George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 31 de outubro de 2023 às 16h41.
Última atualização em 31 de outubro de 2023 às 17h01.
Em outubro, o Ministério dos Transportes lançou uma política nacional de concessões de estradas, para consolidar mudanças em vários pontos, como cobrança de pedágio, flexibilidade para a instalação de estruturas, como câmeras de segurança, e novos modelos de contrato, que devem se tornar mais enxutos.
Uma das novas possibilidades é que os operadores cobrem valores diferentes de pedágio de acordo com o momento do dia: a tarifa pode ser mais cara no horário de pico, e mais em conta fora dele, para tentar diluir o uso das estradas ao longo do dia e reduzir o trânsito.
A nova política, publicada como Portaria nº 995/2023, busca atrair mais investidores para as concessões no país e reequilibrar os contratos existentes. Em entrevista à EXAME, George Santoro, secretário executivo do Ministério dos Transportes, detalhou os planos do governo para as estradas e ferrovias. Os trilhos devem receber mais atenção em 2024, e uma nova carteira de concessões está sendo montada.
O governo lançou uma nova política de concessões rodoviárias. O que ela muda na prática?
É como se fosse um contrato de gestão entre o ministério e a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres]. A gente vai facilitar de fato os novos contratos, que terão mecanismos muito fortes para reequilíbrio de contratos, de forma muito mais séria.
No passado, a ANTT levava de três a quatro anos para apreciar um reequilíbrio desses. Por três, quatro anos, a empresa [concessionária] fica sangrando nessa situação, com impacto muito forte no caixa e na financiabilidade dos investimentos. Então a gente fez esse ajuste. Estamos criando a quinta rodada de concessões buscando uma regulação mais aberta.
Hoje, todas as licitações fazem um orçamento de como tem de ser a obra, dizendo 'vou conceder esta estrada daqui a aqui'. Eu orço que o custo seja R$ 300 milhões, e hoje não dou oportunidade ao concessionário de desenvolver uma solução nova. Eu digo que tem de fazer um túnel. Se ele quer fazer uma ponte porque sai mais barato, o processo de aprovação leva às vezes de dois a três anos para mudar o que estava na licitação. Estamos melhorando, nessa política, a possibilidade de ele trazer essas soluções tecnológicas de um lado e outro.
Teria exemplos de soluções?
Não faz mais sentido ter aquela camerazinha em toda a extensão da rodovia. Aqueles telefones a cada tantos metros. Se eu tenho cobertura de pelo menos 4G em toda a rodovia, não preciso obrigar o concessionário a gastar nessa coisa. Outro caso: em vez de ter uma motinho de inspeção, que gera um gasto 24 horas por dia, se quiser botar um drone para fazer a supervisão da pista, é muito mais barato e diminui a emissão de carbono. Dá mais agilidade para a operação.
Inclusive o free flow. Estamos colocando um prazo de sete anos para todo mundo colocar free flow. Uma praça de pedágio gera quase 10% do custo operacional e até 15% do capex (despesa de capital) de uma concessão rodoviária.
A nova política fala em cobrança de pedágio por dia e horário. Como funcionará isso?
A gente fez um teste com free flow no Rio de Janeiro. Foi um sucesso. Dos usuários de rodovias federais pedagiadas, 70% usam tags, então não tem inadimplência. E tenho 30% que preciso encontrar soluções tecnológicas e regulatórias para evitar inadimplência. Estamos com uma inadimplência significativa, de 20%. Em uma rodovia pedagiada tradicional, a inadimplência é de 5%. Quase não tem. A maioria paga em dinheiro na hora.
Para não causar um estresse regulatório, estamos visitando vários países e vendo como eles enfrentam essa situação. Na política, temos claramente um estímulo a políticas para usuários frequentes, com descontos progressivos. Provavelmente ele tem de usar o tag para isso.
Vamos colocar em consulta pública a possibilidade de colocar na placa dos carros a mesma tecnologia do tag. Eu crio mais um incentivo, e ao incentivar o free flow, eu crio uma rastreabilidade em todas as estradas federais. Isso ajuda na segurança pública, para seguradoras e reduz custo de financiamento. Com o free flow, eu vou ter todos os registros de passagens, tanto fiscal, de carga do país, e ajuda também no planejamento logístico, certificação de créditos de carbono.
Essas tecnologias associadas permitem que o concessionário estimule o uso das rodovias em horários fora do pico, ou com preço menor nas áreas urbanas. Como eu vou poder cobrar por quilômetro usado, vou ajudar na questão da segurança viária. É igual restaurante: horário tal é mais barato. O operador que vai colocar isso, até conversando com as autoridades locais.
Isso vale só nos contratos novos ou nos atuais também?
Nos novos, vale para todos, a partir do leilão de Cristal [trecho da BR-040 de Cristalina a Belo Horizonte]. Quem otimizar o contrato, vai ter também.
O senhor já disse que 15 dos 24 contratos de concessões de rodovias estão com problemas. Como está o reequilíbrio desses contratos?
Dos três contratos que foram encaminhados ao TCU, dois já receberam a admissibilidade. Da MS Via e da BR-101. E deve dar o terceiro também. A gente vai mandar o da ViaBahia na próxima semana para o TCU. Então vamos ter quatro contratos nesse processo de consenso, e vai ter 90 dias para fechar o acordo. Esses quatro contratos terão aditivos incorporando praticamente todos os princípios dessa [nova] política pública. E como é um reequilíbrio de contrato extraordinário, a gente está fazendo um nível de exigência um pouco maior.
Nos três primeiros anos, haverá um acompanhamento trimestral, por um verificador independente. A gente quer evitar um risco moral de fazer um equilíbrio extraordinário e o cara seguir fazendo a mesma coisa. A partir de agora, todos os contratos vão ter um verificador independente para ajudar a agência, contratado pela Infra S.A. Isso ajuda o corpo técnico da agência a focar no trabalho de regulação.
Dos outros contratos, a informação que temos é que cinco deles terão propostas [de reequilíbrio] apresentadas em novembro e, até dezembro, os outros seis. A gente abriu uma janela até dezembro porque é um requisito extraordinário. Não posso ficar abrindo, é uma vez só. Quem entrou, entrou. Quem não entrou vai ter de seguir o contrato do jeito que está.
É uma questão não trivial, porque muitas vezes o operador vai ter de abrir mão de um contrato que muitas vezes é mais favorável para ele. Por exemplo: na Fernão Dias. O operador já fez o investimento lá, mas em uma situação com essa ele pode ganhar um prazo maior [de concessão]. Na BR-163, em Mato Grosso, o investidor está decidindo se vai pleitear ou não. Eu acho que vão, porque a ideia lá é fazer uma terceira faixa. A região já não aguenta mais: com crescimento de 18% ao ano, é inviável deixar do jeito que está.
O último leilão de estradas, do lote 2 do Paraná, teve só um interessado. O que levou a isso?
O projeto, que havia sido iniciado no governo anterior, era grande com um capex de R$ 10 bilhões. Quantas concessionárias no Brasil têm condições de assumir um compromisso assim? Por isso estamos fazendo trechos menores. Na carteira que a gente lançou agora, só tem um projeto com R$ 6 bilhões de capex. Todos os outros estão abaixo de R$ 5 bilhões. Isso ajuda a ter mais players nos leilões. E, no caso do Paraná, os pedágios anteriores eram extremamente caros e não entregavam serviços. Agora, a tarifa ficou 50% menor e vai ter estradas duplicadas.
Que outras formas estão sendo adotadas para atrair mais interessados?
Estamos usando muito isso de não obrigar a fazer o investimento de cara [no começo da concessão], mas botar um gatilho: quando a demanda chegar em tal situação, ou quando ele fez um investimento, a gente pode disparar um gatilho para aumentar a tarifa. O usuário das rodovias não tem muito incômodo de pagar o pedágio se viu o investimento feito, mas não quer pagar antes.
Este equilíbrio também não é fácil porque os bancos, para financiar, querem que a concentração dos investimentos seja logo no início, para poder depois ter prazo suficiente para a curva financeira do projeto fechar, Então tentamos um equilíbrio e aumentamos o prazo de investimento em até sete anos.
A gente percebeu que o cara ia dar lance no leilão fazendo a conta do fator D, do que diminui se não cumprir o contrato. Hoje o Tribunal de Contas da União vê o fator D como uma coisa importantíssima. Se houver algum fator extra que faça não cumprir o contrato, vira um grande indutor de desequilíbrio e torna a rodovia quase insolvente. Pegamos o modelo do saneamento e das concessões do setor elétrico, com reequilíbrio a cada três anos. Mas não vou na tarifa no primeiro momento: isso vai para uma conta gráfica. Depois do terceiro ano, se deu negativo, diminui a tarifa, se deu positivo, acrescenta a tarifa. Isso dá mais segurança para quem vai olhar o projeto e financiar.
A gente colocou uma política de atualização monetária do contrato. Hoje é feito pelo IPCA, Vamos fazer uma cesta paramétrica. Eu tenho uma parte de custos operacionais e outra de investimentos que são completamente diferentes e isso varia ao longo do projeto. Então não posso usar o mesmo índice o projeto inteiro. O ideal é ter índices nacionais o máximo possível. A agência vai fazer uma consulta pública para construir esse indicador.
No contrato vai ser assim: deu o prazo de um ano, você vai mandar o índice [de reajuste]. A agência tem 30 dias para aprovar. Se não aprovar, aplica o índice e depois a agência confere e aplica um ajuste se for necessário. Hoje às vezes um índice atrasa seis, nove meses. Essas mudanças a gente vai ver 100% delas no edital da BR-040 Cristais, de BH a Cristalina. A partir daí todos os nossos editais vão ser praticamente iguais, até o final da quinta rodada de leilões. No passado, tivemos 24 contratos e todos são diferentes entre si.
O governo focou muito as concessões de rodovias neste ano, mas como estão os planos das ferrovias?
A gente está montando uma carteira. Tem alguns projetos de malhas que foram devolvidos, a malha sul, a malha oeste. E alguns estudos de short lines. Até fevereiro, queremos lançar essa carteira de projetos, que inclui alguns de passageiros.
Enquanto para rodovia a gente encontrou uma linha de orientação muito mais consolidada e eu só tive que dar um novo direcionamento de redução de custo, em ferrovia eu não encontrei nada. O governo anterior só focou na questão da renovação antecipada. Eles não olharam para projetos, não olharam para aquele mercado
E o modelo de autorizações para a construção de ferrovias? Como avalia?
São quase 140 em processo de autorização. Mais de 100 já autorizadas. Quanto estão investindo? Só uma.
A gente vai soltar, provavelmente até dezembro, algumas normas que vão ajudar um pouquinho nessa questão. Como é que eu vou lançar uma concessão da antiga Fico-Fiol se eu tenho cinco autorizações de trechos paralelos? O governo autorizou que o privado faça ferrovias em paralelo, que ligam a mesma região. Tem segurança jurídica para fazer uma concessão dessa?
Eu tenho de classificar as ferrovias no Brasil. Todo mundo classifica ferrovias, como estruturante ou short line. Tenho de ter uma taxonomia. A norma está pronta e vamos colocar em consulta pública essa portaria, dizendo para o mercado: as ferrovias devem ser vistas assim. O banco vai olhar aqui e ver: essa é estruturante. E estruturante só pode ter concessão pública. O governo pode abrir mão de ter o controle de operação, mas tenho de ter pelo menos a definição de como vai ser usada, pois é estratégica para segurança alimentar e o nosso comércio exterior.
De outro lado, tem de colocar regulação sobre como é um chamamento público de uma autorização. E a terceira norma que devemos adotar é sobre devolução de trechos. Tenho trechos que estão sem operar. As concessionárias têm de me devolver, e aí eu tenho condições de pensar em short lines. Tem alguns interessados em short lines nas malhas devolvidas, para levar cargas. Com isso, eu vou tirar alguns milhares de caminhões das rodovias, reduzindo acidentes e descarbonização. Então vamos fazer um programa de devolução de trechos.
Eles vão me pagar para devolver. Por uma norma do Dnit, dá uns R$ 5,8 milhões de indenização por trecho devolvido. A esse preço, ninguém devolve. Fica uma coisa bilionária. Então a gente estuda um preço que o mercado entenda como viável. E que possa criar fontes de financiamento para projetos e novos negócios. Por exemplo: um trilho que não tem mercado e eu posso entregar para um prefeito fazer um projeto de mobilidade urbana naquela cidade. Um pequeno investidor pode querer operar uma short line que não interessa para uma MRS ou uma Vale.
Como anda o processo da Ferrogrão?
Tivemos novidades. Pela primeira vez, as comunidades originárias estão sendo ouvidas, e isso ajuda no distensionamento. A gente fez um pedido ao Supremo para atualizar os estudos, e a empresa que os fez vai entregar até o fim do ano. Em paralelo, o ministro Alexandre de Moraes abriu uma conciliação e tem uma decisão do mês passado. Ele deu seis meses para a gente apresentar uma conciliação na questão indígena. Pelo andar da conversa, está indo muito bem. Tenho expectativa de que vamos conseguir um entendimento.
Tendo entendimento, a gente resolve a questão de passar pelo parque. Aí eu tenho o problema do licenciamento ambiental. O ideal é ter ao menos uma licença prévia. Se a gente caminhar bem, a gente tem uma boa chance de estar com o projeto atualizado no ano que vem. Aí vem o terceiro desafio, que é o mercado ver com bons olhos o projeto e que a conta feche.