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Da Redação
Publicado em 29 de novembro de 2010 às 18h07.
São Paulo - As cenas de guerra urbana no Rio de Janeiro este fim de semana podem representar um passo crucial, e positivo, no desenvolvimento da economia brasileira, caso a polícia seja capaz de manter o controle das favelas anteriormente fora do domínio da lei.
A operação que retomou o Complexo do Alemão, uma das favelas de pior reputação do Rio de Janeiro, representou mais do que apenas a repressão a quadrilhas de traficantes que atearam fogo a carros e ônibus durante uma onda de violência que deixou ao menos 46 mortos na semana passada -- 45 suspeitos e uma jovem de 14 anos, vítima de bala perdida.
As operações conjuntas promovidas pela polícia e pelas Forças Armadas -- que terminaram com soldados eufóricos hasteando bandeiras do Brasil e do Rio no topo do morro -- foram um sinal de que o país finalmente pode estar reunindo a vontade política e os recursos para reduzir uma das taxas de criminalidade mais altas da região, que há muito tempo têm sido um fardo para a economia emergente do Brasil.
O status quo -- facções criminosas controlando enormes porções do território na segunda maior cidade do país, a capital energética e centro financeiro emergente -- é incompatível com o sonho do Brasil de se tornar um país de classe média dentro da próxima década. O Rio também está sob pressão para resolver suas questões antes da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, que será realizada na cidade.
Resta saber se a polícia brasileira, que tem histórico negativo no que tange aos direitos humanos e no seguimento de operações de combate com policiamento efetivo, será capaz de consolidar as vitórias e expandi-las para outras cidades problemáticas.
Por enquanto, os sinais são de que desta vez será diferente.
Primeiro de tudo, as forças de segurança prometeram trabalhar em conjunto para manter o território recuperado, em vez de apenas entrar, atirar, fazer prisões e sair, como ocorrido no passado.
Desde que a criminalidade começou a aumentar, nos anos 1980, os políticos brasileiros costumavam tratar o problema como uma doença sociológica de longo prazo, e não algo que poderia ser resolvido pela polícia.
Políticos em postos-chave, porém, agora parecem comprometidos com a aplicação severa da lei, partindo do prefeito do Rio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo a sucessora dele a partir de janeiro, Dilma Rousseff.
Os recursos financeiros para uma presença policial no longo prazo em áreas problemáticas também estão presentes pela primeira vez.
Empresas como Coca-Cola e o banco Bradesco doaram milhões de dólares este ano para ajudar a financiar as operações policiais, sentindo que este é o momento para combater um problema que custa ao Brasil até 100 bilhões de dólares por ano em gastos com segurança, perda de investimentos e de produtividade, de acordo com o Banco Mundial.
Ainda assim, o elemento mais importante que joga em favor do Brasil agora pode ser algo menos tangível: a crença entre muitos brasileiros de que a recente prosperidade do Brasil tornou qualquer coisa possível -- até a paz no Rio.
"Hoje podemos ter a certeza de que, quando o Estado de fato quer algo, ele é capaz", disse o coronel Mário Sérgio Duarte, comandante-geral da Polícia Militar do Rio, depois de concluída a operação no Alemão.
"Coragem de enfrentar"
O clima no Rio e em outras partes do Brasil nesta segunda-feira era de entusiasmo. Jornais publicaram fotos de crianças dando cambalhotas numa piscina na casa que pertencia ao traficante conhecido como Polegar, um dos líderes do crime no Alemão que está foragido.
"Acho que daqui para frente vai ser sempre assim", disse o auxiliar de escritório Rodrigo Flores, morador de uma favela de Copacabana, enquanto se dirigia para o trabalho.
"Onde a polícia for com esse reforço das Forças Armadas, os bandidos não vão ter coragem de enfrentar e vão acabar se escondendo", acrescentou.
Na comunidade em que Flores mora e em mais uma dezena de favelas cariocas, o governo instalou o sinal mais visível de sua nova estratégia -- as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Essas unidades combinam policiamento na comunidade com amenidades como campos de futebol e Internet sem fio para ganhar a simpatia dos moradores onde o Estado mantinha pouca, ou nenhuma, presença.
Foi o sucesso das UPPs que levou à violência do fim de semana, pois os traficantes desalojados de seus redutos pela iniciativa investiram contra a polícia, na esperança que ela recuasse. Em vez disso, porém, veio uma resposta ainda mais dura.
"Nunca antes houve tanta vontade de consertar o Rio", disse o magnata Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, ao jornal Folha de S. Paulo. Ele prometeu 20 milhões de reais anuais ao longo dos próximos dois anos para ajudar na instalação de mais UPPs.
Possíveis perigos
Outras cidades observaram sucesso similar, incluindo a capital empresarial do Brasil, São Paulo, que reduziu a taxa de homicídio em cerca de 70 por cento na última década.
Há ainda um trabalho considerável a fazer, e novos perigos potenciais pela frente. Diversas áreas ainda têm de ser pacificadas, incluindo a Rocinha, a maior favela do Rio, com cerca de 120 mil habitantes.
Os traficantes poderão intensificar sua campanha de intimidação das autoridades ao recorrer a carros-bomba e outros atos de terror, como aconteceu no México e na Colômbia. A repressão policial também poderá ter o efeito não desejado de produzir quadrilhas mais organizadas - -e, portanto, mais poderosas -- para atender os clientes, se a demanda por narcóticos nas favelas permanecer constante.
Um estudo publicado no fim de semana pelo economista Sérgio Ferreira Guimarães, de uma agência social do Estado, afirmou que o tráfico de drogas emprega mais de 16 mil pessoas no Rio -- a mesma quantidade que a Petrobras.
Apesar disso, em talvez outro sinal da maturidade cada vez maior brasileira, os políticos têm mostrado cautela em equilibrar a comemoração do sucesso com advertências de que épocas difíceis ainda estão por vir.
"Esse é apenas o primeiro passo", disse o presidente Lula em seu programa semanal de rádio nesta segunda-feira, pedindo aos brasileiros "muita calma, porque venceremos essa guerra".