Se antes Cunha trabalhava para esvaziar a sessão, nos últimos dias ele adotou um discurso de retaliação a correligionários e aliados para tentar virar o jogo (Lula Marques/AGPT/Fotos Públicas)
Marcelo Ribeiro
Publicado em 12 de setembro de 2016 às 13h16.
Brasília – Após ter se tornado um dos mais articulados parlamentares da história do Brasil, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) viu o poder que conquistou ao chegar à presidência da Câmara fugir das suas mãos depois que seu nome foi ligado a uma série de escândalos. A provável cassação de seu mandato tem o último e derradeiro capítulo previsto para esta segunda-feira (12), às 19h, na Câmara dos Deputados.
Sem dúvida, 2016 será um ano que Cunha vai querer apagar da sua história. Começou o ano como presidente da Câmara e considerado um dos principais articuladores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Tudo indica que o parlamentar deve encerrar o ano legislativo sem mandato e sem foro privilegiado.
Réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha também é acusado de ter recebido propina no esquema da Petrobras investigado pela Operação Lava Jato.
Além disso, o peemedebista é acusado de usar seu cargo à frente da Presidência da Câmara para constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações.
Engana-se quem pensa que foi só quando chegou ao comando da Câmara que Cunha passou a ter protagonismo na cena política. O peemedebista acelerou sua ascensão política a partir de 2003, quando migrou para o PMDB durante seu primeiro mandato como deputado federal.
Próximo do governo Lula
Economista com experiência no setor público estadual no Rio, o deputado foi vice-líder do PMDB e de blocos do governo até o fim do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante a gestão de Lula, Cunha foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 2008. À frente da principal comissão da Casa, ele barrou projetos que liberavam o aborto, o que representou um claro aceno de alinhamento com a bancada evangélica.
Dois anos depois, no último ano do governo Lula, Cunha chamou a atenção por ter feito oposição à redistribuição dos royalties do petróleo entre os estados.
Dilma chega ao Planalto
Durante a corrida presidencial de 2010, Cunha apoiou a eleição da presidente Dilma Rousseff (PT), que tinha como vice-presidente Michel Temer (PMDB), um de seus principais aliados.
Em 2013, Cunha centralizou os holofotes ao ser eleito líder do PMDB na Câmara, em 2013. À época, o partido era o segundo maior da Casa, com 81 deputados, ficando atrás apenas do PT. Mesmo com Temer na vice-presidência, o deputado demonstrava não ter tanta identificação com o comando do Planalto.
Primeiros atritos
A votação de uma medida provisória com novas regras para exploração dos portos marcou a primeira oposição contundente de Cunha em relação ao Planalto. O governo Dilma não gostou das mudanças do texto propostas por ele.
Diante da rejeição às suas propostas, Cunha se juntou aos opositores da petista para obstruir a votação.
Oposição à reeleição de Dilma
Em 2014, quando Dilma e Temer concorreram à reeleição, Cunha demonstrou descontentamento com a decisão do partido de manter a aliança. A insatisfação era tanta que o peemedebista não escondia de ninguém que nada tinha contra uma eventual vitória do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
No mesmo ano, se apresentou como candidato à presidência da Câmara e garantiu que teria postura independente em relação ao governo. Concorreu com Arlindo Chinaglia (PT-SP), Júlio Delgado (PSB-MG) e Chico Alencar (PSOL-RJ).
Mesmo com a sinalização de Cunha de que trabalharia em conjunto com Dilma para recuperar a economia do país, a petista manteve o apoio à candidatura de Chinaglia. Isso foi suficiente para aumentar a antipatia do peemedebista com a presidente.
Vitória com margem
A disputa pelo comando da Câmara não foi nem um pouco acirrada. Ele ganhou em primeiro turno, com 267 votos, bem mais do que os 136 votos de Chinaglia. Júlio Delgado somou 100 votos, enquanto Chico Alencar teve 8 votos.
Depois de vencer com margem, Cunha fez uma provocação ao governo ao dizer que deputados souberam reagir à tentativa de Dilma de impedir sua consagração.
Na mira da Lava Jato
Em março de 2015, Cunha apareceu entre os primeiros políticos investigados pela Operação Lava Jato, diante de suspeitas de ter cobrado propina em contrato de aluguel de um navio para a Petrobras. Um dos funcionários do doleiro Alberto Youssef, operador de propinas, disse ter levado dinheiro a uma casa que pertenceria ao ex-presidente da Câmara.
Oposição ferrenha a Dilma
Poucos meses depois, em julho de 2015, Cunha passou a dar sinais de que dificultaria a segunda gestão de Dilma. Ele passou a não facilitar a aprovação de projetos de interesse do governo dando amplo espaço à oposição em votações no plenário.
Em todas as ocasiões, relembrava as tentativas do Planalto de derrotá-lo na disputa pelo comando da Câmara.
Ao anunciar o rompimento político com Dilma, Cunha acusou o Palácio do Planalto de ter se articulado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para incriminá-lo na Lava Jato.
Na época, Júlio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, relatou à Justiça Federal do Paraná que o peemedebista lhe pediu propina de US$ 5 milhões no contrato de navio para a Petrobras.
Cunha foi um dos primeiros parlamentares que se tornou alvo de investigações da Lava Jato, sob acusação formal junto ao STF por suposta prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Contas no exterior
Em setembro do ano passado, o Ministério Público da Suíça enviou ao Brasil dados sobre uma conta bancária mantida secretamente por Cunha. Em outubro, foram reveladas cópias do passaporte, a assinatura e dados pessoais que comprovam a ligação do deputado com essa e outras contas em nome de sua mulher e filha.
No mês seguinte, Janot pede a Suprema Corte a abertura de novo inquérito contra Cunha. A solicitação foi acatada pelo ministro do STF Teori Zavascki. Numa das contas, foram depositados 1,3 milhão de francos suíços, supostamente oriundos de propina na compra, pela Petrobras, de um campo de petróleo em Benin, na África.
Pedido de cassação
Diante de tantas suspeitas, Cunha viu PSOL e Rede pedirem a cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro. Os partidos alegam que Cunha teria mentido na CPI da Petrobras ao afirmar que não tinha contas no exterior.
Instaurado em novembro, o processo só passou a tramitar no início de 2016. A demora aconteceu por causa de uma série de manobras de Cunha e de seus aliados.
Cunha e o impeachment de Dilma
Em dezembro do ano passado, Cunha aceitou o pedido de impeachment contra Dilma assinado pela advogada Janaína Paschoal e pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior.
Aliados da ex-presidente afirmaram que ele aceitou o pedido após o PT sinalizar que não votaria para que ele conseguisse evitar a continuidade do processo de cassação.
Na época, a PGR pediu o afastamento de Cunha do comando da Câmara, sob acusação de tentar atrapalhar as investigações da Lava Jato,
2016, um ano para esquecer
Em fevereiro de 2016, a PGR pediu ao STF a autorização para um terceiro inquérito sobre Cunha na Lava Jato, a partir da suspeita de que teria levado propina de R$ 52 milhões por obras no Porto Maravilha, no Rio.
No mês seguinte, Cunha se tornou o primeiro parlamentar réu na Lava Jato, quando a Corte aceitou com unanimidade a denúncia relativa à propina de US$ 5 milhões do estaleiro Samsung Heavy Industries.
Em abril, a aprovação do impeachment na Câmara foi uma das últimas vitórias de Cunha à frente da Casa.
Poucos dias depois, porém, a maré de notícias ruins voltou. Teori Zavascki autorizou a abertura de mais dois inquéritos sobre Cunha: um deles relacionado à suposta pressão sobre empresários do Grupo Schahin para pagamento de propina; outro, sobre cobrança de propina em troca de alterações em propostas legislativas em favor do banco BTG.
A suspensão do mandato e o afastamento da presidência da Casa vieram em maio, com decisão do STF por unanimidade. Para os ministros da Corte, Cunha usou o cargo para prejudicar a Lava Jato e o andamento do processo de cassação no Conselho de Ética.
Ainda em maio, o STF abriu o sexto inquérito contra o peemedebista por supostamente ser um dos líderes de esquema de corrupção em Furnas, subsidiária da Eletrobras.
No mês seguinte, Janot pediu a prisão de Cunha, alegando que nem mesmo afastado o peemedebista parou de atuar para tentar atrapalhar as investigações contra ele.
No final de junho, o Conselho de Ética aprovou parecer que recomendava a cassação do mandato de Cunha. A decisão final ficou nas mãos do plenário. A votação começa nesta segunda-feira (12).
Nos últimos meses, Cunha tem corrido contra o tempo para tentar evitar a cassação de seu mandato. No final de semana que antecedeu a votação, Cunha abandonou a abordagem moderada e partiu para uma estratégia mais agressiva.
Se antes Cunha trabalhava para esvaziar a sessão, nos últimos dias ele adotou um discurso de retaliação a correligionários e aliados para tentar virar o jogo, segundo interlocutores do ex-presidente da Casa revelaram a EXAME.com.
Ciente das dificuldades de ser absolvido, Cunha tem focado na estratégia de pelo menos tornar a pena mais branda. Ele quer evitar a cassação e enfrentar uma suspensão de seis meses. A sessão, que começa às 19h, promete ser longa e regada a energéticos e articulações.
Os próprios aliados de Cunha reconhecem que a situação dele é delicada. Mas não há como garantir nada quando se discute a eventual perda de mandato de um dos políticos mais influentes que o país já teve.