O senador Valdir Raupp, que virou réu por supostamente receber propina via doação legal (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Talita Abrantes
Publicado em 11 de março de 2017 às 08h00.
Última atualização em 11 de março de 2017 às 09h05.
São Paulo – Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou o primeiro passo para criar um precedente que pode acertar em cheio a estratégia de defesa de uma parte considerável dos políticos na mira da Operação Lava Jato.
Na terça, os ministros da 2ª turma da mais alta corte do país acataram a denúncia do Ministério Público Federal que acusa o senador Valdir Raupp, e outros dois assessores, de receber 500 mil reais em propina da empreiteira Queiroz Galvão trasvestidos de doações legais.
Ao tornar Raupp réu por esses motivos, o STF aceita o argumento de que doações de campanha podem sim servir para maquiar esquemas de corrupção – mesmo quando aparentemente obedeçam a todos os termos legais.
“Tornou-se generalizada a prática de utilizar o a doação de campanha como uma maneira legal de justificar dinheiro dos cofres de empresas para políticos”, afirma Marlon Reis, advogado eleitoral e um dos criadores da Lei da Ficha Limpa.
Ele chegou a essa conclusão depois de entrevistar mais de 100 políticos e pessoas ligadas a campanhas eleitorais que apontaram que “o caixa 1 pode, sim, representar um caso clássico de lavagem de dinheiro”.
Essa é uma das principais teses da força-tarefa da operação Lava Jato. Até este momento, a defesa corrente dos políticos contra essas acusações é de que a lei foi seguida para cada acordo de financiamento eleitoral.
A decisão do STF sinaliza que esse tipo de argumento daqui para frente não será suficiente para impedir investigações.
“A grande novidade nessa questão é que se passa a investigar a origem do dinheiro, independente se a prestação de contas é legal. Se essa decisão se confirmar no pleno, abre-se um precedente para investigar contas já prestadas ao TSE”, afirma Diogo Rais, professor de direito eleitoral da FGV Direito.
Para o advogado Fernando Neisser, membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), a decisão do STF é óbvia e natural, mas não se pode cair no extremo oposto em que todas as doações estão sob suspeita.
Afinal, o financiamento eleitoral feito por pessoas físicas é permitido por lei. E, até que novas (e talvez necessárias) regras entrem em vigor, é um ato vital para o funcionamento da democracia já que toda campanha política no Brasil exige recursos públicos e privados.
“Você não pode de antemão presumir que uma doação eleitoral é fruto de corrupção tampouco pode ignorar outros elementos de prova que apontam para esse sentido”, afirma Neisser.
Segundo informações do jornal Folha de S. Paulo desta sexta-feira, o Congresso já estaria articulando um pacote para aprovar a anistia ao caixa 2 e às doações eleitorais corrompidas por propina.
Para Marlon Reis, contudo, a investida não deve prosperar. “Se o Congresso fizer isso, essa lei será certamente questionada no Supremo porque é inconstitucional”, diz. Isso sem mencionar a pressão social de uma população que já aprendeu a ir para as ruas.