O nome Átria da operação faz referência à estrela que se destaca na constelação Triângulo Austral, do hemisfério sul estelar (Carol Yepes/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 30 de março de 2023 às 17h47.
Última atualização em 30 de março de 2023 às 19h00.
No dia 27 de fevereiro deste ano, o pedreiro Daniel de Melo Correia, de 31 anos, espancou até a morte a mãe, uma idosa de 70 anos com quem morava, no setor Leste Universitário de Goiânia, capital de Goiás. Ele disse aos vizinhos que a mãe havia caído e batido a cabeça, mas a perícia constatou lesões decorrentes de espancamento. Com histórico de agressões anteriores, Correia teve a prisão decretada e cumprida nesta terça-feira, 28, tornando-se um dos quase 10 mil homens presos em todo o país na Operação Átria, a maior já realizada para combater a violência contra a mulher.
A operação, lançada dia 27 de fevereiro e realizada durante o mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, foi coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e mobilizou as forças policiais das Secretarias de Segurança Pública de todos os Estados e do Distrito Federal. As ações visavam à busca de suspeitos de feminicídio, ameaça, lesão corporal, estupro, importunação, perseguição (stalking), descumprimento de medidas protetivas, entre outros crimes.
No caso de Daniel, a investigação apurou que ele era dependente químico e, na véspera do assassinato, pressionava a mãe aposentada para que lhe desse R$ 200 para o pagamento de drogas. Desesperada, ela tentou pegar o dinheiro emprestado com vizinhos sem sucesso. A perícia mostrou que a idosa, com quem o suspeito morava sozinho, tinha várias lesões pelo corpo em razão de agressões anteriores. Denunciado por feminicídio, Correia não contratou advogado e, procurada, a Defensoria Pública do Estado não se manifestou.
Em 30 dias, foram apuradas 17,48 mil denúncias de violências como essa feitas por diversos canais ⏤ municipais, estaduais e federais ⏤ e lavradas 6.702 prisões em flagrante. Foram cumpridos ainda 2.639 mandados de prisão e atendidos 37.965 pedidos de medidas protetivas de urgência. As diligências policiais foram realizadas em 3.643 municípios. Em Presidente Dutra, no Maranhão, um homem foi preso em flagrante agredindo a esposa com um martelo.
No Amazonas, 98 homens foram presos em flagrante por violência doméstica ⏤ seis por feminicídio. Conforme a delegada Débora Mafra, da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher de Manaus, foram abertos 446 inquéritos na capital e no interior do Estado. "A operação se encerra, mas o trabalho das Delegacias da Mulher, em conjunto com a Ronda Maria da Penha, irá continuar para que mais mulheres saiam desse ciclo de violência", disse.
Em Maceió, a operação prendeu em flagrante por tentativa de feminicídio e lesões corporais um homem de 31 anos que esfaqueou a esposa, no bairro Feitosa, e o patrão dela, que tentou intervir. No Mato Grosso, além da prisão de 322 pessoas por crimes sexuais e violência doméstica, a operação resgatou 63 vítimas em situação de maus-tratos e cárcere privado. Uma delas, colombiana, foi encaminhada de volta ao seu país. Outras 33 vítimas pediram às equipes a retirada de seus pertences de casa e foram encaminhadas para acolhimento.
No Distrito Federal, entre os presos está um homem de 38 anos que estuprou duas vezes uma mulher que ele encontrou desmaiada sob a marquise de um comércio, em Ceilândia. O estuprador viu a vítima deitada no chão, abaixou suas roupas e a violentou.
Após sair do local, ele voltou à cena do crime e, vendo que a mulher continuava desacordada, a estuprou mais uma vez. O homem foi preso pela Polícia Militar. A vítima, de 56 anos, foi encaminhada ao Hospital Regional de Ceilândia. Aos policiais, ela disse que morava próxima do local e, após ingerir bebida alcoólica, saiu de casa e passou mal, só se dando conta do estupro no hospital.
Em Regente Feijó, no interior de São Paulo, um aposentado de 62 anos foi preso, acusado de ter matado a professora Eliana Pereira Neves, de 52, e ateado fogo ao carro dela com o corpo no porta-malas, na última terça-feira, 28. O suspeito foi visto no carro com a mulher. Ao ser abordado, ele tinha marcas de queimaduras no braço e acabou confessando que esteve com ela no dia do crime. Na residência dele, a polícia localizou uma medida protetiva expedida por um juiz da capital que o proibia de manter contato com a ex-esposa ⏤ ele havia se mudado para o interior há cerca de um mês.
O idoso foi indiciado por feminicídio e ocultação de cadáver. Ele passou por audiência de custódia na manhã desta quinta-feira 30, e permaneceu preso. Uma prima da vítima que pediu para não ser identificada disse que o crime chocou a família.
Segundo ela, Eliana trabalhava há mais de 30 anos na rede municipal de ensino da cidade e há 21 lecionava em uma escola infantil. "Ela conhecia esse homem desde pequena, mas ele foi embora para São Paulo e voltou há pouco tempo. Eles estavam se encontrando, se conhecendo. Não dá para entender como ele foi fazer essa maldade com ela", disse. A professora deixou duas filhas.
O Ministério da Justiça investiu mais de R$ 1 milhão no pagamento de diárias aos policiais que atuaram na operação em ações fora das cidades de origem, o que possibilitou ampliar o alcance das ações até cidades menores.
Conforme a pasta, outras operações de combate à violência contra a mulher serão deflagradas neste ano. "Os indicadores nos obrigam a ter, na política pública de segurança do país, uma centralidade no enfrentamento da violência contra a mulher e vamos investir cada vez mais nestas operações integradas", disse o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar.
Além da repressão aos crimes, a operação também realizou atividades educativas objetivando a prevenção de novos casos. Foram 4.165 ações, entre palestras e oficinas realizadas pelas polícias em escolas, faculdades, shoppings, feiras e empresas privadas. Em Biguaçu (SC), policiais militares foram ao comércio para orientar as mulheres sobre medidas preventivas, como a letra X na mão indicando risco de violência.
Em Sorocaba, foram atendidas 830 mulheres em situação de violência e ações de conscientização foram levadas às escolas. A delegada Alessandra Reis dos Santos Silveira, da Delegacia da Mulher de Sorocaba, disse que essas ações conjuntas são importantes. "Na medida em que a população tem ciência de que está presenciando um fato de agressão, ela denuncia e pede ajuda para aquela mulher. Assim se forma uma rede de proteção", disse.
As denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas pelo número 180, que atende em todo o território nacional 24 horas por dia. Também é possível fazer denúncias pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
No site está disponível o atendimento por chat com libras. Em casos urgentes de violência contra a mulher, os números 197 da Polícia Civil e 190 da Polícia Militar também atendem 24 horas por dia.
O nome Átria da operação faz referência à estrela que se destaca na constelação Triângulo Austral, do hemisfério sul estelar, em alusão a retirar a mulher da condição de vítima e colocá-la em evidência.