Congresso Nacional, em Brasília: delação de Sérgio Machado revela o quanto corrupção faz parte das estruturas políticas do Brasil (Jorge Silva/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 20 de junho de 2016 às 15h28.
São Paulo – Três ministros. Esse é o saldo de baixas no governo de Michel Temer em apenas cinco semanas. Por trás de todas as cartas de demissões está o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, cuja delação premiada deixou de ser sigilosa na última quarta-feira.
Mais do que revelar uma lista extensa de políticos supostamente envolvidos no caso, os depoimentos de Machado à Lava Jato confirmam que a corrupção não está restrita apenas a determinados grupos ou momentos históricos. Antes é uma prática que se tornou corriqueira no modo como se faz política e, de certo modo, negócios com empresas estatais no país.
E o ex-chefe da Transpetro tem conhecimento de causa. Até pouco tempo, ele ostentava em seu currículo o “feito” de ser o mais longevo presidente da subsidiária responsável pela logística da Petrobras. Foram 11 anos e 4 meses no cargo.
Antes disso, foi deputado federal pelo PSDB entre 1991 e 1995, e senador pelo mesmo partido. Em 2002, se filiou ao PMDB.
Com o apoio de seu padrinho político, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi alçado à presidência da Transpetro no primeiro ano do governo Lula. Ficou lá até o momento em que as suspeitas da Lava Jato inviabilizaram sua permanência no cargo.
Por ora, Machado pode voltar a ostentar em seu currículo outro feito: a autoria da delação premiada mais bombástica até agora no âmbito das investigações do Ministério Público Federal sobre o caso Petrobras.
Representantes de ao menos sete partidos foram contemplados nas mais de 420 páginas que registram o depoimento do ex-presidente da Transpetro. O curioso é que a lista de Machado parece não se importar com orientações ideológicas: rivais e aliados políticos aparecem lado a lado acusados de práticas semelhantes.
Com isso, a delação endossa um argumento repetido à exaustão pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba: “A corrupção não tem cores partidárias. Não é monopólio de agremiações políticas ou de governos específicos", afirmou o magistrado em decisão de abril do ano passado.
Robson Fernandjes/Fotos Públicas
De acordo com Machado, parte desses políticos o teriam procurado pedindo doações para campanhas eleitorais. O problema: esses recursos seriam todos propina.
“Quando [esses políticos] o procuravam conheciam o funcionamento do sistema; que, embora a palavra propina não fosse dita, esses políticos sabiam, ao procurarem o depoente, [que] não obteriam dele doação e sim de empresas que tinham relacionamento contratual com a Transpetro”, diz o texto do depoimento. “As empresas faziam a doação em razão dos contratos que tinha com a estatal”.
Em sua delação, Machado afirma que, desde 1946, os empresários incorporaram ao seu orçamento o chamado “custo político” – que nada mais é que o percentual de propina necessário para cada contrato fechado com o poder público.
O juiz maranhense Márlon Reis, que é um dos idealizadores da Lei Ficha Limpa, chegou a conclusão semelhante após entrevistar mais de 100 políticos e pessoas ligadas a campanhas eleitorais.
“Muitos afirmaram que o dinheiro que é apresentado como doação empresarial é, muitas vezes, dinheiro público que chega às campanhas apenas intermediado pelas empresas na forma de contratos fraudulentos”, afirmou a EXAME.com em entrevista publicada em 2015. “O próprio contrato já nasce levando-se em conta a condição de que parte do dinheiro, que na origem é público, volte para a campanha”.
Para Marcelo Suano, fundador do CEIRI (Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais), os elevados custos das corridas eleitorais explicam o fenômeno.
“O nosso sistema exige uma campanha cara. Esse é o problema. Nós não temos ainda um sistema eleitoral que propicie que uma pessoa possa se eleger com recursos mínimos”, afirmou em entrevista à EXAME.com após encontro com empresários na sede da lghisi Gente na última sexta-feira.
A solução para esse desequilíbrio não é fácil. O especialista defende que seria necessário, no mínimo, uma reforma eleitoral que fixe um teto para campanhas, normatize doações e reveja nosso sistema de representação para mudar isso.
Germano Luders/Exame
A sustentação de todo esse esquema que remonta à década de 40 do século passado se explica pelo loteamento de cargos públicos chave, como a presidência de estatais, com indicações políticas. Aos investigadores da Lava Jato, Machado explicou a lógica:
“1) políticos indicam pessoas para cargos em empresas estatais e órgãos públicos e querem o maior volume possível de recursos ilícitos, tanto para campanhas eleitorais quanto para outras finalidades;
2) empresas querem contratos e projetos e, neles, as maiores vantagens possíveis, inclusive por meio de aditivos contratuais;
3) gestores de empresas estatais têm duas necessidades, a de bem administrar a empresa e outra a de arrecadar propina para os políticos que os indicaram”.
No início do mês, o presidente em exercício Michel Temer anunciou o fim das indicações políticas para cargos executivos em estatais e fundos de pensão até que o Congresso aprove a Lei de Responsabilidade das Estatais.
Uma semana depois, no entanto, acordo na Câmara dos Deputados retirou o trecho do projeto de lei que proibia que pessoas ligadas a partidos sejam indicados para esses cargos. Dá para suspeitar qual é o motivo.