Estátua da Justiça em frente ao STF, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 5 de setembro de 2022 às 18h41.
Última atualização em 15 de setembro de 2022 às 18h19.
A lei que estabelece os valores mínimos que devem ser pagos a profissionais de enfermagem em todo o país, sancionada há pouco mais de um mês, está suspensa por decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, até que fique claro o impacto financeiro da medida para estados e municípios e para hospitais.
Nesta quinta-feira, 15, a Corte formou maioria para manter a suspensão. Até agora, cinco ministros concordaram com a decisão de Barroso: Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficaram contra os ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin.
O ministro Luiz Fux e a presidente do STF, Rosa Weber, ainda não se manifestaram. Os votos são inseridos no plenário virtual da Corte. O julgamento termina na sexta-feira, 16. Até lá, os ministros podem alterar os votos ou pedir vistas -- ou seja, mais tempo para analisar o assunto.
O texto, aprovado pelo Congresso em maio e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto, determina que nenhum enfermeiro poderá receber menos do que R$ 4.750 por mês, seja celetista ou servidor público da União, de estados, do Distrito Federal ou de municípios. Para técnicos de enfermagem, o piso é de R$ 3.325 e, para auxiliares de enfermagem e parteiras, de R$ 2.375.
A lei foi contestada por entidades que representam hospitais e clínicas privadas, que argumentam que o resultado do aumento dos custos será demissão de enfermeiros e piora na prestação dos serviços de saúde. O setor também alega que o impacto financeiro, para os estados e municípios, não está claro no texto.
Com base nesses principais argumentos, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, assim que a lei foi sancionada, pedindo a suspensão do piso salarial da categoria.
Depois de avaliar o pedido, Barroso concedeu a liminar, no domingo, 4, antes mesmo que a nova lei tivesse algum efeito prático, já que os primeiros pagamentos após a sanção seriam feitos nesta semana. O ministro decidiu que, até que as questões levantadas pela entidade sejam esclarecidas, o piso não deverá ser aplicado.
Barroso deu um prazo de 60 dias para que a União e outros entes deixem claro três principais pontos:
Deputados e senadores se manifestaram contra a decisão de Barroso, inclusive os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O posicionamento dos parlamentares não é surpresa, já que o piso da enfermagem foi aprovado por ampla maioria na Câmara, com sete votos contrários, e por unanimidade no Senado.
No Twitter, Pacheco prometeu “rápida solução” ao embate. O senador se encontrou com Barroso na semana passada para discutir o assunto Os dois sugeriram possíveis fontes de custeio da medida. “Em nome do Parlamento, tratarei imediatamente dos caminhos e das soluções para a efetivação do piso perante o STF”, disse, na rede social.
“Não tenho dúvidas de que o real desejo dos Três Poderes da República é fazer valer a lei federal e, ao mesmo tempo, preservar o equilíbrio financeiro do sistema de saúde e entes federados”, escreveu Pacheco. Segundo ele, o piso é uma medida “justa, destinada a um grupo de profissionais que se notabilizaram na pandemia e que têm suas remunerações absurdamente subestimadas no Brasil”.
Lira também se manifestou no Twitter. “Respeito as decisões judiciais, mas não concordo com o mérito em relação ao piso salarial dos enfermeiros”, disse, no domingo. “São profissionais que têm direito ao piso e podem contar comigo para continuarmos na luta pela manutenção do que foi decidido em plenário”, garantiu.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor da lei, disse que está "empenhado para que o Tribunal, na via recursal, reverta essa decisão".
O posicionamento oficial da Presidência da República é que a lei é constitucional e deve ser mantida. Em vídeo postado nas redes sociais nesta segunda-feira, 5, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que “a posição do governo Bolsonaro em relação ao assunto é clara: vai defender a lei que foi sancionada estabelecendo o piso da enfermagem”.
O deputado afirmou que a Advocacia-Geral da União (AGU) defenderá a manutenção do texto. “Estaremos acompanhando este processo judicial”, disse Barros.
A equipe econômica do governo, entretanto, se preocupa com a possibilidade de que o custo recaia sobre a União. Isso porque Barroso observa, na liminar, que o Legislativo e o Executivo teriam dado aval para o piso da enfermagem sem analisar a viabilidade da execução e sem propor medidas que permitiriam esse aumento de custos, como atualização da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada.
“Nessa hipótese, [Legislativo e Executivo] teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta”, considera o ministro.
A estimativa do setor privado é que, se o piso for mantido, 80 mil profissionais de enfermagem serão demitidos e 20 mil leitos serão fechados em todo o país. Para cumprir a lei, 77% dos hospitais privados dizem que precisarão reduzir a quantidade de enfermeiros, 65% afirmam que terão que cortar pessoal em outras áreas e 51% consideram diminuir o número de leitos.
Os números fazem parte de uma pesquisa feita pela CNSaúde com a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), a Federação Brasileira de Hospitais (FMH) e a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Foram entrevistadas 2.511 instituições hospitalares privadas entre 19 de agosto e 23 de agosto.
A CNSaúde também alega que a qualidade dos serviços deve cair, porque haverá “substituição de trabalhadores com maior qualificação por outros que não tenham a mesma capacitação”, além da “destinação prioritária de recursos para custeio de pessoal em detrimento de outras frentes”.
Outros argumentos do setor contra o piso salarial da enfermagem, citados por Barroso na decisão, são que a lei “não considera as desigualdades regionais que tornam o piso inexequível em algumas unidades da Federação” e que o texto “cria distorção remuneratória, já que o piso salarial dos médicos é inferior ao previsto para os profissionais da enfermagem”.
Os prejuízos serão mais acentuados nos estados e municípios mais pobres, onde é maior a diferença entre a média salarial atualmente praticada e os pisos definidos pela lei. Na decisão, Barroso menciona que o aumento salarial necessário para atingir o novo piso seria de 10% no estado de São Paulo e de 131% na Paraíba.
Outras consequências seriam “a falência de unidades de saúde ou o repasse dos custos aos usuários de serviços privados de saúde” e a “redução da oferta desses serviços por particulares – inclusive na rede de cobertura conveniada ao SUS, e a consequente sobrecarga do sistema público”.
Os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem (Cofen/Coren) prometem tomar “as devidas providências” para derrubar a decisão de Barroso no plenário do STF, “corrigindo esse equívoco na deliberação” do ministro, “fundada nas versões dos economicamente interessados”.
Em nota conjunta, as entidades afirmam que a liminar é “discutível” e está baseada em uma “falsa alegação unilateral da CNSaúde” de que a instituição de pisos salariais para a categoria resultará em demissões e falta de leitos. Não há, segundo elas, “qualquer indício mínimo de risco para o sistema de saúde”.
Para os conselhos da categoria, a decisão de Barroso “atende a conveniência pura da classe empresarial, que não quer pagar valores justos aos serviços prestados pela enfermagem”. Eles ressaltam que “todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos”.
Antes da aprovação da lei, a Câmara analisou o projeto em um grupo de estudos, que concluiu que o custo direto dos novos pisos salariais seria de R$ 16,3 bilhões ao ano para instituições de saúde públicas, privadas e filantrópicas.