Cracolândia: "Foi uma ação policial e, por isso, os órgão todos que deviam atuar não foram acionados", disse Covas (Rovena Rosa/Agência Brasil/Agência Brasil)
Luiza Calegari
Publicado em 26 de maio de 2017 às 10h56.
Última atualização em 26 de maio de 2017 às 12h20.
São Paulo – O Programa Redenção, iniciativa da prefeitura de São Paulo para lidar com a Cracolândia, tem sido alvo de críticas do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e da Defensoria Pública.
Desde o começo dos debates sobre a implantação, em março deste ano, o MPSP já acusava o programa de "falta de referencial teórico" , de uso excessivo "da tropa de choque no controle do tráfico de drogas no local" e da "quebra da teoria consagrada de redução de danos" em um procedimento administrativo aberto contra a efetivação do programa, segundo relato do jornal Folha de S. Paulo.
O MP, então, começou a colaborar com a prefeitura na elaboração do projeto, mas as duas instâncias voltaram a se desentender após a ação do domingo, dia 21, quando a prefeitura, em parceria com o governo do Estado, desmontou o chamado "fluxo", que é a concentração fixa de usuários no centro de São Paulo.
Em entrevistas, o promotor Arthur Pinto Filho, do MPSP, fez duras críticas à intervenção. Segundo ele, a ação não teve articulação dos profissionais de saúde, e só ajudou a espalhar os usuários de droga pela região central da cidade.
Segundo a Folha de S.Paulo, parte dos usuários que foram acolhidos pela prefeitura após esta ação dormiam no chão dos abrigos, que não tinham leitos suficientes.
A maioria, no entanto, montou 22 novas Cracolândias, a poucos metros de onde estava o "fluxo" original e em outras regiões da cidade.
O prefeito João Doria, na ocasião, decretou o “fim da Cracolândia”, e deu prosseguimento às ações: ainda no domingo e ao longo da segunda-feira, imóveis da região foram lacrados e desocupados, e na terça-feira começaram as demolições.
Já na terça, durante a derrubada de um imóvel condenado, parte da construção cedeu e atingiu o prédio vizinho, um hotel que tinha várias pessoas dentro. A prefeitura alegou ter feito o aviso sobre a obra, mas os moradores negam. Três pessoas ficaram feridas.
Toda a atuação da prefeitura até agora, segundo o coordenador auxiliar do núcleo de habitação e urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo Rafael Faber, pecou pela falta de diálogo com a população.
Ele afirma que os defensores já foram até o local ouvir os depoimentos dos moradores. A defensoria conseguiu uma liminar na Justiça que proíbe a prefeitura de continuar com as remoções e a demolição de imóveis habitados.
“Eu estive com um senhor que me contou que teve a pensão lacrada com seus animais de estimação dentro. As pessoas não foram informadas, isso gera uma insegurança muito grande”, afirma Faber.
Segundo ele, para que as remoções possam ser consideradas legais é preciso que haja notificação por escrito e assistência prévia aos proprietários, o que os moradores alegam que não aconteceu.
O que há de respaldo na legislação para os atos, até agora, é um decreto publicado no sábado declarando a utilidade pública dos imóveis, que seria um primeiro passo para as desapropriações.
"Por si só, o decreto significa que há uma intenção da prefeitura em desapropriar", diz Faber. "Mas ainda não retira a propriedade da pessoa e passa ao poder público, e, principalmente, não autoriza demolição".
O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público e professor da FGV Direito, Carlos Ari Sundfeld, afirma que, em casos de imóveis em ruína, a prefeitura tem o dever de intervir e fazer a demolição, já que a estrutura ofereceria risco à vida das pessoas.
Ele ressalva que é preciso esclarecer as circunstâncias, se o desabamento ocorreu apesar de todas as precauções de segurança ou por falta delas.
O secretário de Justiça, Anderson Pomini, justificou as ações afirmando que um instrumento de requisição administrativa permite a ocupação dos imóveis pelo poder público, com indenização posterior.
No entanto, o professor de direito administrativo do Mackenzie Antonio Cecílio Moreira Pires explica que o dispositivo só se refere a casos muito específicos de emergência e não prevê a demolição dos imóveis.
"No caso de perigo público iminente, o poder público pode ocupar o imóvel, mas depois precisa devolvê-lo e pagar pelos danos. A prefeitura só pode usar o imóvel no período da necessidade, acabou a necessidade urgente e coletiva a requisição acaba também, tem que devolver a propriedade", afirma.
O dispositivo está previsto no artigo 5º da Constituição Federal, incisos XXIV e XXV.
Na desapropriação por utilidade pública ou interesse social, a indenização precisa ser acordada previamente, o proprietário precisa ser notificado e é preciso recorrer a ações judiciais que, segundo Pires, normalmente levam anos para se resolverem, quando não há concordância imediata.
Depois da ação, Doria teve que voltar atrás e explicar a afirmativa que tinha feito, de que "não havia possibilidade de a Cracolândia voltar", o que fez em entrevista coletiva na tarde de ontem.
"Uma coisa é a Cracolândia como espaço físico, como existia. Outra coisa são os dependentes. Nunca falamos que os dependentes deixariam de existir num passe de mágica. Não há mágica para isso. Há um trabalho contínuo", disse.
Em nota, a prefeitura informou que "nunca teve intenção de fazer intervenções em edificações ocupadas sem que houvesse arrolamento prévio de seus habitantes".
A prefeitura disse que "o cadastramento das famílias já está sendo feito", e que as pessoas que não aceitarem desocupar os imóveis serão alvo de ações judiciais.