Ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello presta depoimento à CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 19 de maio de 2021 às 12h25.
Última atualização em 24 de maio de 2021 às 10h59.
Em depoimento à CPI da Covid, nesta quarta-feira, 19, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, negou que o governo tenha ignorado ofertas de vacinas contra a covid-19 da Pfizer. Segundo ele, as conversas com a farmacêutica começaram entre abril e maio de 2020, mas não avançaram porque havia "cláusulas assustadoras" para assinatura do contrato.
"Nós respondemos a Pfizer inúmeras vezes. Nunca fechamos a porta", disse Pazuello. A fala vai de encontro com o que disse Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer no Brasil, em depoimento à CPI. O executivo afirmou que o governo brasileiro rejeitou ou ignorou ofertas de vacinas contra a covid-19 seis vezes. Duas das propostas iniciais, em agosto de 2020, previam entrega de 1,5 milhão de doses já no ano passado.
Pazuello contou que as conversas com a Pfizer começaram entre abril e maio do ano passado, mas esbarraram em condições difíceis para o fechamento do contrato. A primeira proposta, em agosto, feita via memorando de entendimento, previa 1,5 milhão de doses em 2020, sem data certa para entrega. O restante de 70 milhões de doses chegaria ao Brasil em 2021 — seriam 18,5 milhões no primeiro semestre e o que faltasse, no último semestre.
O ex-ministro confirmou a proposta, mas ressaltou que, à época, as quantidades não eram tão atraentes. O governo negociava com Oxford uma encomenda que chegaria a 200 milhões de doses em 2021 e a adesão ao consórcio Covax Facility, que previa mais 42 milhões de doses neste ano. “E a Pfizer nos colocando no primeiro semestre 18 milhões de doses e cláusulas complicadíssimas”, pontuou.
O memorando da Pfizer trazia cinco cláusulas que, nas palavras de Pazuello, eram “assustadoras”. Elas previam, por exemplo, inclusão de ativos brasileiros no exterior, isenção completa da responsabilidade por eventuais efeitos colaterais pela fabricante, além da transferência do foro para julgamento de ações relacionadas à vacina em Nova Iorque.
“Estamos falando do pagamento adiantado, da assinatura do presidente da República em contrato, coisa que não existe na nossa legislação, e de não existir multa contra atrasos de entrega”, acrescentou Pazuello. “Talvez todos nós hoje possamos ouvir com grau de normalidade, mas, na primeira vez que ouvi isso, achei muito estranho”, afirmou.
O preço também era mais alto do que o sugerido por outras empresas, segundo o ex-ministro. A Pfizer cobraria 10 dólares por dose, enquanto o Brasil negociava com outros fabricantes a 3,75 dólares a dose. “Era uma vacina três vezes mais cara, com todas essas cláusulas que coloquei aqui e com quantitativos que eram, a meu ver, muito inferiores ao que nós estávamos negociando”, disse.
Pazuello também apontou dificuldades logísticas para entrega e pela necessidade de manter as doses em local com 80 graus negativos. “Era nossa responsabilidade. Não havia caixa, não havia nada. A primeira conversa foi isso, ‘é problema de vocês’”, contou o ex-ministro.
A Pfizer também teria deixado claro que a entrega estaria condicionada às posições da FDA, agência regulatória dos Estados Unidos, e da Anvisa. “Essas discussões sobre as cláusulas, sobre a parte técnica e sobre a logística demoraram. Isso foi em 26 de agosto e nos consumiram setembro e outubro”, disse Pazuello.
No fim de novembro, segundo o ex-ministro, a Pfizer enviou o memorando de entendimento atualizado, com a previsão de 8,5 milhões de doses no primeiro semestre de 2021 e o restante no segundo. “Essa proposta, apesar de eu achar de pouquíssima quantidade, seguimos em frente”, disse.
Pazuello afirmou que assinou o memorando em dezembro do ano passado, apesar de recomendação contrária de órgãos de controle, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU). "Foi assinado contra as orientações da assessoria jurídica de controle interno e externo", lembrou.
"Mandamos para órgãos de controle. A resposta foi 'não assessoramos positivamente, não deve ser assinado'. CGU, AGU, todos os órgãos de controle: 'não deve ser assinado'. E nós assinamos mesmo com as orientações contrárias", disse Pazuello. Ele citou o TCU, mas depois corrigiu e retirou o tribunal de contas.
O ex-ministro disse ter determinado a assinatura para garantir que a Pfizer entraria com registro na Anvisa. "Isso em dezembro. Na sequência, começamos a levar o problema para nível de governo federal, para o Palácio", contou. Pazuello afirmou que Bolsonaro foi informado de "todo o processo" de negociação pessoalmente por ele.
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