"É assustador saber que ainda pode existir racismo dentro da polícia", afirmou o diretor presidente da Educafro, Frei David Santos (Marcelo Camargo/ABr)
Da Redação
Publicado em 23 de janeiro de 2013 às 18h57.
Campinas - Uma ordem assinada por um comandante da Polícia Militar em Campinas (SP) determinando a abordagem de suspeitos de "cor parda e negra", acusados de praticarem assaltos em residências em um bairro nobre da cidade, provocou a reação de entidades de direitos humanos, que denunciaram a PM por discriminação. "A ordem leva-nos a entender que, se os policiais cruzarem com suspeitos brancos, não devem desconfiar deles. Se foram pardos e negros, abordem-nos imediatamente", afirma o diretor presidente da Educafro, Frei David Santos.
O representante da entidade entregou na manhã desta quarta-feira para o secretário-adjunto de Segurança Pública, Antônio Ponte, uma carta em que cobra explicações sobre a ordem emitida pela PM em Campinas. Pede também dados estatísticos sobre abordagens, com ou sem mortes, realizadas pelo 8º Batalhão de Campinas - responsável pela área - para verificar se há prática de racismo nas operações locais. A carta é endereçada ao governador, Geraldo Alckmin, e ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella.
No documento, Frei David solicitou ainda a divulgação de dados étnicos das vítimas de abordagens policiais registradas como "resistência seguida de morte" no Estado e nas operações de confronto com membros da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), com base na Lei da Transparência. "É assustador saber que ainda pode existir racismo dentro da polícia."
Polêmica
O documento que gerou a polêmica foi uma ordem de serviço assinada pelo capitão Ubiratan Beneducci, comandante da 2ª Companhia do 8º Batalhão da PM, em Campinas. Na ordem, de uma folha, assinada dia 21 de dezembro do ano passado, o capitão determina aos policiais que fazem o patrulhamento em dois bairros da região do Taquaral que reforcem as operações em um quadrilátero de ruas onde um grupo de criminosos, com características específicas descritas por moradores, estaria agindo.
Segundo a ordem, os PMs devem atuar com rigor: "focando abordagens a transeuntes e em veículos em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos, os quais sempre estão em grupo de 3 a 5 indivíduos na prática de roubo a residência naquela localidade". "Infelizmente na elaboração do documento, o texto poderia ser mais contextualizado, deixando claro que aquelas características foram dadas por representantes da comunidade, que comunicaram a PM da ocorrência de crimes por um grupo com tais elementos e solicitando reforço policial", explicou o capitão Éder Araújo, porta-voz da PM.
Segundo ele, a ordem expedida pelo capitão de Campinas decorre de um ofício enviado para o comando local por moradores de dois bairros da região do Taquaral. Foram eles, vítimas dos crimes, que informaram as ações aos sábados de um grupo de três a cinco pessoas, com idades entre 18 e 25 anos, de cor parda e negra, informou a PM. "Não se pode falar em discriminação ou em atitude racista. O capitão Beneducci, que é pardo, emitiu essa ordem com base em indicadores concretos, ele apenas expôs as características físicas dos suspeitos", afirma Araújo.
Para o representante do Conselho de Defesa da Pessoa Humana do Estado, Dojival Vieira dos Santos, a ordem explicita a discriminação por parte da PM. "É um comandante da Polícia Militar do Estado assumindo uma postura discriminatória e manifestando explicitamente esses atos nas ações de abordagens." Na carta encaminhada pela Educafro ao governador, a entidade afirma que compreende "que a orientação não é governamental", mas que o governo "pode combater com determinação e direito esta medida aplicada por este servidor policial, mal formado e não preparado para suas funções de comando". "Queremos que a polícia se liberte da imagem do cidadão negro como sendo bandido", completa o documento.