Convenção do PSDB com Aécio: de protagonista a conduzido (Gerdan Wesley/PSDB/Divulgação)
Luiza Calegari
Publicado em 3 de outubro de 2017 às 06h30.
Última atualização em 3 de outubro de 2017 às 06h30.
São Paulo – O PSDB já foi uma força política considerável no espectro brasileiro, mas nos últimos meses tem precisado lidar com vários focos de atrito internos: a guerra fria travada entre João Doria e Geraldo Alckmin pela candidatura à presidência; as condenações do senador Aécio Neves, que estão arrasando a carreira política do mineiro, e a própria liderança do presidente da sigla, Tasso Jereissati, que não é unanimidade no partido.
Além disso, as configurações partidárias e eleitorais do cenário nacional pressionam a legenda a se reinventar se ainda quiser manter seu espaço no jogo de forças do poder – embora esse espaço dificilmente volte a ser do mesmo tamanho que já foi um dia, devido à pulverização de lideranças na centro-direita brasileira.
Um indicativo dessa perda de relevância é que nem Alckmin nem Doria iriam para o segundo turno se a eleição fosse hoje, tanto segundo o Datafolha (ambos ficariam atrás de Lula, Bolsonaro e Marina Silva) quanto de acordo com o Paraná Pesquisas (qualquer um dos dois ficaria em terceiro lugar mesmo sem Lula na corrida).
EXAME.com conversou com quatro analistas políticos para entender o momento que o partido vive, e quais são os percalços internos e externos que o PSDB vai precisar superar se quiser sair da eleição de 2018 com algum fôlego político.
Com o destino de Aécio Neves, presidente do partido, balançando por um fio, o foco das atenções se volta para a disputa interna entre o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria.
Para Hilton Cesário Fernandes, professor de pós-graduação em Ciência Política na FESPSP, a “guerra fria” faz parte de um jogo de cena comum em períodos de definição para futuras eleições.
“O importante agora é que os dois estejam na mídia, ainda que dessa forma negativa, para testar o apoio político e popular a cada um dos candidatos”, sugere.
Por sua vez, Bolívar Lamounier, cientista político e sócio-diretor da Augurium Consultoria, acredita que o caminho natural para o partido é aceitar que Geraldo Alckmin é o candidato, e abandonar o apoio a Doria.
“Deixar o cargo para se candidatar antes da metade do mandato e ainda por cima mudar de partido ensejaria uma forte desaprovação na opinião pública. Só o vejo candidato na hipótese de a eleição se polarizar muito e ele aparecer como um candidato mais competitivo que o Alckmin”, opina.
Já para Sérgio Praça, professor do FGV CPDOC, a saída de Doria do partido seria até natural. “O Doria é um sujeito que por acaso está no PSDB, mas poderia estar em qualquer partido de centro-direita. Seria até natural, considerando que um candidato desse espectro tende a ter bastante chance no ano que vem”, afirma Praça.
As disputas internas, no entanto, parecem até contornáveis quando se encara o cenário de perda de protagonismo do partido no jogo político nacional.
Carlos Ranulfo Felix de Melo, professor de Ciência Política da UFMG, explica que o PSDB dificilmente vai voltar a ter a mesma expressividade que teve até hoje nas eleições nacionais e até estaduais, e por uma simples razão: seu destino é gêmeo ao do PT.
“A questão é que, enquanto o PT esteve no poder, o PSDB era o partido mais sólido da centro-direita. Virou, então, um grande guarda-chuva para quem fizesse oposição. Quando o PT caiu, muitos dos partidos que apoiavam o PSDB perceberam que não precisavam ficar embaixo desse guarda-chuva. Também quiseram protagonismo”, explica Ranulfo.
A lógica desse movimento, segundo o professor, é a seguinte: “A direita mais conservadora se aliou ao PSDB para combater o PT nos últimos dez anos. Se o PT se enfraquece, não precisa mais se unir”.
Para Cesário, da FESPSP, essa fragmentação da centro-direita também tem por efeito simplificar o debate no pleito do ano que vem.
"Vai ser a eleição do programa de oposição. Por exemplo, se o Doria for candidato, seu discurso vai ser no sentido de ‘impedir a volta do Lula e do PT’. O discurso do PT vai ser ‘impedir outro governo como o de Temer’ – e assim por diante”, diz.
Um caminho possível para o PSDB, nesse aspecto, seria retomar as alianças regionais, que eram uma prática comum quando o partido esteve no poder.
"Ao longo do tempo o PSDB foi se afastando de lideranças regionais de outros partidos, mas não houve um rompimento", diz Hilton Cesário. "Esse é um processo que acontece longe do olhar do eleitor, mas pode ser muito importante para o partido".
Além da perda de protagonismo, os tucanos também sofreram outra baixa nas últimas décadas: o "roubo" de seu programa por outros grupos políticos. O partido está sem sustentação ideológica, afirma Sergio Praça, da FGV.
“O PSDB defendia a responsabilidade fiscal e a diminuição da desigualdade. Mas em 2002 o PT veio e abraçou a bandeira da distribuição de renda. Sobrou a responsabilidade fiscal e as privatizações para o PSDB. Mas isso o governo Temer também acabou de tirar deles. Se alguém for capitalizar sobre esse discurso, vai ser o Meirelles”, explica Praça.
Para Carlos Ranulfo, o núcleo original foi perdendo relevância, dando espaço para uma orientação mais conservadora. “O núcleo histórico perdeu espaço, o mais social democrata, de FHC, Serra, Covas, a geração que construiu o partido. O PSDB perdeu a referência e tornou-se um partido muito mais conservador”, afirma.
Para Sérgio Praça, o PSDB só é social democrata no nome. A desfiliação do economista Gustavo Franco foi emblemática para apontar a "irrelevância" do partido no que se refere a ideias para o país, apesar de Franco nunca ter se engajado em atividades propriamente partidárias, diz Praça.
O problema, no entanto, é que o número de partidos conservadores com algum peso na balança vem aumentando. “O Novo surgiu nesse espaço, o PSD também”, lembra Hilton Cesário.
Para coroar, as vozes insatisfeitas dentro do partido não param de se multiplicar. Parte da ala mais jovem defende que o PSDB desembarque do governo Temer. Os caciques tradicionais brigam para continuar.
Segundo a Folha de S.Paulo, deputados já teriam ameaçado deixar o partido para forçar a saída de Tasso Jereissati da presidência interina (ele é contra o governo Temer). Por outro lado, o apoio a Aécio Neves, afastado do mandato, se tornou constrangedor dentro do próprio partido.
O problema, segundo Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo, é que o partido tem muitas cabeças pensando sozinhas sem encontrar um denominador comum. Em um artigo publicado em agosto, ele afirma que a legenda "tem sido um amontoado de ideias individuais e de interesses privados de dirigentes que objetivam seu próprio futuro".
Mario Covas Neto, vereador de São Paulo, fez a mesma crítica em uma entrevista ao podcast do Estadão: "o PSDB vem falhando no debate interno. Você tem pouca discussão sobre objetivos, e cada ente político se vê liberado para tomar a posição que acha mais conveniente".
Sem uma unificação do partido em torno de uma proposta comum, o PSDB corre o risco de passar a campanha de 2018 apenas reagindo à agenda nacional. “A verdade é o que PSDB não conduz mais o cavalo da História. É conduzido por ele”, conclui Praça.