Rival Petrobras, o instituto receberá uma verba de R$ 100 mil para a conservação de seu patrimônio, considerado de valor inestimável e ameaçado pela falta de recursos. Entre 1772 e 1830, no denominado Cemitério dos Pretos Novos eram enterrados os escravos que, debilitados pelas horrendas condições das longas viagens nos navios negreiros, morriam nos primeiros dias de chegada ao Brasil.

Estima-se que entre 20 mil e 30 mil escravos tenham sido enterrados no local. Em 1996, o casal Merced e Petruccio Guimarães, novos proprietários do casarão, resolveram fazer uma reforma no imóvel. Ao escavarem o chão da casa, descobriram ossadas pertencentes aos negros ali enterrados, quando o local fazia parte do grande mercado de escravos que constituía essa parte da região portuária carioca.

Foram encontrados mais de 5 mil fragmentos arqueológicos no local, e os ossos não cremados encontrados permitiram identificar 28 corpos, a maioria deles de homens com idade entre 18 e 25 anos. Pontas de lança, argolas, colares, contas de vidro, artefatos de barro, porcelanas e conchas também fazem parte do acervo.

Além de local de estudos e pesquisas arqueológicos, o IPN, criado e dirigido por Merced Guimarães, funciona como centro de informação cultural e artística, com uma galeria de arte e uma biblioteca, ambas com o nome de Pretos Novos. Para se manter, a instituição recebia, até o ano passado, um aporte da prefeitura do Rio, por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (Cdurp), de R$ 85 mil por ano.

"O prêmio foi fantástico para nós, porque ficamos numa situação muito crítica. No ano passado, inscrevemos nosso projeto no Programa de Fomento às Artes, da prefeitura. Fomos contemplados, mas ficamos sem receber", disse Merced Guimarães. Em 28 de junho último, a prefeitura do Rio informou, durante reunião com representantes do setor cultural da cidade, que não iria pagar, por falta de recursos, os R$ 25 milhões devidos às dezenas de projetos contemplados no programa, lançado em 2016, ainda na administração anterior.

Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura informou que o seu projeto de um museu sobre o negro vai abraçar as iniciativas já existentes na região. "Reconhecemos o valor do Instituto dos Pretos Novos, que é de extrema importância para toda essa narrativa da região do Valongo", diz a nota.

Sobre o Programa de Fomento à Cultura, que em 2013 teve seu auge com investimento de R$ 33 milhões, a secretaria ressaltou que a cidade e o estado do Rio de Janeiro vivem um momento de retração econômica. "Objetivamente, não há, na atual conjuntura, disponibilidade imediata de recursos da ordem de R$ 25 milhões para o pagamento do Programa de Fomento 2016\2017, mas a Secretaria Municipal de Cultura está debruçada nesse caso a fim de encontrar medidas para a resolução da questão", finaliza a nota.

Segundo Merced, o prêmio concedido pela Petrobras permitirá ao IPN executar aquilo que pretendia fazer com os recursos do programa da prefeitura, que é a climatização e a remontagem do espaço, agora enriquecido com novas descobertas e informações reveladas na quarta fase das escavações arqueológicas. "Continuamos, no entanto, pleiteando recursos para a manutenção do espaço, para garantir o funcionamento diário. Recebemos, só de janeiro a junho deste ano, cerca de 6 mil visitantes", disse a diretora do IPN.

Mesmo enfrentando dificuldades financeiras, os arqueólogos do Museu Nacional que atuam no instituto realizaram, recentemente, a descoberta sem precedentes da ossada completa de uma jovem africana de cerca de 20 anos. Batizada de Bakhita pela equipe chefiada pelo arqueólogo Reinaldo Tavares, a ossada encontra-se em bom estado de conservação e é considerada única também por ser de uma mulher, já que a maior parte dos africanos sepultados no local era formada de homens.

Coordenador do grupo de trabalho encarregado da candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio da Humanidade, o antropólogo Milton Guran considera o sítio arqueológico que o IPN abriga o testemunho vivo da perversidade da sociedade escravocrata. "Nós chamamos de cemitério, mas, na verdade, esse local era um aterro sanitário, em que corpos de seres humanos eram jogados junto com corpos de animais, cacos de lixo urbano, pedaços de bois e tudo o mais", enfatizou Guran, durante a manifestação realizada em abril deste ano na sede do IPN, em solidariedade à instituição e à sua luta por recursos financeiros que assegurem a manutenção.

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