O STF decidiu que crimes como lavagem de dinheiro devem ser julgados pela justiça eleitoral se estiverem associados ao financiamento ilegal de campanha, o popula Caixa 2. (Adriano Machado/Reuters)
AFP
Publicado em 16 de março de 2019 às 12h32.
Última atualização em 16 de março de 2019 às 12h35.
A Lava Jato, a maior operação anticorrupção da história do Brasil, sofreu nos últimos dias reveses que poderão contar suas asas quando parecia ter conquistado sólidas posições de poder, exatamente cinco anos depois de seu início.
O maior obstáculo se apresentou na quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que crimes como lavagem de dinheiro devem ser julgados pela justiça eleitoral se estiverem associados ao financiamento ilegal de campanha, o popula Caixa 2.
"Hoje começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, no inicio da Lava-Jato", lamentou Deltan Dallagnol, o principal procurador da operação, cujas denúncias detonaram o sistema político brasileiro.
"Como no Brasil todo político corrupto pede propina a pretexto de uso em campanhas políticas (...) praticamente todas as investigações da Lava Jato sairão da Justiça Federal e irão para Justiça Eleitoral, que historicamente, não condena ou manda ninguém para prisão", alerta seu colega Diogo Castor no site O Antagonista.
Para o advogado constitucionalista Daniel Vargas, em compensação, "o que está acabando é a janela dos abusos no combate à corrupção, e não o combate a corrupção em si".
Vargas se referia a métodos utilizados pela operação, como as prisões preventivas, as delações premiadas ou a execução de penas de prisão antes do esgotamento de todos os recursos judiciais.
Um dos ministros do STF, Gilmar Mendes, acusa aos procuradores de recorrer a um "modelo ditatorial". "É preciso combater a corrupção dentro do estado de direito, e não cometendo crime, ameaçando", declarou. "O que se trava aqui a rico, aparte de uma disputa de competência, é uma disputa de poder", acrescentou.
Foi em 17 de março de 2014 que teve início uma investigação sobre lavagem de dinheiro que era realizada em um lava-jato de Brasília, e daí surgiu o nome Lava Jato da operação.
A investigação revelou uma rede de propinas pagas pelas megaempreiteiras a políticos de quase todos os partidos para obter contratos na Petrobras. O escândalo se estendeu para inúmeros países.
A operação resultou em 155 condenações que totalizam 2.242 anos e 5 dias de prisão em termos de sentenças. Entre os presos, há empresários que antes eram intocáveis e políticos de primeiro plano. O principal deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre 12 anos de prisão na sede da Polícia Federal de Curitiba.
Nesse cenário de terra arrasada, Jair Bolsonaro foi eleito presidente e designou como ministro da Justiça Sérgio Moro, o juiz símbolo e responsável pela maioria das condenações da Lava Jato.
Moro justificou sua entrada no governo como "uma oportunidade para impulsionar a luta contra a corrupção no Brasil a partir de outra esfera de poder". E assegurou que não via "um risco de autoritarismo ou risco à democracia" em Bolsonaro, um nostálgico da ditadura brasileira.
Mas sua decisão gerou perplexidade e críticas. Para Daniel Vargas, isso "retirou a máscara de independência e imparcialidade que durante muito tempo pareceu existir nas ações de Moro".
Os procuradores também foram criticados por assinar um acordo com a Petrobras para administrar um fundo de 1,25 bilhão de reais com parte das multas pagas pela petroleira nos Estados Unidos e revertidas ao Brasil.
Uma iniciativa que muitos viram como uma extrapolação de funções e a prova de que a chamada "República de Curitiba" alimenta projetos ambiciosos.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, suspendeu este acordo na sexta-feira, ordenou o bloqueio do dinheiro. O presidente do STF, Dias Toffoli, por sua vez, pediu para que se os procuradores sejam investigados por supostas calúnias contra os membros do máximo tribunal.
Agora as atenções se voltam para a sessão do STF de 10 de abril, que discutirá se um réu condenado deve começar a cumprir sua pena depois de sentenciado em segunda instância ou se tem o direito de esgotar todos os recursos em liberdade.
Neste último caso, a Lava Jato se veria privada de uma das ferramentas que explicam sua popularidade, já que anteriormente era incomum ver atrás das grades personagens com meios econômicos para tornar eternos seus processos.
Para Daniel Vargas, se trata de "um problema complexo", que não pode ser resolvido com "remendos ou jeitinhos". "A Constituição estabelece um critério, se não gostamos, temos que mudar a Constituição", afirma. A vitória da presunção de inocência poderá libertar inúmeros presos que não sejam alvo de prisão preventiva. Entre eles, Lula.