Escola no Piauí, antes da pandemia: projeto de pagamento a alunos no estado, com financiamento do Banco Mundial, conseguiu reduzir níveis de evasão (Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)
Carolina Riveira
Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 09h01.
Pagar para motivar o aluno mais pobre a permanecer na escola pode ajudar a economia brasileira? É o que defende um novo projeto de lei (PL 54/2021) na Câmara, que propõe o pagamento de 500 a 800 reais por ano para alunos que concluírem cada uma das séries do ensino médio. O objetivo é conter a evasão escolar, que explodiu na pandemia.
A autoria é da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), junto a um grupo de outros parlamentares. O valor seria pago ano a ano a alunos de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, os mesmos grupos que hoje têm direito ao Bolsa Família.
Ao todo, seriam 500 reais após a conclusão do primeiro ano do ensino médio ou profissionalizante, 600 reais no segundo ano e 700 reais no terceiro (além de 800 reais no quarto ano profissionalizante, se houver). Por fim, o aluno que fizer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao fim do ciclo e obtiver uma nota acima da média nacional ganharia outros 300 reais.
O custo projetado é de 4,6 bilhões de reais no acumulado até 2023, a começar por este ano. A estimativa é que seriam contemplados 2,5 milhões de alunos -- um terço dos 7,5 milhões de estudantes que estão no ensino médio.
Um estudo de julho do ano passado liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, calcula que o Brasil perde mais de 214 bilhões de reais por ano com alunos de 16 anos que deixam a escola. O valor vem dos salários mais baixos que ganham os jovens sem formação, menor contribuição à economia do país, qualidade de vida mais baixa e maior envolvimento em crimes.
Só com as maiores taxas de violência relacionadas à menor escolaridade, por exemplo, o Brasil perde por ano 45 bilhões de reais, segundo o estudo.
O cálculo foi usado por Amaral como argumento para o incentivo financeiro aos alunos. “Custaria menos de 1% do que a gente já perde com alunos que não concluem o ensino médio. É um projeto com custo-benefício muito bem mapeado e vantajoso”, diz.
Um caminho para o projeto seria integrá-lo ao orçamento do Bolsa Família, segundo a deputada. A expansão do Bolsa Família está sendo discutida em uma das comissões especiais da Câmara, da qual Amaral faz parte. O PL pode, ainda, tramitar separadamente.
Sobre a fonte de recursos, a deputada defende que a discussão surge em um contexto de debate sobre reformas como a tributária e a administrativa no Congresso, que poderiam gerar recursos extras e realocação das prioridades.
O próprio pagamento atual do Bolsa Família tem como requisito a permanência na escola. Análises do Ipea ao longo dos anos do programa mostram que a evasão é menor para alunos beneficiários do Bolsa Família em todo o Brasil, e especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
O projeto de lei proposto, dessa forma, reforçaria a última fase do Bolsa Família. Nessa faixa etária, são pagos hoje 48 reais mensais (pouco mais de 600 reais por ano) por cada adolescente entre 16 e 17 anos na família, com limite de até dois beneficiários.
Amaral diz que é favorável à ampliação do atual Bolsa Família e à prorrogação do auxílio emergencial, discutidos atualmente no Congresso. "Mas se a gente quiser ter alguma chance de trazer mudança estrutural para o médio e longo prazo, ela se dá na educação", diz. A deputada avalia que a abstenção acima de 50% no Enem deste ano, um recorde negativo, é símbolo da evasão que está por vir nas escolas.
Há projetos similares de incentivo a estudantes em todo o mundo e em alguns estados do Brasil. Minas Gerais tentou uma iniciativa do tipo entre 2007 e 2016, assim como o Rio de Janeiro até 2015, ambas encerrados em meio a dificuldades financeiras dos estados. São Paulo tem até hoje um programa batizado de Ação Jovem, que paga cerca de 80 reais mensais, por somente um ano, a alunos pobres do ensino médio.
Um dos projetos mais recentes foi no Piauí, que recebeu apoio financeiro do Banco Mundial para implementar temporariamente o Poupança Jovem Piauí, com pagamento de até 1.500 reais, dividido nos três anos do ensino médio.
O projeto começou em 2015 e acabou no ano passado, destinado aos alunos de alguns dos municípios mais pobres do Piauí. Um relatório preliminar obtido pela EXAME mostrou redução de cerca de 30% nas taxas de abandono após um ano ou mais do projeto.
"Uma coisa que vimos fazer a diferença é a própria credibilidade do projeto, o aluno entender que ele existe após algum tempo e passar a esperar sua vez de receber", diz Luiza Costa, coordenadora do projeto junto à Secretaria de Educação do Piauí.
Terminada a primeira edição, Costa afirma que uma nova versão está sendo estudada, com foco em alunos mais pobres e incluindo lugares com índices piores de evasão, como grandes centros, hoje fora do projeto.
No exterior, países como México e Colômbia também tiveram programas com foco no ensino médio. Em Nova York, foi feito ainda um projeto mais amplo, o Family Rewards, que começou na gestão do prefeito Michael Bloomberg, financiado pela iniciativa privada.
James Riccio, do think-tank MDRC, contratado pelo governo para avaliar os resultados nos EUA, diz que uma das inspirações foi o próprio Bolsa Família brasileiro. No programa, quanto mais requisitos completados pela família nas frentes de saúde, educação e emprego — como permanência na escola, ida da família ao médico ou pais com emprego fixo —, maior era o pagamento.
O pesquisador explicou à EXAME que os resultados foram mistos. O programa levou à redução da pobreza, redução das famílias em insegurança alimentar e aumento da participação no sistema bancário. “Mas os resultados de educação, em especial, foram menos perceptíveis”, diz Riccio.
Na frente educacional, o programa nova-iorquino teve melhor resultado no ensino médio do que no fundamental. E, na contramão do Piauí -- onde escolas com piores índices educacionais tiveram mais avanço após os incentivos --, o impacto do Family Rewards foi maior para alunos que já tinham proficiência melhor no começo do ensino médio.
Assim, esse grupo teve melhores notas do que alunos de perfil semelhante no grupo de controle, maior probabilidade de ingressar na faculdade e maior tempo gasto com atividades acadêmicas no tempo livre.
Já para os alunos que estavam em dificuldade na escola no começo do ensino médio -- dois terços do total --, o pagamento fez menos efeito.
"Um dos motivos pode ser que os membros desse grupo eram mais mal preparados para o ensino médio ou muito desengajados com a escola para que os incentivos fizessem diferença", diz Riccio. Um resultado bom para todos os grupos, diz o pesquisador, foram as menores taxas de violência entre os alunos beneficiários. "Mas o Brasil pode ter cenários diferentes, em Nova York temos problemas diferentes. São testes que os governos locais precisam fazer para entender se há efeitos.".
A saída de alunos da escola, sobretudo em meio à pandemia, será um dos maiores desafios educacionais da década. Pesquisa Datafolha encomendada pelo C6 Bank estima que 10,8% dos jovens brasileiros do ensino médio afirmam ter abandonado a escola na pandemia (ante 4,6% do ensino fundamental). A maior evasão veio das classes C, D e E.
Os dados oficiais sobre o tema só serão divulgados nos próximos meses, mas devem trazer um cenário parecido. Sobretudo os alunos da rede pública têm enfrentado dificuldade para continuar as aulas de forma remota e, entre os estudantes do ensino médio, idealmente de 15 a 17 anos, há pressão adicional para trabalhar em meio à crise econômica.
O problema da evasão no ensino médio não surgiu com o coronavírus. Antes da pandemia, um em cada quatro jovens entre 18 e 24 anos (ou 25% deles) no Brasil não havia concluído esta etapa, segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
A Unicef aponta em documento de 2018 que o fenômeno da evasão escolar nos países em desenvolvimento “atinge, principalmente, quem vem das camadas mais vulneráveis da população".
O desafio, para a economia brasileira, é evitar o que a Unicef chama de ingresso “precário e prematuro” no mercado de trabalho. Dados da OCDE, que reúne as economias desenvolvidas, mostram que quem tem ensino ensino superior no Brasil ganha mais que o dobro dos demais. Mas menos de 15% dos brasileiros entre 55 e 64 anos têm esse diploma, muito abaixo da média da OCDE, de 44% -- um cenário que começa com taxas baixas de formatura e engajamento no ensino médio.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ensino médio é o pior das três etapas da educação básica, e também o que menos avançou na última década. O resultado é ainda mais baixo nos estados cujos alunos têm menor índice socioeconômico, como mostrou levantamento recente da EXAME com base no último Ideb.
Em quase todos os estados da região Norte e Nordeste, mais de 90% das escolas têm, em média, alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo. Essas escolas também atendem, segundo os dados do governo federal, maioria de alunos com pais que não completaram o ensino médio — o que impacta na permanência dos filhos.
Há outros desafios além da mera permanência na escola, como melhorar a qualidade do aprendizado, o acesso ao Ensino Superior e outras frentes que impactem de forma positiva a vida pessoal dos estudantes e a economia. Mas essas metas não serão atingidas sem que os alunos estejam, em primeiro lugar, frequentando as aulas -- seja com ou sem incentivos financeiros para chegar lá.