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Por que políticos guardam dinheiro embaixo do colchão?

A razão pode ser completamente legal e justificada. Mas para especialistas em finanças, há espaço para que o motivo seja, por exemplo, ocultar doadores. Entenda


	Guardar dinheiro no colchão pode ser um ato legal. Mas também pode ocultar irregularidades
 (Stock.xchng/ddrccl)

Guardar dinheiro no colchão pode ser um ato legal. Mas também pode ocultar irregularidades (Stock.xchng/ddrccl)

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Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2014 às 08h12.

São Paulo - Do ponto de vista financeiro, guardar dinheiro embaixo do colchão deixou de fazer sentido faz tempo.

Mas a declaração dos bens de candidatos nas Eleições 2014 mostra que a prática permanece viva entre os nossos políticos. Juntos, eles somam 269,7 milhões de reais em espécie, segundo o jornal O Globo.

Guardar milhares e até milhões de reais em espécie - mesmo em pleno século XXI -, vale dizer, é completamente legal. E os políticos podem ter várias justificativas para fazê-lo, sem qualquer ato irregular.

Entretanto, especialistas de finanças concordam que dinheiro em espécie pode ser também uma maneira de movimentar grandes quantias sem precisar detalhar os pormenores das transações.

Do ponto de vista tributário, o professor de finanças do Ibmec/RJ e especialista em imposto de renda, Gilberto Braga, afirma que, se o candidato quisesse burlar a lei, poderia usar o artifício para ocultar possíveis doadores de campanha.

“Manter dinheiro em casa pode ser uma estratégia para ocultar doadores que não desejam, não podem ou não querem aparecer. Tradicionalmente, esse tipo de doador depois vai pedir uma reciprocidade aos políticos ajudados nos exercícios das funções”, diz o professor do Ibmec.

A lógica é a seguinte: como os políticos têm muitos benefícios, o valor recebido mensalmente vai muito além do salário registrado no contracheque. Com auxílios-moradia, vale-alimentação, verbas para passagens aéreas, contas telefônicas, roupas, etc. não chama atenção o fato de que eles consigam guardar boa parte do salário. 

A questão é que, como eles não precisam mostrar exatamente como gastam seu dinheiro no dia a dia, e é razoável que consigam poupar o próprio salário, um político poderia gastar todo o montante sem que qualquer órgão de controle tome conhecimento.

Assim, ao receber uma doação de dinheiro em espécie, ele poderia afirmar que na verdade o valor foi reunido a partir de suas economias.

“Nós não precisamos demonstrar como nossos recursos são usados no dia a dia, quanto se gasta de supermercado, quanto se gasta de luz, quanto gastamos com supérfluos. Cada um tem um padrão de consumo e uns são mais econômicos e outros mais gastadores. Então, eles podem pegar o dinheiro da doação e passar como se fosse uma economia do próprio salário”, diz Braga.

E onde está a Receita?

Claro que a declaração de um valor em espécie alto pode chamar a atenção da Receita Federal, mas se os valores recebidos forem compatíveis com a quantia declarada, o fisco pode apenas entender que as despesas do candidato foram baixas e o dinheiro em espécie é fruto da poupança do seu salário e ganhos.

Se na verdade o recurso for proveniente de uma doação, considerando que o valor foi doado em dinheiro vivo, a tarefa de rastrear a origem dessa quantia fica muito mais complexa.

Por mais que a Receita solicite a comprovação dos extratos bancários e saques realizados para que o político chegasse ao montante mantido em casa, nada impede que o valor tenha sido de fato sacado, e em vez de ter sido colocado no cofre, por exemplo, tenha sido gasto inteiramente.

Assim, hipoteticamente, como tudo foi pago em dinheiro, dificilmente se poderia verificar se de fato o valor foi mantido embaixo do colchão, ou se foi inteiramente gasto e uma nova quantia proveniente de um doador substituiu este dinheiro.

No entanto, em alguns casos, segundo Braga, não seria preciso ir muito longe. Com um simples cruzamento de dados a Receita verificaria a incongruência.

“Alguns políticos que saíram nos jornais têm recursos em espécie muito superiores à sua capacidade de poupar. Essas situações deveriam merecer apuração mais rigorosa das autoridades competentes. Embora seja legal manter dinheiro em casa, essa não é uma prática razoável”, opina.

Para quem tem a cabeça focada em investimentos e rentabilidade, aliás, a atitude dos candidatos não faz sentido nenhum. E alegar falta de confiança no sistema bancário soa como pouco razoável.

“Essa história de ter dinheiro parado é absolutamente fora do normal e não tem explicação econômica para justificar alguém com uma quantia tão grande em espécie. Significa rasgar dinheiro”, afirma Rafael Paschoarelli, professor de finanças da USP.

Para o professor da Ibmec, a ação não deixa de causar estranheza. “Todo e qualquer político vai ter uma boa desculpa para dizer por que guarda dinheiro em casa: ou ele ganhou de herança, ou vendeu um bem, mas ainda assim é estranho não receber esse dinheiro em cheque ou mantê-lo em uma conta que possa ser rastreada”, conclui.

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