A proposta de emenda à Constituição, conhecida por PEC das Praias, prevê o fim da propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha (Buena Vista Images/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 1 de dezembro de 2024 às 11h54.
Última atualização em 2 de dezembro de 2024 às 06h43.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado colocou na pauta da próxima quarta-feira, 4, a discussão da proposta de emenda à Constituição que prevê o fim da propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha, conhecida como PEC das Praias. O debate ganhou grande repercussão em maio deste ano, quando foi tema de uma audiência pública na Casa, sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro.
Apesar de não tratar de acesso ao mar nem a faixas de areia, a PEC das Praias foi assim batizada por afetar imóveis instalados na orla e pelo risco apontado por especialistas de uma “privatização” ou afrouxamento da proteção ambiental dessas áreas. Hoje, a União detém 17% do valor dos terrenos e imóveis construídos numa faixa de 33 metros a partir do mar, e recebe taxas como foro e laudêmio dos proprietários.
A proposta original prevê a transferência integral desses terrenos de marinha aos atuais ocupantes. Assim, moradores deixariam de pagar as taxas, mediante a compra da parte federal. O texto não deixa claro, contudo, se o atual ocupante será obrigado a adquirir a fatia da União ou se há prazo para isso. Moradores de áreas de baixa renda receberiam gratuitamente a posse total.
O tema saiu da discussão política e mobilizou influenciadores e personalidades, como Luana Piovani e o jogador Neymar, que chegaram a bater boca e trocar ofensas pelas redes sociais.
Defensores da proposta veem potencial de desenvolvimento econômico nas regiões e maior arrecadação para a União, que no ano passado recolheu R$ 1,1 bilhão relativo a taxas de 564 mil imóveis nessas áreas.
“Seria um mundo de arrecadação muito maior”, afirma o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da proposta.
Já os críticos argumentam que, fora do guarda-chuva da Superintendência Patrimonial da União, aumentam as possibilidades de fechamento de acessos a praias, desmatamento e outros riscos ambientais.
“Esses terrenos, importantes pela proteção da biodiversidade, ficarão mais suscetíveis à especulação imobiliária”, diz Juliana de Melo, professora de direito ambiental da Universidade Federal do Ceará.
A PEC determina que as regras incidam apenas sobre as áreas já ocupadas, e que as desocupadas sigam sob posse da União. O governo Lula se posicionou contra o projeto.
O que prevê a PEC das Praias?
A transferência da posse integral dos terrenos de marinha — hoje compartilhada pela União e pelos proprietários dos imóveis — a seus ocupantes, sejam estados, municípios ou particulares.
Qual a principal justificativa dos defensores da PEC?
A regularização de imóveis pertencentes à União nos terrenos de marinha. Segundo Flávio Bolsonaro, relator da proposta, a intenção é “acabar com o pagamento de taxas absurdas”. Hoje, por compartilharem a propriedade desses terrenos com a União, que detém 17% do valor, os moradores dessas áreas pagam duas taxas para a União, chamadas de foro e laudêmio.
Moradores dos terrenos de marinha são considerados proprietários de imóveis?
Eles são juridicamente conhecidos como “enfiteutas”, o que garante o “direito de uso privativo e posse permanente daquele bem que na realidade pertence à União”. A propriedade permanece sendo, a rigor, da União, “porque a área de praia é fundamental para a segurança nacional”.
A PEC vai privatizar as praias?
O texto não trata de praias, que são bens públicos de uso comum do povo, com acesso livre ao mar garantido. Isso não mudaria na lei. No entanto, ambientalistas argumentam que, sem a proteção da legislação federal uniforme para todo o país, pode haver o risco de grandes empreendimentos que ocupem áreas inteiras frente a trechos de praia, conseguirem autorizações municipais para fechamento de acessos a praias ou de supressão de vegetação de restinga com maior facilidade. As leis urbanísticas não seriam alteradas, mas construtoras e redes hoteleiras passariam a ser as únicas proprietárias de terrenos nesse espaço, o que poderia no futuro garantir maiores permissões de intervenções.
Como aconteceria a venda dos terrenos?
A PEC diz que a transferência aconteceria mediante uma venda, mas não há detalhes. A negociação precisaria ser com a União. Segundo o texto, o poder público deverá tomar providências — como uma nova lei de regulamentação da PEC — em dois anos.
O morador será obrigado a comprar a parte federal?
O texto não deixa claro essa obrigação nem fala em prazos ou valor. Mas como a intenção é extinguir os terrenos de marinha, entende-se que moradores precisarão adquirir os 17% do terreno hoje pertencentes à União.
Estados e municípios também poderão ter a posse dos terrenos?
A PEC transfere os terrenos da marinha a estados e municípios, gratuitamente, onde eles já forem ocupantes, por exemplo, com equipamentos públicos.
Há necessidade de uma PEC para regularização fundiária desses terrenos?
Não. A regularização já é possível através da SPU, mas defensores do projeto dizem que a União não tem o devido controle e nunca registrou a totalidade dos imóveis em terrenos de marinha.
Como fica a situação de moradores de comunidades tradicionais ou de favelas em terrenos de marinha?
Segundo a PEC, moradores de áreas de habitação social terão a transferência dos terrenos de forma gratuita, mas não há detalhes do processo. Na SPU, não há informações precisas de quantas áreas de especial interesse social ficam em terrenos de marinha no Brasil. Por isso, críticos do projeto alertam para os riscos de insegurança jurídica e de remoção de moradores de favela ou de comunidades ribeirinhas tradicionais.
Quais são os principais riscos de impactos ambientais apontados?
Os terrenos de marinha estão localizados em áreas ambientalmente frágeis e relevantes, com uma rica biodiversidade, como mangues, restingas, campos de dunas e resquícios de Mata Atlântica. Portanto, se houver afrouxamento da proteção, por exemplo, com resorts como único proprietário de terrenos com restingas e dunas, impactos podem ser graves.
Quanto a União ganharia com transferência de terrenos?
Não há informações disponíveis sobre essa estimativa. Juristas alertam que é importante ter noção desses números antes de pautar o projeto, para se calcular o impacto diante da perda de arrecadação com as taxas.
Quantos imóveis em terrenos de marinha existem hoje no país?
Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, há 564 mil imóveis registrados. O governo arrecadou, em 2023, R$ 1,1 bilhão com as taxas de foro e laudêmio. A pasta estima que o valor poderia ser cinco vezes maior, com um total de quase 3 milhões de construções nas áreas próximas ao mar, mas que não foram oficializadas. Hoje, 20% dos valores arrecadados são repassados para os municípios.
Regras atuais para os terrenos de Marinha
Praia: É a praia como conhecemos, a faixa de areia, que continua sob domínio da união.
Faixa de Segurança: Faixa de 30 metros a partir do final da praia (quando acaba areia) para dentro do continente. Dentro da faixa de segurança hoje é proibido um particular ter a propriedade plena de um terreno de marinha. Mas, se estiver fora da faixa de segurança, já é possível a aquisição junto à SPU sob determinadas condições.
Terreno acrescido de Marinha: São porções de terras que também pertencem à União e anteriormente eram cobertas pelo mar ou eram mangues e canais que foram aterrados após a demarcação da Linha de Preamar Média (LPM), em 1831. Um exemplo é o Aterro do Flamengo.
Terreno de Marinha: Área criada para proteção da soberania nacional na época do Império. É uma faixa de 33 metros para dentro do continente a partir da Linha de Preamar Média (LPM), que considera as marés máximas de 1831. Esse ano foi tomado como referência para dar segurança à demarcação, pois, considerando o avanço das marés ao longo dos anos, o Terreno de Marinha poderia aumentar cada vez mais. Além da costa, a faixa de 33 metros serve para margens de rios e lagos que sofrem influência do mar.
Como ficará se a PEC for aprovada?
O que acontece com quem já tem imóvel/propriedade em Terrenos de Marinha? Hoje 17% desse imóvel pertence à União. Com a PEC, o proprietário (seja particular, ou estados e municípios) fica autorizado a comprar a porcentagem restante e assim ter o domínio pleno do imóvel, deixando de pagar taxas de foro e laudêmio. O texto da PEC não deixa claro se o proprietário será obrigado a comprar, mas diz que haverá um prazo de dois anos para adoção de providências pelo poder público.
O que acontece com moradores de favelas ou de áreas de baixa renda que ocupam esses terrenos? A PEC diz que haverá a transferência gratuita dos terrenos no caso das áreas de habitação de interesse social. Mas não dá detalhes sobre como será o processo.
E os terrenos da Marinha hoje totalmente desocupados?
Continuam com a União. A PEC estabelece um marco temporal e diz que o domínio pleno só será possível a quem ocupa os terrenos da Marinha na data da promulgação da PEC. A União mantém domínio em áreas não ocupadas e onde há serviço público ou unidades de conservação ambiental. O texto não menciona qualquer regra sobre acesso a praias, mas críticos alertam que, sem a proteção da União, aumenta o risco de privatização de acessos, a partir de leis municipais mais brandas.
A reportagem foi produzida com informações prestadas pelos especialistas: