Auxílio Brasil: Programa foi criado em agosto de 2021 e começou a rodar em novembro (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 2 de dezembro de 2022 às 12h34.
O Auxílio Brasil criado pelo presidente Jair Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família não passou no crivo da aérea técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Ao analisar o programa pela primeira vez, os auditores concluíram que o benefício no valor de R$ 600 não ajuda a reduzir a pobreza e a desigualdade. Ao contrário, privilegia famílias com apenas uma pessoa, em detrimento dos lares com crianças e adolescentes.
O alerta ocorre no momento em que o futuro governo negocia com o Congresso a aprovação da “PEC de transição” para dar continuidade ao pagamento do benefício em seu valor atual, que passou a ser de R$ 600, e não mais de R$ 400, em agosto, às vésperas das eleições. O adicional de R$ 200 tem previsão de recursos orçamentários somente até o fim deste mês.
O parecer da equipe técnica, ao qual O GLOBO teve acesso, aponta pagamentos indevidos na inclusão de 3,5 milhões de famílias em agosto, sob o pretexto de zerar a fila, mas que no fundo tinha por objetivo impulsionar a campanha de Bolsonaro na disputa pelo segundo mandato. O relatório ainda será submetido ao plenário do TCU.
A quantidade de famílias beneficiadas pelo Auxílio Brasil aumentou de 18,02 milhões em março deste ano para 21,13 milhões em outubro. No entanto, as análises realizadas estimam, de maneira conservadora, que o universo de famílias elegíveis era menor, de 17,62 milhões de famílias, segundo o relatório.
Os auditores alertam que o Cadastro Único, base de dados utilizada pelo Ministério da Cidadania para autorizar os pagamentos, não foi atualizado devidamente após a pandemia. Durante o período de isolamento social necessário para conter o surto do coronavírus, a visita de assistentes sociais aos domicílios ficou suspensa.
O Auxílio Brasil foi criado em agosto de 2021 e começou a rodar em novembro. O volume de pagamentos fiscalizados somou R$ 114,2 bilhões, com previsão de chegar a R$ 153,8 bilhões no próximo ano, mantidas as condições atuais.
Um dos principais problemas do programa é que o auxílio de R$ 600 atende a diferentes famílias pelo mesmo valor, independentemente do número de membros – o mesmo critério do Auxílio Emergencial pago durante a pandemia da Covid.
Os técnicos apontam que a piora na gestão do cadastro levou a uma fragmentação das famílias com o objetivo de obter maior rendimento do programa.
“A maior evidência é a duplicação da quantidade de famílias unipessoais beneficiárias desde 2020”, diz o documento, acrescentado que os dados populacionais do IBGE não confirmam esse tipo de mudança no perfil da população brasileira.
De acordo com o relatório, a suspensão das revisões e averiguações no Cadastro desde a pandemia até fevereiro deste ano ainda não foram retomadas integralmente. Com isso, o nível de atualização desse cadastro caiu de 85,3% em janeiro de 2019 para 58,3% em outubro de 2021.
O universo de famílias com apenas uma pessoa chegou a 4,92 milhões – o que representa 24,4% do total. Com duas pessoas, 5,35 milhões (26,5%). Famílias com três pessoas, 5,03 milhões (24,9%); com quatro pessoas, 2,92 milhões (14,5%) e com cinco pessoas ou mais, um grupo de 1,02 milhões (6%). O universo de família com mais de seis pessoas foi de 747 mil, ou 3,7% do total.
Segundo o relatório, o benefício de R$ 400 somado aos R$ 200 acabou por gerar maior desigualdade de renda per capita entre os beneficiários do Auxílio Brasil.
Os técnicos usaram como referência a linha de pobreza adotada pelo Banco Mundial (renda per capita de US$ 5,50 por dia) para estimar o impacto do programa. Considerando os R$ 600 de valor de benefício, o custo para a reduzir a pobreza no país em um ponto percentual foi estimado em R$ 1,72 bilhão por mês.
Se fosse adotado o desenho do Bolsa Família, este custo seria menor, de R$ 1,43 bilhão.
“Conclui-se que o Auxílio Brasil é menos eficiente no combate aos índices de pobreza do que o Bolsa Família”, diz o parecer.
Em comparação com os pagamentos do Bolsa Família de 2019 até 2021 e do Auxílio Brasil no mesmo ano, as estimativas indicam que, em 2022, houve uma inversão no foco do programa.
Enquanto até dezembro de 2021 o número de beneficiários era menor do que o público-alvo estimado, havendo um possível erro de exclusão de famílias elegíveis, a partir de fevereiro de 2022, a quantidade de beneficiários superou a estimativa de famílias elegíveis, “indicando a ocorrência de possíveis erros de inclusão indevida”.
Os técnicos apontam ainda que dois benefícios criados pelo Auxilio Brasil, o Criança Cidadã, que prevê valor adicional famílias com crianças pequenas, e o Bônus de Inclusão Produtiva Urbana, uma espécie de porta de saída para estimular a formalização dos beneficiários, não saíram do papel.
Além de dar continuidade ao benefício de R$ 600, o futuro governo pretende incluir na “PEC de transição” pagamento de um valor adicional de R$ 150 para famílias com crianças de até seis anos de idade.
A área técnica do TCU recomenda que o Ministério da Cidadania faça um redesenho do programa para que o auxílio alcance as famílias em situação de vulnerabilidade. Sugere ainda que feita uma investigação dos problemas para focalizar o programa e a regularização da gestão de qualidade do Cadastro Único.
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