Dilma e Mujica: “É paradoxal que queiram tirar a presidenta um monte de gente que tem acusações [criminais]" (Wilson Dias / Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2016 às 17h01.
O ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, disse hoje (27) que o posicionamento dos deputados brasileiros durante a votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dima Rousseff prejudicou a imagem do Brasil.
No último dia 17, a Câmara deu o aval para o pedido de destituição de Dilma seguir para o Senado.
“Essa transmissão [da votação] fez mal ao Brasil como nação, ao prestígio do Brasil. Baixaram a categoria do Brasil na consideração mundial. Se tivessem votado sem fundamentar, teria sido mais saudável para o futuro do Brasil” disse hoje (27) o senador uruguaio licenciado em entrevista a jornalistas brasileiros.
“É paradoxal que queiram tirar a presidenta um monte de gente que tem acusações [criminais], que votam por um monte de coisas, como aquela que votou pela honestidade do marido e no outro dia o marido é preso”, criticou Mujica, ao mencionar o caso da deputada federal Raquel Muniz (PSD-MG).
Casada com o prefeito de Montes Claros (MG), ela citou o marido, Ruy Muniz, com o exemplo de gestor público durante a votação da admissibilidade do impeachment.
No dia seguinte (18), o prefeito foi preso pela Polícia Federal em uma operação para apurar a prática dos crimes de falsidade ideológica, dispensa indevida de licitação pública, estelionato, prevaricação e peculato.
Para Mujica, os grandes meios de comunicação brasileiros fizeram uma campanha contra o PT e os partidos mais à esquerda, enfatizando os erros e desvios cometidos por filiados a essas legendas.
“A direita tem o controle dos grandes meios de comunicação e os tem utilizado para criar um senso comum. Desnudando nossos defeitos e mostrando o que não são defeitos da esquerda ou do PT, mas da sociedade brasileira”, disse.
“O efeito da corrupção é um patrimônio brasileiro, não é um problema do PT”, disse o uruguaio sobre a situação que avaliou como sistêmica no país.
“É um problema que passa por todo o sistema político. Tem gente acusada de todos os partidos. Ela [a corrupção] é tão velha quanto o Brasil”, acrescentou.
Na opinião de Mujica, o grande número de partidos do sistema brasileiro é um dos fatores que tira o foco do debate de ideias e aproxima a política dos interesses de indivíduos ou de pequenos grupos.
“Eu não sei como se pode administrar um país com 29 ou 30 partidos. Podem haver 30 projetos políticos? Não! Isso tem mais a ver com interesses pessoais do que ponto de vista ideológico”. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, há 35 partidos registrados no país.
Efeitos da crise
Associada à campanha midiática, o ex-presidente uruguaio acredita que a crise econômica também contribui para a derrubada do governo Dilma.
“A direita usou muito bem os erros que cometemos. Mas o fez em um momento histórico que resumo como: a conjuntura econômica estava a favor para gerar descontentamento”, ressaltou.
Sem o cenário econômico não fosse desfavorável, o impeachment de Dilma Rousseff não iria adiante, segundo Mujica.
“Se as forças conspirativas da direita dão resultado, é porque tem algo. A conspiração existe sempre.”
Um dos principais efeitos da crise, na avaliação do uruguaio, é a retirada de apoio da classe média ao governo. “Sempre, na história da humanidade, a pobre classe média teve medo. Teve medo de perder”, disse.
Nessa parcela dos que estão insatisfeitos com Dilma, Mujica incluiu parte da chamada nova classe média, que teve aumento do poder aquisitivo nos últimos anos.
“A mais descontente era parte dessa classe média que emergiu e que não sabe o porquê. Não se dá conta que foram as políticas difíceis de pôr em prática que os fizeram parte da sociedade.”
Segundo o ex-presidente, o capitalismo tem crises periódicas. “O sistema funciona em ciclos. Um ciclo de queda e um de ascendência.”