Anderson Torres: o ex-ministro afirmou que seu celular havia sido alvo de um ataque (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 17 de janeiro de 2023 às 19h15.
Sem o aparelho celular do ex-ministro Anderson Torres, que alega tê-lo deixado nos Estados Unidos, a Polícia Federal dificilmente conseguirá acessar o conteúdo do telefone. O caminho mais viável seria pedir uma quebra de sigilo e, ainda assim, o sucesso da empreitada dependerá da sorte, de acordo com especialistas.
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, cadeira que ocupou ao deixar o primeiro escalão da gestão de Jair Bolsonaro, Torres é acusado de ter sabotado o esquema de proteção montado para evitar os ataques às sedes dos Três Poderes, ocorridos no dia 8. Ele foi preso no sábado, ao desembarcar em Brasília após um período de férias nos EUA.
Dias antes, quando a ordem de prisão contra ele já havia sido expedida, o ex-ministro afirmou que seu celular havia sido alvo de um ataque: “Olá, clonaram meu WhatsApp, não aceitem nenhuma mensagem ou ligação", escreveu nas redes sociais. Diante disso, a possibilidade de ele ter apagado os arquivos do telefone é alta. Como investigado, Torres tem direito a não entregar o dispositivo à PF, sob argumento de que não é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Peritos ouvidos pelo GLOBO afirmam que o caminho mais viável para chegar ao conteúdo do smartphone seria pela nuvem — um mega-ambiente virtual de armazenamento de dados. Para isso, os investigadores precisariam de uma decisão judicial que quebra de sigilo. Ainda assim, só conseguiriam acessar as informações salvas online, ou seja, na internet.
Atualmente, a maioria dos celulares salva parte dos arquivos, como fotos ou documentos, em serviços de armazenamento online, como o iCloud e Google Drive, a depender do modelo do aparelho. Mesmo que consigam quebrar o sigilo, o sucesso ou fracasso da medida dependerá do quanto Torres gravou seus dados na nuvem.
— É possível fazer perícia em cima de tudo aquilo que foi armazenado pelos aplicativos no arquivo de backup do dispositivo, o qual será armazenado na nuvem da plataforma, mas apenas nesse material, quaisquer outros arquivos que não estejam incluídos no backup, podem ser periciados somente com o exame diretamente no dispositivo. O conteúdo do backup não é algo definido pelo usuário mas sim pelos aplicativos que são utilizados no dispositivo e pelas configurações gerais de backup do próprio dispositivo — afirma o perito em crimes digitais Adriano Vallim.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Willy Hauffe, esse acesso só pode ser obtido por meio de decisão judicial. O perito explica ainda que as empresas fornecem apenas arquivos que estão ativos na nuvem e não costumam recuperar dados que foram apagados, mesmo que isso seja tecnicamente viável.
— Existe a possibilidade de que exista um backup (cópia automática) do WhatsApp, por exemplo. Mas aí pesam dois fatores: a sorte do investigador e a incompetência, entre aspas, do investigado. Hoje, há ferramentas de comunicação mais seguras e privativas — afirma Willy Hauffe.
O perito destacou ainda que o ex-ministro Anderson Torres já atuou como delegado da Polícia Federal e, portanto, tem conhecimento das técnicas investigativas utilizadas. Uma alternativa, mais simples e menos provável, seria Anderson Torres entregar espontaneamente o seu celular à Polícia Federal. Ele não explicou por que teria deixado o celular no EUA.
No pior dos cenários, ainda que a PF não consiga acessar os dados do telefone, por meio da quebra de sigilo é possível mapear os lugares por onde aquele aparelho passou nos últimos dias, por exemplo. Informações como essas podem ser úteis à investigação, pois ajudam a revelar onde o dono daquele dispositivo esteve.
Anderson Torres passou ao menos parte das férias na Flórida, mesmo estado em que o ex-presidente Jair Bolsonaro está desde o dia 30 de dezembro, data em que deixou para trás o mandato e o país.
— A quebra teria que ser feita com ferramentas periciais próprias, que têm seu custo e tempo. Por parte da defesa, ainda vale a velha e boa prática de que não ser obrigado a produzir provas contra si próprio — explica Hauffe.