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PF vê crime político e prende deputado e irmão, suspeitos da morte de Marielle

As prisões representam o avanço mais significativo da apuração do assassinato da vereadora; os mandados foram cumpridos por determinação do ministro Alexandre de Moraes

Marielle Franco: acompanhe a decisão da Justiça (Marcelo Freixo/Wikimedia Commons/Reprodução)

Marielle Franco: acompanhe a decisão da Justiça (Marcelo Freixo/Wikimedia Commons/Reprodução)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 25 de março de 2024 às 08h04.

Seis anos após o assassinato de Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, três investigados foram presos neste domingo, 24, por suspeita de envolvimento na tentativa de mandar matar a vereadora do Rio de Janeiro.

As prisões do deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), de seu irmão Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), e do ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa responsável por parte das investigações do caso no âmbito estadual representam o avanço mais significativo da apuração até aqui.

Os mandados de prisão preventiva foram cumpridos por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), diante de relatório da Polícia Federal (PF) que apontou crime político, motivado pelo fato de Marielle contrariar interesses da milícia e a grilagem de terras na zona oeste do Rio.

'Triunfo do Estado brasileiro'

O inquérito revelou detalhes do funcionamento de uma rede de autoridades públicas suspeitas de estar por trás do crime praticado em 14 de março de 2018. Em entrevista concedida na tarde de ontem, após ler o relatório de 479 páginas da PF, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a investigação e a prisão dos possíveis mandantes é um "triunfo expressivo do Estado brasileiro". Ele alertou que as apurações relatam o "modus operandi da milícia no Rio" e o "entrelaçamento com os órgãos públicos".

Domingos Brazão, hoje conselheiro, já foi deputado estadual; Chiquinho é parlamentar federal, e Rivaldo era o chefe da Polícia Civil do Estado na época do crime. Os três foram levados ontem de avião para presídios diferentes em Brasília.

O nome de Rivaldo foi apontado como a "surpresa" da investigação por familiares e políticos que conviviam com Marielle. É um personagem que levou a apuração a se debruçar sobre a atuação da Polícia Civil do Rio na condução do processo investigatório. Rivaldo é suspeito de ser parte do conluio para a execução de Marielle. Sua função teria sido a de garantir que não haveria punição ou investigação conclusiva.

Há um ano conduzindo as apurações, a PF relatou detalhes da motivação do crime e da atuação dos investigados, presos ontem. Com base no relatório, Moraes expediu os mandados cumpridos. As investigações apontam para a ação da milícia no Rio, e sua ligação crescente com a política, como o principal motivo para a execução de Marielle. Segundo a PF, enquanto o grupo sobre o qual os irmãos Brazão tinha influência atuava para regularizar terras para fins comerciais, a vereadora e seus aliados políticos queriam usar os terrenos para fins sociais, de moradia popular. Chiquinho Brazão foi vereador junto com Marielle.

Descontrole

Um projeto de lei em específico teria sido a origem da irritação do então vereador com Marielle. De autoria de Chiquinho, o texto tratava da regulamentação fundiária de loteamentos em bairros da zona oeste do Rio. A votação foi apertada, por conta dos votos do PSOL, o que teria levado o vereador ao "descontrole".

"No mesmo sentido, apontam diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial do Domingos, em atividades criminosas, incluindo as relacionadas com milícias e grilagem de terras. Por fim, ficou designada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária direito de moradia", diz o relatório policial.

A ação da PF, batizada de Operação Murder Inc., também cumpriu 12 mandados de busca e apreensão na capital fluminense, expedidos pelo Supremo. Segundo a PF, também são apurados crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.

O diretor-geral da Polícia Federal, delegado Andrei Rodrigues, afirmou que a motivação do crime também precisa ser "olhada em um contexto". "A gente não pode dizer, e isso estava nos relatórios, que houve um único e exclusivo fato. O que há são várias situações que envolvem a vereadora Marielle Franco, que levaram a esse grupo de oposição, envolve também a questão das milícias, disputas de territórios. Precisamos fazer essa análise olhando há seis anos. Havia um cenário e havia uma disputa", afirmou.

Bloqueio

A prisão preventiva ocorreu cinco dias após Lewandowski anunciar a homologação da delação premiada de Ronnie Lessa, ex-policial militar apontado como o responsável por executar a vereadora e Anderson. Em depoimento, o comparsa de Élcio Queiroz - que, segundo a investigação dirigia o carro usado no crime - citou o deputado Chiquinho Brazão, o que motivou a remessa do caso para o Supremo, por causa do foro.

Além das prisões e das buscas, Moraes também determinou bloqueio de bens; afastamento das funções públicas; e outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte e suspensão de porte de armas.

O TCE-RJ disse que policiais federais foram até o gabinete de Domingos Brazão ontem pela manhã para cumprir o mandado de busca e apreensão contra o conselheiro. Também foram alvos de medidas cautelares Erica Andrade, esposa de Rivaldo Barbosa; Giniton Lages, delegado da Polícia Civil e ex-chefe do Departamento de Homicídios; Marco Antonio Barros, comissário de Polícia Civil; e Robson Calixto Fonseca, assessor do TCE-RJ.

Delações

Andrei Rodrigues, chefe da PF, afirmou que as delações premiadas de Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz tiveram peso importante na elucidação do caso. Mas elas foram complementadas com outras provas. "Procuramos corroborar tudo que é falado pelos colaboradores, inclusive uma colaboração corrobora com a outra", frisou.

Os presos foram levados pela manhã para à Superintendência da Polícia Federal, no Rio. Eles passaram por audiência de custódia. À tarde, foram transferidos para Brasília.

O advogado Ubiratan Guedes, que representa o conselheiro Domingos Brazão afirmou que ele "nunca teve nenhuma ligação com Marielle Franco". "Segundo informações que nós tivemos, a imputação que tem contra ele é de obstrução de Justiça", afirmou o advogado.

O STF marcou uma sessão extraordinária para esta segunda-feira, 25, para que a Primeira Turma da Corte analise as medidas determinadas no inquérito sobre o assassinato da vereadora.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, comemorou as prisões em publicação numa rede social "Grande dia", escreveu a ministra no X (antigo Twitter). "Só Deus sabe o quanto sonhamos com esse dia! Hoje é mais um grande passo para conseguirmos as respostas que tanto nos perguntamos nos últimos anos: quem mandou matar a Mari e por quê? Agradeço à PF e ao STF. Estamos mais perto da Justiça!"

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