Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, durante coletiva de imprensa em 02/01 (Andre Coelho/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 7 de janeiro de 2019 às 17h19.
Última atualização em 7 de janeiro de 2019 às 17h39.
“A política externa brasileira não pode mudar”. Foi assim que um político brasileiro resumiu seu distanciamento em relação às posições de política externa do presidente Jair Bolsonaro e minhas.
Essa opinião é sintomática daqueles que ficaram tão traumatizados com a política externa esquerdista e caótica dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2016) que preferem a inércia e a indiferença a qualquer tentativa de tornar o Brasil um ator global novamente. Estão tão acostumados a mudanças para pior que preferem não arriscar mudança nenhuma.
Acham que a única alternativa para o desastre de Lula na política externa é pensar pequeno, recitar a cartilha das Nações Unidas, e tentar fazer algum comércio. Lutam por algum tipo de mediocridade dourada. Querem que o Brasil simplesmente aceite “o mundo tal como o encontramos”, parafraseando a famosa expressão de Ludwig Wittgenstein.
Curiosamente, essa referência aparece no mesmo item do “Tratactus Logico-Philosophicus”, parágrafo 5.631, onde Wittgenstein afirma: “o sujeito que pensa e tem ideias simplesmente não existe.” Essa espécie de desconstrução pós-moderna avant-la-lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento está, portanto, associada à renúncia da própria capacidade de agir e de influenciar o mundo, implícita no pessimismo de tomar o mundo “tal como o encontramos”.
Essas são as raízes filosóficas da nossa atual ideologia totalitária globalista: ao proibir a independência do pensamento e a substância das ideias, ela consegue cada vez mais dominar o ser humano, enquanto dita: “você não merece liberdade porque você não existe, você não existe como ser independente, você é apenas a soma das partes do seu corpo e suas ideias são apenas construções sociais, então cale-se.”
Não gosto de Wittgenstein.
O presidente Bolsonaro não foi eleito apenas para aceitar o Brasil tal como o encontrou e deixá-lo como está. Não foi eleito para aceitar a política externa brasileira tal como a encontrou, para meramente levantar mecanicamente a bandeira do “pragmatismo” e pronto.
Não é isso que o povo brasileiro – feito de seres pensantes e independentes, com suas próprias paixões e idéias, e não robôs pós-modernos – quer e merece.
A política externa brasileira precisa mudar: isso faz parte do mandato sagrado do povo confiado a Jair Messias Bolsonaro.
Estamos convencidos de que o Brasil tem um papel muito maior a desempenhar no mundo do que esse que atualmente nos atribuímos.
Queremos promover a liberdade de pensamento e de expressão em todo o mundo. Isso é essencial para promover qualquer outra mudança e qualquer outra liberdade. A eleição de Bolsonaro no Brasil só foi possível porque as pessoas puderam trocar livremente suas ideias e expressar seus sentimentos, sem serem tolhidas pela camisa-de-força da mídia tradicional. Essa lição não tem preço.
Infelizmente, no mundo de hoje, há países onde o pensamento é controlado diretamente pelo Estado, e há países, principalmente no Ocidente, onde o pensamento é controlado, de forma indireta e insidiosa, pela mídia e pelos acadêmicos, deixando pouquíssimos espaços livres da opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.
O Brasil mostrou agora que é possível se libertar e, pela simples força da palavra, transformar a realidade política de um país de 200 milhões de pessoas, desmontando pacificamente um sistema de décadas de crime e corrupção por meio da coragem, determinação e sinceridade.
Também queremos promover a paz e a segurança em nossa região e em toda parte. Mas não se promove a paz e a segurança fingindo que elas não sofrem ameaças e que não há nada que se possa realmente fazer a respeito. É preciso enfrentar as ameaças, e a maior delas vem de regimes não-democráticos que exportam o crime, a instabilidade e a opressão.
Ditaduras como Venezuela e Cuba não desaparecerão pelo simples desejo de que sumam. Ainda mais quando alguns nem desejam. Ainda mais quando alguns as deixam manter e ampliar seu poder, com a desculpa de que isso seja “o mundo tal como o encontramos” ou “o caminho natural das coisas”.
E queremos, é claro, fazer comércio. A política comercial brasileira, como parte de nossa política externa, ficou adormecida por muito tempo. Estamos determinados a negociar acordos de comércio, de investimentos e de tecnologia com todos os nossos parceiros, de forma ambiciosa e criativa, explorando diferentes modelos com diferentes parceiros, tendo sempre em mente as necessidades concretas do setor produtivo.
Os críticos dirão que, ao falarmos sobre liberdade e democracia, e ao levar esses conceitos a sério, estamos sendo “ideológicos”. Argumentam que a defesa da liberdade e da democracia colocará nosso comércio em risco. Seria um mundo triste, se esse fosse o caso. Mas estou convencido de que um Brasil muito mais assertivo, um país que fala com sua própria voz em vez de dublar a de outros, será um parceiro muito melhor – no comércio ou em qualquer outra área.
Algumas pessoas acham que nossa abordagem de marketing deveria ser: “Olha, eu sou o Brasil. Eu não acho nada. Eu não tenho idéias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ’eu’. Eu não incomodo ninguém. Faça negócios comigo!”
Mas isso não funciona. Ninguém respeita esse tipo de comportamento, e você não faz bons negócios quando não há respeito. Vejam a China. A China defende, sem pedir desculpas, seu interesse nacional e sua identidade, suas ideias específicas sobre o mundo, defende seu sistema – e todos fazem cada vez mais negócios com a China.
Por que outros países devem ser obrigados a esposar certas ideias antes de serem considerados bons parceiros comerciais? Devemos renunciar a nossos compromissos com a liberdade e a democracia quando outros não são obrigados a renunciar a seus compromissos com seus próprios sistemas?
O Brasil mostrará que você pode aumentar sua participação no comércio internacional e nos fluxos de investimento, ao mesmo tempo em que sobe confiante no palco mundial para defender a liberdade, falando com a própria voz da sua nação.
A política externa brasileira pode mudar, e o mundo pode mudar. Não precisamos aceitá-los tais como os encontramos.
*Ernesto Araújo é ministro das Relações Exteriores do Brasil
"Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg e seus controladores"