Moro: entrevista coletiva foi concedida nesta segunda-feira (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 4 de fevereiro de 2019 às 20h16.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2019 às 21h14.
São Paulo — Apesar de trazer novas perspectivas em torno do combate ao crime no Brasil, o Projeto de Lei Anticrime, de Sérgio Moro, deve esbarrar em contradições jurídicas na hora de ser colocado em prática.
Essa é a interpretação de advogados criminalistas ouvidos por EXAME.
De acordo com os especialistas, o novo texto, que tem como foco o combate à corrupção, ao crime organizado e aos crimes violentos, é "genérico", "abrangente" e não traz as inovações necessárias para solucionar os problemas de segurança no país.
"A lei tem algumas impropriedades em relação aos termos técnicos jurídicos, como 'levanta' e 'através', por exemplo. Há muitas contradições e subjetivismo, e a norma tem que ter uma clareza muito grande e ser muito precisa. Poderia ter tido um cuidado maior para evitar essa multiplicidade de interpretações", explica o advogado Miguel Pereira, presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do IASP.
Apresentado nesta segunda-feira (4), em Brasília, o PL traz, em 34 páginas, alterações em 14 leis brasileiras, do Código Penal ao Eleitoral.
Há 21 propostas no texto apresentado por Moro. Na coletiva, o ex-juiz se limitou a detalhar e explicar as mais complexas, que são cerca de seis. Para os especialistas, ao menos quatro delas precisam ser reavaliadas.
A primeira envolve a abrangência de casos enquadrados como legítima defesa. Conrado Gontijo, criminalista e professor de Direito Penal do IDP-São Paulo, diz que esse dispositivo "é um salvo conduto para a atuação violenta de agentes policiais".
A nova proposta permite ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. As circunstâncias serão avaliadas e, se for o caso, o acusado ficará isento de pena.
"A depender da interpretação que se dê à norma será suficiente para que a atuação policial configure situação de legítima defesa. Trata-se de inequívoco, que legitimará inúmeras ações violentas, que recaem essencialmente sobre a população mais carente", afirma Gontijo.
Sérgio Praça, professor de ciência política da FGV-RJ, escreveu que este é "o ponto mais preocupante – e perigosamente popular – do documento".
O segundo trecho alvo de criticas envolve o endurecimento de penas, sem acompanhamento de soluções para o sistema carcerário brasileiro, que hoje apresenta déficit de vagas de 354 mil vagas.
"Sob o pretexto de combater o crime, o projeto acaba por alargar as hipóteses de encarceramento e prolongar, em muitos casos, o tempo de prisão. A prática demonstra que, a longo prazo, políticas criminais como tais causam efeito inverso àquele que pretende se evitar: ao passo em que se apresentam relativamente inócuas para desestimular a prática do crime, acabam gerando uma superlotação carcerária e um consequente aumento da violência", diz o advogado criminalista Gustavo Turbiani.
Em relação ao endurecimento da pena, que não estabelece negociação para casos de corrupção, o advogado criminalista Daniel Gerber se atenta para o fato de que, dessa forma, os corruptores não devolverão o dinheiro aos cofres públicos.
"Nos importa muito mais um corrupto devolvendo aos cofres públicos os valores desviados do que vê-lo preso aguardando cumprir sua pena para, depois, usufruir do valor em algum paraíso fiscal - provavelmente na beira da praia", afirma.
Conrado Gontijo alerta ainda para a inconstitucionalidade da execução provisória da pena, que é quando a pena é proferida, mas ainda há recursos.
"A realidade é que o Código de Processo Penal nunca poderá se suplantar à Constituição Federal, a qual tem redação clara no sentido de que a execução da pena somente poderá se iniciar após o transito em julgado de sentença condenatória", enfatiza Gontijo.