Joesley Batista (Divulgação/Divulgação)
Luiza Calegari
Publicado em 23 de maio de 2017 às 06h30.
Última atualização em 23 de maio de 2017 às 13h28.
São Paulo – Desde a divulgação dos áudios mostrando a conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, versões desencontradas sobre a perícia da gravação surgiram.
Um perito contratado pela Folha de S.Paulo, por exemplo, afirmou que o áudio sofreu "mais de 50 edições". Segundo O Estado de S. Paulo, foram 14 cortes. A perícia de Michel Temer detectou mais de 70 "pontos obscuros". Por sua vez, a rádio CBN, cuja transmissão pode ser ouvida no início do áudio, informou que o tempo da gravação coincide com a programação da rádio.
Diante de tantas evidências, em qual delas acreditar? EXAME.com ouviu especialistas para tentar entender como é feita uma perícia, por que há tantas versões diferentes e quais são os impactos se o áudio tiver realmente sido editado.
As respostas foram elaboradas de acordo com entrevistas feitas com Bruno Telles, presidente da Associação Brasileira de Criminalística; Marcos de Almeida Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais; e Gustavo Badaró, jurista especialista em Direito Processual Penal e autor do livro "Lavagem de Dinheiro - Aspectos Penais e Processuais Penais".
O perito criminal não trabalha sem solicitação. Portanto, é preciso que um interessado solicite a perícia. A partir desse momento, são três etapas de trabalho.
Primeiro, a oitiva, ou seja, uma audição preliminar, na qual alguns ouvidos treinados já podem detectar irregularidades. Depois, vem a análise pormenorizada, que é feita por meio de softwares especializados, que usam algoritmos para detectar alterações nas ondas sonoras.
Por fim, há a análise contextual, que avalia os diálogos e discursos, se o que está sendo dito tem sequência lógica. Este resultado gera um documento, o laudo pericial, que tem valor de prova.
2. Quem determina o responsável por fazer uma perícia?
Os governos têm um corpo de peritos oficiais que fazem parte da polícia ou de um órgão separado na segurança pública. Os peritos criminais federais, por exemplo, fazem parte da Polícia Federal. A perícia é uma das carreiras da PF. Nos estados, no entanto, a perícia nem sempre está ligada à polícia, varia de um para o outro.
3. Por que perícias diferentes têm resultados tão discrepantes, como as da Folha de S. Paulo e do Estadão, por exemplo?
A questão é que as análises que foram feitas são chamadas informalmente de perícia, mas são só avaliações preliminares, segundo os especialistas. Uma perícia de gravação digital é cara e a demanda por esse serviço é baixa. Basicamente, peritos independentes não têm condições financeiras de fazer uma análise científica nas mesmas condições que os técnicos oficiais. Muitos treinamentos, inclusive, são fechados para peritos já formados, que trabalham para o Estado.
4. Como é feito o reconhecimento das vozes em um áudio?
Se for o caso, é preciso pedir para um juiz expedir mandado, ou a pessoa pode se apresentar de livre e espontânea vontade, até o estúdio da perícia, onde há equipamentos próprios para captar o timbre da voz. Isso pode ser feito para definir a autoria do locutor, mas não deve ser o caso - na conversa entre Temer e Joesley.
5. Alguns modelos de gravadores param de gravar automaticamente quando há silêncio, e depois retomam a gravação quando alguém fala. Dá para diferenciar, na perícia, o que seria uma alteração normal do equipamento e o que é corte, edição?
Sim, dá para saber. Cada gravador digital tem o ruído interno do seu funcionamento e existe o ruído ambiental. Trabalha-se com os dois para saber se houve ou não uma edição do som, com o software específico de análise de ondas sonoras. Por isso, não dá para fazer análise tão rapidamente. Um perito vai analisar de milissegundo a milissegundo.
6. É possível detectar essas edições em aparelhos normais de áudio, com fones de ouvido potentes?
Não é nada confiável. Talvez um ouvido treinado fosse capaz de perceber algumas diferenças, mas dificilmente um leigo, que costuma apenas ouvir de forma despretensiosa, vai conseguir detectar alguma coisa.
7. A rádio CBN afirmou que os tempos de sua programação coincidem com o período da gravação de Joesley. Fatores como esse podem pesar na avaliação da perícia?
Podem e serão levados em conta. No entanto, algum editor competente pode ter manipulado até esse detalhe. Mesmo que esse tenha sido o caso, o equipamento da perícia será capaz de detectar se houve edição.
8. Até agora, o que chama a atenção nos áudios?
Preliminarmente, alguns dos chiados, mas, sem a perícia científica, fica difícil avaliar se eles são característicos da movimentação de Joesley ou se são fruto de edição. Tudo o que está sendo dito até agora é, necessariamente, em caráter preliminar, porque ainda não deu tempo de fazer uma avaliação detalhada.
9. Quanto tempo pode levar uma perícia desse tipo?
Normalmente, o prazo é de 30 dias para uma perícia. No entanto, como o assunto é delicado e de importância nacional, o caso deve ser priorizado, e o resultado pode sair antes desse intervalo.
10. Se houve edição, isso pode anular a prova?
Se forem identificadas muitas alterações no áudio, a defesa do presidente pode questionar o valor da gravação em si como prova, e, no limite, levar à sua inutilização. Se há alguns trechos preservados, pode-se utilizá-los ainda, mas a questão é que, se houver tantos pontos de edição quantos foram divulgados, isso dificultaria o entendimento. Não é possível garantir com 100% de certeza que a prova seria anulada, mas haveria um argumento muito forte.
11. Se a prova for anulada, o inquérito continua?
Se o STF aceitar o argumento e invalidar a prova, o inquérito vai continuar com base nas outras provas apresentadas. No entanto, ao invalidar a prova, o tribunal se coloca na situação delicada de se manifestar sobre quem fez a adulteração.
Se ficar comprovado, por exemplo, que o empresário Joesley Batista entregou uma prova adulterada, ele perde os benefícios do acordo de delação premiada.
As provas produzidas, no entanto, ainda valem contra o delatado (no caso, Michel Temer). Ainda seria válida, por exemplo, a ação controlada que gravou as entregas de dinheiro ao deputado Rodrigo Rocha Loures. Mas, contra Temer, especificamente, a prova mais forte é a gravação de Joesley. Se ela perder a validade, a defesa do presidente terá um bom argumento para pedir a suspensão do inquérito.