Palocci: só com a Odebrecht, teria levantado R$ 128 milhões registrados em planilha, em que ele seria identificado como "Italiano" (REUTERS/Rodolfo Buhrer/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de novembro de 2016 às 16h23.
São Paulo - O ex-ministro Antonio Palocci, (Fazenda e Casa Civil/governos Lula e Dilma) é acusado de atuar de forma "ilícita" para beneficiar o Grupo Odebrecht na contratação pela Petrobras de estaleiros nacionais para construção de plataformas e navios-sonda para exploração de petróleo dos campos do pré-sal.
Um negócio de mais de US$ 21 bilhões, que envolveu a criação da empresa Sete Brasil.
É o que afirma o Ministério Público Federal em denúncia criminal contra o petista que será analisada esta semana pelo juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Operação Lava Jato, em Curitiba.
Em novo depoimento prestado à força-tarefa da Lava Jato, no dia 11 de outubro, o ex-líder do governo Dilma Rousseff no Senado Delcídio Amaral afirmou que Palocci participou - mesmo fora do governo - da formação da Sete Brasil, sociedade da Petrobras, com os bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander, e fundos de pensão federais Petros e Previ e o fundo de pensão da Vale do Rio Doce. A empresa foi responsável pela contratação de estaleiros para fornecimentos de 28 plataformas e sondas para a Petrobras, alvo de corrupção.
"O modelo de cobrança de propina, que já existia na Petrobras, foi levado também à Sete Brasil", afirmou Delcídio, que virou delator da Lava Jato, após ser preso em novembro de 2015, tentando comprar o silêncio do ex-diretor da estatal Nestor Cerveró. "Palocci participou de toda estruturação econômica da Sete Brasil."
Fora do PT e com mandato cassado no Senado, Delcídio foi chamado para prestar depoimento complementar à Lava Jato para instrução da denúncia apresentada pela Procuradoria a Moro na sexta-feira, 28, contra Palocci.
Preso desde o dia 26 de setembro, o ex-ministro foi acusado formalmente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo os procuradores, ele era a principal "ponte" entre Odebrecht e o governo federal.
Segundo Delcídio, Palocci atuou na "engenharia financeira" da Sete Brasil e na "consolidação dos grupos empresarias" que foram contratados.
A Sete Brasil foi criada em 2011. Cinco estaleiros foram contratados para fornecer equipamentos para exploração do petróleo do pré-sal. O estaleiro Atlântico Sul, da Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e por investidores japoneses, é responsável pela construção de 7 sondas. O estaleiro Brasfels, do grupo estrangeiro Kepell Fels, de Cingapura, é responsável por 6 sondas.
O estaleiro Jurong Aracruz, do grupo estrangeiro SembCorp Marine, também de Cingapura, é responsável por outras 7 sondas.
O estaleiro Enseada do Paraguaçu, controlado por Odebrecht, OAS, UTC e o grupo japonês Kawasaki, é responsável por mais 6 sondas. Por fim, o estaleiro Rio Grande, controlado pela Engevix, é responsável pela construção de 3 sondas.
Coordenador da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, Palocci virou o primeiro ministro da Fazenda dos governos do PT.
Envolto no escândalo do mensalão e da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, foi demitido em março de 2006. Eleito deputado federal naquele ano, manteve forte influência no governo, segundo conta Delcídio.
Em 2010, foi coordenador da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff. Virou ministro da Casa Civil, mas acabou demitido no mesmo ano, após seu nome aparecer em novo escândalo de recebimentos milionários por consultorias de sua empresa, Projeto, e pela compra de um imóvel de R$ 6 milhões.
"Atuou de forma marcante e expressiva no recebimento e gestão de recursos pagos a título de propina e destinados em favor do Partido dos Trabalhadores", afirma o Ministério Público Federal.
Só com a Odebrecht, teria levantado R$ 128 milhões registrados em planilha, em que ele seria identificado como "Italiano". O ex-ministro nega.
"Dentro do esquema criminoso, a atuação de Antonio Palocci na arrecadação e gerenciamento de recursos ilícitos em favor do Partido dos Trabalhadores ocorreu em duas frentes: a) mediante sua própria corrupção, no período em que exerceu os cargos de Ministro da Fazenda, Deputado Federal, Ministro da Casa Civil e membro do Conselho de Administração da Petrobras; b) mediante influência e ascendência exercida sobre outros funcionários públicos e agentes políticos ligados ao Partido dos Trabalhadores."
Propina
Dois outros delatores que eram executivos da Sete Brasil afirmam que os contratos com cinco estaleiros formados por empreiteiras nacionais, com parceiras internacionais - com experiência no setor naval -, foram alvo de propina de 1%, nos mesmos moldes dos contratos da Petrobras feitos via diretorias de Abastecimentos, Serviços e Internacional, controladas pelo PP, PT e PMDB.
São eles: o ex-diretor de Engenharia da Petrobras - vinculado à Diretoria de Serviços, cota do PT no esquema -, Pedro Barusco, e o ex-presidente da Sete Brasil, João Carlos de Medeiros Ferraz.
"Barusco esclareceu que havia um acerto firmado entre os Estaleiros, o tesoureiro do PT (João Vaccari), os Diretores da Sete Brasil e o então Diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, para que 1% do valor de contratação das sondas pela Petrobras fosse destinado ao pagamento de propina", registra a denúncia do MPF contra Palocci.
"Deste montante, a distribuição das vantagens indevidas, conforme determinação de João Vaccari, ocorria da seguinte forma: a) 2/3 do valor global da propina seriam repassados ao PT, conforme determinação e orientação de João Vaccari Neto, então Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores; b) 1/3 seria dividido entre: os altos funcionários da Diretoria de Serviços da Petrobras, referidos nos controles de pagamento de propina como 'Casa 1' - correspondente a Renato Duque e Roberto Gonçalves, aquele Diretor de Serviços e este Gerente Executivo de Engenharia - e a Diretoria da Sete Brasil, referida como 'Casa 2' - João Ferraz, então Presidente da empresa, Eduardo Musa, Diretor de Participações, e Pedro Barusco.
Projeto sondas
A criação da Sete Brasil começou com a aprovação, em setembro de 2009, pela Diretoria Executiva da Petrobras da estratégia para contratação de 28 unidades de perfuração marítima que seriam construídas no Brasil. De início, seriam contratadas as construções de nove navios sondas por meio de uma subsidiária da estatal no exterior e os afretamentos de lotes de um a quatro unidades, que chegaria até 19 equipamentos. O começo e o término das licitações deveria ser concomitantes.
Os dois processos foram lançados em 2009 e os envelopes abertos em novembro de 2010, com licitações conduzidas pela Diretoria de Serviços e pela Diretoria de Exploração e Produção (ambas redutos do PT). Das noves sondas a serem construídas, sete foram contratadas e o vencedor foi o Estaleiro Atlântico Sul (EAS). A Odebrecht, dona junto com a OAS e UTC, do Estaleiro Enseada Paraguaçu, saiu derrotada. Os processos para as duas novas sondas e afretamento de outras 19 foram cancelados.
A força-tarefa da Lava Jato identificou nos e-mails apreendidos de executivos da Odebrecht, que pouco tempo após o conhecimento das propostas de cada um dos licitantes, Marcelo Odebrecht - presidente afastado do grupo - encaminhou para o assessor de confiança de Palocci, Branislav Kontic e-mail, em 10 de janeiro de 2011, em que solicitou confirmação de data de reunião com o ex-ministro. Foram identificados o agendamento de 27 encontros entre eles.
"Aquele assunto do Petróleo não está indo bem", escreveu Odebrecht, ao pedir ao assessor que comente com Palocci o tema, no e-mail em que tenta definir data para a reunião previamente combinada.
Ao analisar a sequência de e-mails, os procuradores sustentam que "era nítido no e-mail: instar Antonio Palocci para que interferisse nas decisões a serem adotadas pela alta administração do Governo Federal, a fim de resolver questões de interesse da Odebrecht relativas a contratos com a Petrobras".
Em 2011, foi determinada nova licitação, desta vez para completar o total de 28 unidades de perfuração marítima. Em todos os processos abertos, foi exigido conteúdo mínimo nacional, que garantia o controle dos estaleiros por empreiteiras do cartel que fatiava as obras de refinarias, gasodutos e complexos petroquímicos da Petrobras.
As ações penais referentes às obras de construção de refinarias já apresentadas pela força-tarefa da Lava Jato trazem o seguinte roteiro: as empreiteiras se reuniam num cartel para dividir os contratos; pagavam propina que variava de 1% a 3% a operadores por meio de contratos fictícios de consultoria; esses operadores distribuíam o dinheiro entre ex-diretores da Petrobras - três deles já presos, Renato Duque, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa - e partidos políticos - em especial PT, PMDB e PP.
Esse esquema de desvios se concentrou, segundo as investigações, entre os anos de 2004 e 2012, e os pagamentos prosseguiram até 2014. A Petrobras admite - e já registrou em balanço - prejuízo de R$ 6 bilhões com propinas nas obras de refinarias, entre elas a Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Getúlio Vargas, no Paraná.
Nos contratos do pré-sal, os procuradores e delegados da Polícia Federal esbarraram num modelo bem parecido: a suspeita é de que as empresas que compõem os estaleiros se acertaram em cartel, pagaram propina de 0,9% a 1% do valor dos contratos por meio de operadores que detêm consultorias de fachada e, no fim, o dinheiro foi parar nas mãos de políticos.
Em razão de o setor do pré-sal estar ligado às Diretorias de Internacional, Serviços e de Exploração e Produção, as suspeitas recaem novamente sobre PT e PMDB, que apadrinhavam os diretores dessas três áreas.
A Sete Brasil, procurada por meio de sua assessoria de imprensa, informou que "colabora com as investigações. "A atual direção da Sete Brasil, que assumiu o comando da empresa em maio de 2014 - ou seja, posteriormente à suposta ocorrência citada na denúncia do MPF - tem todo o interesse que os fatos em apuração pela Operação Lava Jato sejam esclarecidos e, para isso, vem colaborando com as investigações", informou a empresa, por nota.