Sergio Moro: ex-juiz teve celular hackeado no começo do ano; quatro pessoas foram presas acusadas de terem feito a invasão do aparelho (Rafael Marchante/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de julho de 2019 às 14h29.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 16h53.
A Polícia Federal (PF) investiga supostos patrocinadores do grupo preso sob suspeita de hackear os celulares do ministro da Justiça Sérgio Moro, de delegados da PF e de juízes.
Ao decretar a prisão temporária de quatro investigados, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10º Vara Federal de Brasília, apontou para a incompatibilidade entre as movimentações financeiras e a renda mensal de casal Gustavo Henrique Elias Santos e Suellen Priscila de Oliveira, que em dois períodos de dois meses — abril a junho de 2018 e março a maio de 2019 — movimentou R$ 627 mil com renda mensal de R$ 5.058.
"Diante da incompatibilidade entre as movimentações financeiras e a renda mensal de Gustavo e Suelen, faz-se necessário realizar o rastreamento dos recursos recebidos ou movimentados pelos investigados e de averiguar eventuais patrocinadores das invasões ilegais dos dispositivos informáticos (smartphones)", registrou.
Os quatro presos tiveram os sigilos bancários abertos e os bens acima de R$ 10 mil, bloqueados. A Polícia Federal afirma ter identificado movimentação atípica nas contas de dois dos suspeitos: de R$ 424 mil em nome de Gustavo Henrique Elias Santos e de R$ 203 mil na conta de sua mulher, Suelen Priscila de Oliveira.
A movimentação do dinheiro na conta de Gustavo, segundo a PF, ocorreu entre abril e junho de 2018, enquanto o valor relacionado à sua mulher, entre março e maio deste ano. O Relatório de Movimentação Financeira aponta ainda que a renda mensal declarada ao banco pelo DJ é de R$ 2.866, e a de Suelen, R$ 2.192. A defesa ainda não comentou sobre os valores.
Além da quebra de sigilos, o juiz Vallisney de Souza Oliveira autorizou busca e apreensão de veículos, computadores, notebooks, HDs, pendrives, CDs e DVDs em endereços frequentados pelos quatro suspeito.
Em sua decisão, Vallisney explicou que a Polícia Federal identificou a conexão que levou ao pedido de prisão dos quatro suspeitos a partir do número de celular do ministro Sergio Moro. Segundo a decisão judicial, a manipulação e uso dos números telefônicos das vítimas puderam ser feitos através de serviços de voz ou por aplicativos que modificam o número chamador. Assim os investigadores chegaram a uma rota de interconexão que envolvia a operadora de telefonia Datora Telecomunicações Ltda, detentora da tecnologia conhecida por VOIP, e a microempresa BRVOZ. Por meio dessa microempresa, o "cliente" conseguia realizar chamadas simulando ligações de qualquer número de telefone.
Além do casal, na operação Spoofing, foram presos Walter Delgatti Neto e Danilo Cristiano Marques. Os presos foram transferidos para Brasília. Segundo a PF, por questão de espaço, dois deles permaneceram na carceragem da superintendência e os outros dois foram levados por volta das 23h desta terça-feira (23), para local não informado.
Um dos endereços alvo de buscas nesta terça foi a residência da mãe de Gustavo Henrique Elias Santos, em Araraquara (SP). Santos no entanto, foi preso na capital paulista. Ele trabalha com shows e eventos, segundo investigadores.
Outro preso, Delgatti Neto já responde a processos por estelionato. Segundo informações da Justiça Eleitoral, ele foi filiado ao DEM. A defesa dele não foi localizada. Há ainda, um quarto preso, em Ribeirão Preto (SP), Danilo Cristiano Marques.
As buscas e apreensões feitas nos endereços dos quatro suspeitos de terem hackeado autoridades revelaram que quase mil tiveram suas conversas no aplicativo Telegram roubadas. Fontes da PF dizem que entre as vítimas estão autoridades dos três Poderes e também jornalistas. Já se sabe que o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi alvo desse grupo.
Em 13 páginas, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, fundamentou a ordem de prisão temporária dos quatro investigados por suspeita de hackear o celular de Moro. Na decisão, ele afirma que há indícios de eles integrarem uma organização criminosa.
"Há fortes indícios de que os investigados integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades públicas brasileiras via invasão do aplicativo Telegram", afirmou o juiz.
"As prisões temporárias dos investigados são essenciais para colheita de prova que por outro meio não se obteria, porque é feita a partir da segregação e cessação de atividades e comunicação dos possíveis integrantes da organização criminosa, podendo-se com isso partir-se, sendo o caso, para provas contra outros membros da organização e colheita de depoimentos de testemunhos sem a influência ou interferência prejudicial dos indiciados."
Segundo o magistrado, "há também a necessidade da realização de buscas e apreensões nos endereços residenciais dos investigados, sendo, portanto, necessária a sua privação de liberdade, a fim de viabilizar a coleta de provas, sem que as oculte ou destrua ou que desapareçam por completo".
"Os fatos relatados pela autoridade policial demonstram que os investigados são prováveis integrantes de organização criminosa e responsáveis pela prática de delitos graves", anotou o magistrado.
A prisão dos quatro é temporária, com duração de cinco dias, podendo ser prorrogada por igual período, para obtenção de provas. O inquérito está sendo conduzido pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, que, em 2005 e 2006, presidiu o inquérito do mensalão.
A advogada Mariani de Cassia Almas, que defende Delgatti Neto disse que desconhecia qualquer aptidão em seu cliente para crimes cibernéticos. "Se ele tinha esse talento, ele nunca demonstrou, e eu desconhecia. Ele nunca teve nada parecido com isso. Fiquei até surpresa quando li o noticiário sobre essa investigação, mas até agora ele não me procurou para falar sobre esse fato novo."
Mariani atua na defesa de Delgatti em dois processos criminais, um deles por furto qualificado e outro por estelionato. Na ação pelo furto, seu cliente foi condenado, mas não cumpriu pena, segundo ela. "Estamos com apelação à espera de julgamento no Tribunal de Justiça", disse. No processo por estelionato, o suspeito teria usado o cartão de crédito furtado de um advogado de Araraquara para comprar móveis. "Nesse processo ele ainda não tem condenação", disse.
De acordo com a advogada, ela atua em outro processo de Delgatti Neto em que ele figura como autor e reclama a devolução de bens apreendidos pela polícia em buscas relacionadas à investigação pelo crime de furto. "Apreenderam computadores e celulares que não tinham a ver com a acusação. Ele já foi julgado e não devolveram, por isso entramos com a ação", disse.
Mariani disse que desconhece qualquer relação de seu cliente com o outro preso na operação, o ex-DJ Gustavo Henrique Elias Santos. Em 2015, os dois teriam sido detidos pela polícia, na companhia de outros dois amigos, numa abordagem da polícia no parque temático Beto Carrero World, em Santa Catarina. "Ele nunca me falou sobre isso, até porque nossa relação sempre foi muito profissional."