Faculdade de Direito da USP: em 2018, a universidade teve superávit pela primeira vez em quatro anos (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/Facebook/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de abril de 2019 às 12h30.
Última atualização em 23 de abril de 2019 às 13h46.
São Paulo — A CPI das Universidades da Assembleia Legislativa de São Paulo trouxe de volta a ideia de se cobrar mensalidades em universidades públicas, que surgiu durante as eleições presidenciais, como forma de diminuir a participação do Estado no orçamento.
Pesquisas internacionais, no entanto, mostram que grandes instituições de pesquisa não se sustentam apenas com pagamento de alunos.
Daniel José, vice-presidente da Comissão de Educação da Casa, defende a mudança. "O conceito de universidade pública gratuita e estatal deveria deixar de existir."
Segundo o reitor da USP, Vahan Agopyan, estudos já feitos na instituição mostram que o dinheiro vindo de eventuais mensalidades não chegariam a 8% do orçamento.
"Uma universidade de pesquisa é cara." No Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, as mensalidades cobrem só 10% do custo da instituição.
A CPI surge logo após o primeiro ano de recuperação da capacidade financeira das universidades, depois de um período de déficit orçamentário.
Em 2018, a USP teve superávit pela primeira vez em quatro anos. A Unicamp teve déficit orçamentário menor que o previsto e a Unesp teve déficit de R$ 200 milhões.
A recuperação é resultado das medidas de redução de gastos - como planos de demissão voluntária e diminuição de concursos.
Desde 2013, as instituições chegaram a gastar mais de 100% do que recebem com o pagamento de salário de servidores e aposentados. Mas, em 2018, o gasto caiu para 90,02% e chegou a 89,75% no primeiro trimestre de 2019 — o menor desde 2011.
Os reitores dizem não temer a CPI. "Temos órgãos de controle, tenho muita tranquilidade", afirmou o reitor da Unesp, Sandro Roberto Valentini.
Segundo ele, as condições atuais são consequência da ampliação da universidade, que nos últimos 15 anos criou nove campi e mais de 50 cursos. "Houve influência do Executivo e Legislativo para levar a Unesp a algumas regiões, um projeto ambicioso."
A Assembleia Legislativa de São Paulo está sendo palco de uma ofensiva da base do governo João Doria (PSDB) com abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o que os deputados definem como "aparelhamento de esquerda" das universidades públicas paulistas e "gastos excessivos" com funcionários e professores.
Entre as mudanças que eles querem discutir estão a escolha do reitor e a forma como o Estado repassa recursos às instituições, ambas garantidas hoje pela chamada autonomia universitária.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques, disse que intervir nas universidades é inconstitucional. "A autonomia universitária, que diz que a instituição conduz seus assuntos acadêmicos e indica seus dirigentes, é absolutamente impenetrável porque vem da Constituição."
Tanto ela quanto a liberdade de cátedra foram reafirmadas em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal, que tem entre os membros dois ex-colegas de faculdade de Marques — Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski —, no julgamento sobre a censura a manifestações acadêmicas na eleição.
Apresentada pelo deputado Wellington Moura (PRB), vice líder do governo, a CPI das Universidades Públicas será instaurada nesta semana. O objeto divulgado no Diário Oficial é vago: "investigar irregularidades na gestão das universidades públicas".
Entre as justificativas apresentadas oficialmente está o fato de as universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e Estadual de Campinas (Unicamp) receberem 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado. O valor atual está em torno de R$ 9 bilhões.
"Vamos analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento. Eu percebo um predomínio da esquerda nas universidades. Infelizmente, muitos professores levam mais o tema ideológico do que o temático para a sala de aula", disse Moura.
Líder do PSDB na Assembleia e aliada de Doria, a deputada Carla Morando afirmou que é "público, notório e amplamente divulgado pela imprensa" que as universidades públicas são "dominadas pela esquerda" em seus cargos de gestão e no ambiente educacional. Para ela, as universidades são uma "caixa-preta".
Há exatos 30 anos, em 1989, decreto do então governador Orestes Quércia vinculou recursos do ICMS para USP, Unesp e Unicamp e a total autonomia para geri-los.
Além disso, a Constituição de 1988 garante a autonomia às universidades no País, o que significa ser responsável por escolher dirigentes e colegiados, currículos, programas, etc.
Desde a autonomia, a USP aumentou em mais de 1.100% o indicador de produção científica que se refere a publicações de trabalhos em revistas conceituadas mundialmente.
O número de alunos de graduação cresceu 50% e o de teses defendidas, 400%. Nos últimos anos, as três universidades enfrentaram problemas financeiros e, em razão da autonomia, não puderam pedir mais dinheiro ao Estado. E chegaram a ter mais de 100% dos orçamentos comprometidos com folha de pagamento.
"Não temos o que temer com a CPI, mas preocupa esse tipo de discussão sobre a importância da universidade", disse o reitor da USP, Vahan Agopyan. "As universidades de pesquisa não são só para formar excelentes profissionais e fazer pesquisas. É onde se discutem e se desenvolvem políticas públicas e se trabalha para modificar e melhorar a sociedade."
Para o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, dizer que a esquerda domina a universidade é "falta de conhecimento". "Temos pessoas de esquerda e de direita convivendo com relativa tranquilidade, somos um espaço para debate de ideias e respeito pelas ideias do outro."
A ideia de que as instituições públicas são aparelhadas pela esquerda também reverbera em âmbito federal. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, diz que é preciso "vencer o marxismo cultural das universidades".
Os parlamentares querem ainda mudar o modelo de governança. Hoje, o reitor é escolhido a partir de lista tríplice enviada ao governador, que opta por um dos nomes.
Quem escolhe os ocupantes da lista é a comunidade universitária, com mais peso para o voto dos professores. Para deputados da base governista, até o Conselho Universitário, órgão máximo das instituições, seria dominado pela esquerda.
"Depois da CPI, muitas ideias vão surgir. Um projeto de decreto legislativo pode alterar a forma de escolher os nomes da lista tríplice. Pode ser um nome indicado pelo governo, outro pelos deputados e um terceiro pela universidades", disse Moura.
Para José Goldemberg, que foi reitor da USP, a ideia dos deputados é "extravagante", que nem na ditadura militar prosperou.
"O (presidente Ernesto) Geisel mudou a lista tríplice para a lista sêxtupla. Quando eu era reitor (1986-1990), fui ao STF e derrubei essa medida porque a lista tríplice foi colocada no estatuto da USP quando ela foi criada (em 1934). Ela tem autonomia para decidir."
Procurado, João Doria não se manifestou. Os três reitores disseram que até hoje nenhum deles se reuniu com o governador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.