GLAUCO PERES: “Oscilar dois pontos, para mais ou para menos, é muita coisa e faz a eleição mudar” / Divulgação
Raphael Martins
Publicado em 3 de fevereiro de 2018 às 07h28.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2018 às 17h35.
Os números da pesquisa Datafolha de intenção de voto para presidente da República foram mais uma decepção para governistas e pré-candidatos ligados ao Palácio do Planalto. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tiveram desempenho desprezível. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que sonha em agregar o eleitorado de centro, andou de lado.
Mesmo virtualmente fora da corrida, segue no topo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com desempenho inabalado depois da condenação em segunda instância na Operação Lava-Jato. Nos melhores cenários, tem 37% das intenções de voto, seguido por Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com quase 20 pontos percentuais a menos.
“É muito difícil dizer que é ministro de um governo tão reprovado e falar que vai fazer alguma coisa diferente para o país”, afirma em entrevista a EXAME o cientista político e professor da USP, Glauco Peres. “Em vez de começar com a vantagem de ter o governo do seu lado começa com uma desvantagem gigantesca”.
Em entrevista, Peres explica por que os números do Datafolha se mantiveram tão próximos aos da pesquisa anterior do instituto e quando as curvas de aceitação vão se mexer ao sabor dos eventos políticos e econômicos do país.
Quais as principais conclusões dos últimos números do Datafolha?
A impressão que fica é de que o leitor está, de certa forma, receoso. Não tem nenhum nome em quem confiar. Nenhum nome de projeção, que apareça como a solução óbvia quando se pensa no próximo presidente. O Lula tem um espaço grande muito por uma falta de alternativa. Por outro lado, o governo dele foi um tempo, do ponto de vista de retorno econômico, muito próspero.
Quem está insatisfeito com o que está acontecendo no governo Temer guarda boas lembranças da era Lula. Poderia ser um raciocínio do tipo: ele é ladrão, mas é como os outros e pelo menos eu tinha dinheiro. O que falta é que alguém apareça e que seja capaz de mostrar para o eleitor que a economia pode voltar a crescer e que as pessoas acreditem nisso.
O segundo lugar é de Bolsonaro, que acaba se aproveitando da onda contra o Lula. Não o ter na disputa fará murchar. Isso se nota com o desempenho que parou de crescer. As pessoas perdem o interesse de votar em alguém tão extremo.
Lula não desidrata mesmo com possibilidade real de não concorrer. Boa parte se transfere para nulos. Esse quadro continuará até quando?
Até quando a campanha começar de fato. Até lá, muito dos candidatos vão na base do recall e das percepções de cenário. Quem está forte nas pesquisas são os candidatos que os eleitores se lembram. Por isso, a liderança sempre fica em torno dos mesmos. Não dá para esperar que o eleitor invente um nome. Nessa altura, os candidatos tradicionais começam indo muito bem e depois as pessoas vão se reorganizando. A dúvida é quem vai se aproveitar disso. Quem vai explodir como nome novo ou capaz de captar o eleitorado. É o que está difícil saber.
Nomes como Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que formalmente estão fora do jogo eleitoral, entram nessa lógica de recall?
O Joaquim Barbosa, em particular, vem dessa ideia que se tem do mensalão. Joaquim Barbosa pode ter o discurso de que vai fazer diferente, que é um cara que combateu a corrupção. O Luciano Huck, aí sim, aparece como alternativa diferente do que está aí e larga forte por ser muito conhecido pelo grande público. Mas os dois aparentam, ou conseguem, projetar a imagem de novo. O recall, então, funciona para eles como funciona para os políticos.
Mas não sendo candidatos confirmados, não comprometem o resultado do levantamento?
Entendo que o Datafolha está fazendo isso como uma forma de medir o que é novo e se têm alguma diferença de penetração no eleitorado. Concordo que avaliar um cenário sem os dois é trabalhar com a situação mais provável — e deveria ser feito. Mas é difícil avaliar se há um impacto no desempenho de outros pré-candidatos. De fato, eu acho que nenhum dos dois vai sair candidato. Soa estranho oferecer isso ao eleitor e pode funcionar como uma certa indução.
A pulverização de candidatos parece não atingir o eleitorado de Bolsonaro. Esse quadro trará que consequências?
Ele ganha mais chance de segundo turno, mas é algo que acontece para todos. Quanto mais candidatos, menor a quantidade que se precisa de voto para passar ao segundo turno. No caso Bolsonaro, candidatos de extremo, em geral, são candidatos de nicho, com eleitorado muito específico. Nota-se que, nos números, ele sempre perde no segundo turno. Com rejeição alta, ele tem chance de segundo turno, mas muito pouca chance de vencer. No geral, o problema das pesquisas eleitorais é que ainda não se sabe quais serão as alianças e coligações, então é difícil estabelecer quanto tempo de televisão cada candidato terá. Mesmo com o universo on-line, isso ainda vai fazer muita diferença. Bolsonaro é um candidato de internet, que tem muito nome ali, mas, por outro lado, você vai ter partidos tradicionais como PSDB, PT e PMDB com bastante tempo de TV e ele com quase nenhum. Se não conseguir uma aliança ampla, não dá para esperar que ele faça um estrago muito grande. Poderia ser um fenômeno do tipo Enéas Carneiro, mas ele é muito menos carismático. Os adversários vão bater muito nele durante a campanha e terá pouco recurso para se defender. Parece uma pessoa muito fácil de ser desconstruída.
Algumas das pesquisas, em especial na eleição americana, falharam em prever o resultado do pleito. Isso pode acontecer por aqui?
Eu tendo a achar que erros de pesquisa decorrem, um pouco, porque a pesquisa vira informação para o leitor decidir. A pesquisa quer mapear a opinião do leitor como se fosse isenta sobre a decisão dele. Mas se pegar o caso João Doria, aqui em São Paulo, fica muito evidente o efeito da pesquisa que induz as pessoas a mudarem de última hora. Fica difícil acertar quando se mede um momento, induz mudança e, em seguida, o cenário está diferente. No momento, prever algum candidato de fora ou pequeno que cresça muito é impossível. É um fenômeno que não consegue ser mensurado por esse instrumento tradicional. Vale fazer ressalvas com a comparação com Donald Trump, porque há a questão do colégio eleitoral. Trump perdeu no voto popular, aqui não tem essa diferença de precisão. Como temos muitos candidatos, a atenção deve estar no sobe e desce, pois, oscilar dois pontos, para mais ou para menos, é muita coisa e faz a eleição mudar.
Os candidatos de centro não saem do chão. Alckmin também tem resultado decepcionante para muitos analistas. É a associação com o governo? Os discursos e os nomes?
É bem possível que seja um pouco das duas coisas, mas parece que pesa mais pensar que eles são associados ao governo com 5% de aprovação. É muito difícil dizer que é ministro de um governo tão reprovado e falar que vai fazer alguma coisa diferente para o país. Rodrigo Maia está associado a Temer desde o início. O nível ser tão baixo não é um ponto ótimo de saída. Em vez de começar com a vantagem de ter o governo do seu lado, começa com uma desvantagem gigantesca.
Esses pré-candidatos dizem que se os números da economia melhorarem até o final do ano, talvez a aprovação do governo volte a respirar. Existe condição de criar essa virada histórica para os governistas?
É muito improvável uma virada do ponto de vista econômico, em especial pela lógica de investimento. O reflexo na economia demora. Se o investimento começa agora, o efeito não vai ser percebido esse ano. Por aí não vai ser, então teria que ser outra coisa, um fenômeno econômico que seja perceptível mais imediatamente. Teria que imaginar um estouro de consumo, por exemplo. Se o crédito se expandir, por exemplo. Algo que de o sentimento nas pessoas de que podem comprar coisas. Não acho que vai acontecer. A situação melhoria, mas a ponto de resolver uma eleição com pessoas pouco carismáticas? Tenho minhas dúvidas, mesmo com a máquina pública como aliada.