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Polícia militarizada favorece casos como o do ES, diz professor

A ida das mulheres para frente dos batalhões, pode exemplo, pode ser justamente uma forma de burlar a falta de representação trabalhista dos policiais

PM: atitude das mulheres foi resultado de "um sentimento comum" entre os policiais militares (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

PM: atitude das mulheres foi resultado de "um sentimento comum" entre os policiais militares (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

AB

Agência Brasil

Publicado em 14 de fevereiro de 2017 às 08h30.

Em pouco mais de uma semana, o Espírito Santo viveu um cenário extremo de insegurança e violência. Com policiais parados dentro dos batalhões e suas esposas do lado de fora, bloqueando o acesso, as ruas foram palco de cenas de violência.

Para Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do laboratório de análise da violência da instituição, a estrutura da polícia militar impede o diálogo e reprime as demandas.

"O caráter militar das polícias militares impede comunicação interna, um canal para reivindicação dos policiais, sindicalização e greve. Isso faz com que as demandas fiquem reprimidas por muito tempo e saiam de forma mais explosiva, mais descontrolada", avalia.

"Para resolver essa questão estrutural teríamos que desmilitarizar a polícia. Deveriam ter sindicatos e também direito à greve, respeitados os serviços mínimos, visto que é uma função essencial do estado", conclui.

Para Cano, a ida das mulheres para frente dos batalhões é justamente uma forma de burlar a falta de representação trabalhista dos policiais.

"Como eles, pelo regulamento, não podem nem se manifestar, estão usando os familiares para passar por cima dessa limitação legal para pressionar o governo. Os policiais usam as famílias para não serem punidos diretamente".

W.T.R. é cabo da Polícia Militar e está na corporação há 13 anos. Ele atribui às famílias a iniciativa do movimento, mas elas têm o apoio dos policiais, ainda que não de forma explicita.

"O apoio dos policiais ao movimento é velado, não é nítido. Os policiais estão dançando conforme a música, se não pode sair do quartel, eles não saem do quartel", explica o policial, que pediu para não ser identificado por medo de represálias.

Para ele, a intransigência do governo foi responsável pela situação ter chegado ao ponto que chegou. "Foi justamente porque o governo não dialogou, não falou com as associações, que a situação chegou nesse nível. Temos sete anos com perdas salariais, reajustes abaixo da inflação. E nos três últimos anos não teve nenhum tipo de reajuste", disse.

Ele explica que a atitude das mulheres foi resultado de "um sentimento comum" entre os policiais militares.

Segundo a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (ACS), o salário-base de um policial no estado é R$ 2,6 mil, enquanto a média nacional chega a R$ 4 mil.

"Chantagem"

Em 8 de fevereiro, cinco dias depois do início da paralisação, o governador Paulo Hartung, foi à imprensa e acusou os policiais de chantagem. "É um caminho errado, que rasga a Constituição do país.

O que está acontecendo no Espírito Santo é chantagem aberta. Isso é a mesma coisa que sequestrar a liberdade e o direito do cidadão capixaba e cobrar resgate", disse.

"Quando você tem um movimento desse, existe o mínimo que deve ser discutido. Ouvi de vários policiais que as manifestações do governo contribuíram para um acirramento", disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo, Homero Mafra.

Para ele, o governo passou uma mensagem contraditória ao propor, em negociações, a não punição aos policiais, ao mesmo tempo em que, publicamente, se manifestava de forma dura.

Já o professor da UERJ considera natural esse tipo de manobra: "O jogo é esse. A polícia tenta jogar a opinião pública contra o governador e mostrar que seu serviço é essencial. E o governador faz o jogo dele de dizer isso. Acho que isso é natural. Mas tem que ter bom senso, a polícia tem que voltar a trabalhar, a mensagem já foi mandada".

Apesar de negar a iniciativa e o apoio explícito ao movimento das famílias, o cabo da PM reconhece que foi a forma encontrada para os próprios policiais serem ouvidos.

"O governo disse que não ia negociar e o movimento das mulheres ganhou força pela intransigência do governo. Depois da pressão da sociedade o governo resolveu negociar", disse ele.

Nos primeiros dias da paralisação da polícia, Hartung alegou que seria necessário R$ 500 milhões por ano para atender a demanda salarial dos policiais.

Nos últimos dias, famílias, assistidas por advogados, apresentaram uma pauta de reivindicações que contemplam outros pontos sem mexer na questão salarial.

Para Mafra, os dois lados precisam conversar. "É preciso que haja negociação. Se não em relação ao salário, pelo menos quanto às condições de trabalho. Negociação pressupõe que as duas partes sejam sensíveis. Não pode ser posição de intolerância, porque aí não é negociação, é rendição. Todo mundo tem que ceder um pouco".

Aos poucos, a polícia volta a ser vista nas ruas do estado, atendendo ao chamado do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Nylton Rodrigues, no último domingo (12).

As mulheres, no entanto, continuam na frente dos batalhões. A maior parte dos policiais que está retornando são oficiais e praças que estavam de férias ou de folga e que estão sendo convocados.

De acordo com Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, 1.236 policiais militares estão patrulhando as ruas do estado.

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