Presidente Jair Bolsonaro: passaporte da vacinação está em análise pelo STF (Alan Santos/PR/Flickr)
Carolina Riveira
Publicado em 14 de dezembro de 2021 às 14h40.
Última atualização em 17 de dezembro de 2021 às 12h29.
Após um imbróglio que durou várias semanas, o passaporte de vacinação começou a ser exigido no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou a postos de fronteira para fazer valer a regra a partir desta segunda-feira, 13, após decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
Quem ingressar no Brasil, portanto, deve apresentar comprovante de que foi vacinado completamente. Há algumas exceções, como para países onde não há doses ou para grupos não contemplados pela vacinação, mas, no geral, a exigência vale inclusive para brasileiros.
O Planalto era contrário à medida, e o tema virou motivo de embate entre Brasília e governos estaduais.
Mas uma vez estabelecida a nova regra, a situação do próprio presidente Jair Bolsonaro com a exigência da comprovação fica nebulosa.
Bolsonaro tem dito que não se vacinou contra a covid-19, embora a informação não possa ser comprovada, uma vez que o Planalto impôs sigilo de 100 anos na carteira de vacinação do presidente.
Assim, pela regra, também o presidente da República teria de apresentar sua comprovação de vacinação para ingressar no Brasil, uma vez que seu grupo etário - o presidente tem 66 anos - já teve a vacinação liberada.
A dúvida continua após o governo federal publicar nesta terça-feira, 14, uma portaria no Diário Oficial da União (DOU) sobre as novas exigências, que, segundo o texto, são de caráter "temporário" (veja o texto na íntegra).
A Advocacia-Geral da União (AGU), que funciona como defesa dos órgãos federais, incluindo da Presidência, ainda tenta mudar algumas das regras exigidas pelo STF (leia abaixo).
Mas enquanto uma decisão não é tomada, a partir de agora, um viajante estrangeiro ou brasileiro entrando no país precisa apresentar no transporte aéreo:
Valem para o comprovante de vacinação todas as vacinas aprovadas no Brasil, todas as aprovadas pela Organização Mundial de Saúde ou todas aprovadas no país de origem do viajante.
A regra é parecida para ingresso por outras vias, terrestres ou marítimas, por exemplo, também com necessidade de apresentar passaporte de vacinação.
Apesar dos detalhes na portaria, a entrada de um brasileiro sem vacinação, como pode vir a ser o presidente Jair Bolsonaro caso o mandatário brasileiro viaje, segue cercada de algumas dúvidas.
Nos aeroportos, a verificação está sendo feita por funcionários da Anvisa no desembarque. Segundo reportagem do jornal Estado de S.Paulo sobre a movimentação no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, ainda há exceções de pessoas que conseguiram ultrapassar a fiscalização sem apresentar o comprovante neste primeiro dia.
A EXAME procurou o Planalto e a Anvisa sobre quais seriam as regras no caso de viagem do presidente Bolsonaro e se um comprovante seria exigido no retorno, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
O caso específico dos brasileiros deve seguir sendo motivo de discussão nos próximos dias. A AGU questionou nesta segunda-feira o STF sobre como fica a situação dos cidadãos vindos do exterior, afirmando que brasileiros ou estrangeiros residentes não deveriam ser impedidos de entrar no próprio país.
“Ao que tudo indica, porém, essa restrição de entrada impõe ônus desproporcionais ao cidadão brasileiro proveniente do exterior e também ao estrangeiro residente no Brasil – protegidos expressamente pela redação do artigo 5º, caput, da Constituição – impedindo-os de regressar ao país de domicílio”, disse a AGU em manifestação.
A exigência de vacinação foi instituída por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no sábado, 11. O STF foi chamado a decidir sobre o caso após ação da Rede Sustentabilidade.
Já na noite de terça-feira, 14, após o questionamento da AGU, Barroso respondeu esclarecendo que a regra vale também para brasileiros e residentes, que não poderão voltar ao Brasil caso não estejam vacinados (ao menos que tenham saído do país antes da decisão, quando as medidas ainda não valiam).
A AGU também queria que o STF aceitasse, no lugar da vacinação, comprovante de "recuperação" após contrair covid-19. Isto é, pessoas que já ficaram doentes e se recuperaram poderiam entrar no país mesmo sem vacina, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Barroso também negou esta solicitação.
Cientistas têm pontuado que os anticorpos que o corpo desenvolve pós-doença são diferentes dos resultados da vacinação e que mesmo quem já se infectou precisa se vacinar.
Assim, só podem entrar no Brasil sem comprovante de vacinação grupos específicos, como crianças ainda não contempladas pela campanha de imunização.
Em outros casos relacionados à covid-19, houve exceções para brasileiros nas regras quando o Brasil fecha fronteiras, por exemplo. Desde a descoberta da nova variante ômicron, viajantes vindos da África do Sul e de alguns outros países da região estão proibidos de ingressar no Brasil, mas a regra não vale para brasileiros, que podem entrar desde que façam quarentena.
Mas o mesmo não ocorrerá no caso do passaporte, segundo a decisão de Barroso até agora. O plenário do STF se debruçará sobre o caso nesta semana, e pode ou não confirmar as regras estabelecidas pelo ministro.
Na portaria editada pelo governo federal e publicada hoje, há ainda especificidades no caso da fronteira com o Paraguai. Viajantes não precisam apresentar comprovante de vacinação caso ingressem por via terrestre, residam em cidades gêmeas ou tenham autorização do governo federal diante de "interesse público".
Bolsonaro, inclusive, tinha uma viagem para o Paraguai nesta semana, mas a agenda foi cancelada por condições meteorológicas.
O status de vacinação do presidente Bolsonaro já foi motivo de polêmica neste ano. Em viagem a Nova York para a Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro não teve a entrada autorizada em restaurantes, que exigiam passaporte de vacinação.
O presidente brasileiro chegou a ser criticado nominalmente pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio: "Precisamos mandar uma mensagem a todos os líderes mundiais, incluindo mais notavelmente Bolsonaro, do Brasil, que se você pretende vir aqui, precisa estar vacinado. Se não quiser ser vacinado, não se incomode vindo".
Na ocasião, a vacinação era exigida para alguns lugares em Nova York, mas não para entrada nos EUA. O país à época barrava todos os viajantes vindos do Brasil, mesmo os já vacinados.
A partir de novembro, a Casa Branca mudou as regras e autorizou a entrada de brasileiros nos EUA. Mas a agência regulatória americana também passou a exigir a comprovação de que os viajantes tomaram duas doses da vacina ou dose única.
Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro também viajou a países como Itália, para reunião do G20, e aos Emirados Árabes Unidos.
O tema do passaporte da vacinação ainda será submetido ao crivo dos ministros do STF em sessão extraordinária no plenário virtual antes do fim do recesso do Judiciário.
O julgamento foi marcado para quarta-feira, 15, e a situação específica dos brasileiros tende a ser também analisada.
O ministro Barroso disse ter decidido a favor da exigência do passaporte da vacina porque, em sua avaliação, seria inviável fiscalizar o cumprimento da proposta alternativa, de quarentena obrigatória para todos os viajantes não imunizados.
*A matéria foi atualizada em 15/12, às 10h54, para incluir a resposta do ministro Barroso à solicitação da AGU.