Assembleia durante ocupação no Paraná (Ocupa Paraná/Divulgação)
Bárbara Ferreira Santos
Publicado em 5 de novembro de 2016 às 06h00.
Última atualização em 5 de novembro de 2016 às 06h00.
São Paulo — O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa a ser aplicado neste sábado (5) para mais de 8 milhões de estudantes sob a maior crise da pasta da educação desde o início do governo de Michel Temer (PMDB).
Com as ocupações de escolas e faculdades em todo o país, mais de 240 mil alunos só poderão fazer a prova no próximo mês, nos dias 3 e 4 de dezembro. Os estudantes das escolas ocupadas protestam contra a medida provisória que prevê a reforma do ensino médio e contra os efeitos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto para a educação.
A EXAME.com, interlocutores de Temer reconhecem que "o governo não calculou bem a dimensão das ocupações e os possíveis efeitos que isso poderia ter sobre a aplicação das provas do Enem. Por isso, houve esse atraso [para reagir às ocupações]".
Segundo auxiliares do governo do PMDB, o adiamento das provas não era esperado e essa possibilidade gerou preocupação de que o MEC virasse alvo de múltiplas críticas. "Já estávamos sensibilizados pelo mau recebimento da reforma do ensino médio. Uma série de críticas começaram a pipocar sobre o cancelamento parcial do Enem. Conseguimos neutralizar efeitos piores ao apresentar impedimentos para a suspensão total da avaliação”, disse uma fonte da base do governo.
Para analistas políticos ouvidos por EXAME.com, embora a MP já fosse esperada por especialistas e técnicos da área da educação, faltou um debate maior com a população para evitar o desgaste. “Ela não foi propriamente uma medida inédita e desconhecida. No entanto, teria sido melhor para a imagem do governo se ele a tivesse proposto por projeto de lei, cujo trâmite é mais lento do que de uma MP, mas permite um debate mais profundo”, afirma o coordenador de análise política da Prospectiva Consultoria, Thiago Vidal.
Para Ricardo Ribeiro, consultor da MCM Consultores Associados, um plano de diálogo para lidar com as manifestações ajudaria a frear o aumento dos protestos. No entanto, ele afirma que a prevenção de novas ocupações cabe aos governos estaduais, responsáveis pela segurança das escolas.
“Não me parece que exista um plano ou estratégia do governo federal para lidar com esse problema, o que eu acho que precisaria acontecer. Isso não vai se resolver rapidamente, terá que haver um equilíbrio entre diálogo e controle para evitar novas invasões”, afirma Ribeiro.
Apesar de as ocupações terem se espalhado pelo país, chegando até mesmo a adiar o maior exame vestibular do país, analistas consideram que a crise iniciada com a proposta de reforma do ensino médio não chegou a abalar a reputação do MEC.
“Não foi suficiente para manchar a imagem. É sempre delicado quando se pretende mexer em alguma coisa polêmica. O tema é realmente complexo e acaba gerando esse tipo de manifestação”, afirma o consultor Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko.
Para Ricardo Ribeiro, a repercussão não foi tão grande porque há ainda uma parcela da sociedade dividida sobre o tema. “A imagem do governo já é ruim. É difícil cair mais do que atualmente as pesquisas mostram. No entanto, embora eu não tenha visto pesquisa a respeito das ocupações, há uma divisão da população em relação à questão”, diz Ribeiro.
Reação atrasada
Auxiliares peemedebistas negam, porém, que a estratégia do governo tenha sido atribuir o adiamento parcial do ENEM às ocupações. "A ocupação das escolas determinou o adiamento. Não foi um fato criado por nós", disseram fontes do governo.
O consultor Cristiano Noronha diz que, mesmo que o adiamento não tenha sido causado deliberadamente pelo MEC, isso acabou beneficiando o governo. “A princípio, o comportamento da sociedade historicamente é de apoiar manifestações que pedem a melhoria da educação. Mas sempre que um protesto se prolonga e causa prejuízos, isso, de certa forma, acaba causando revés para os movimentos", afirma.
Para aliados de Temer, as ocupações só tomaram tal proporção porque são ligadas a movimentos partidários. Fonte próxima ao governo garantiu que a iniciativa no Paraná - que é o estado que possui o maior número de escolas ocupadas – reflete uma resistência do sindicalismo do estado em relação ao governador Beto Richa (PSDB-PR). “Querem derrubá-lo na base da manipulação dos movimentos sociais”, disse.
Já o analista Ricardo Ribeiro discorda que os estudantes possam ter sido usados como “massa de manobra” por partidos. “Há energia e movimento que parte dos próprios alunos, há um movimento autônomo que está preocupado com a reforma do ensino médio e os cortes de gastos na educação”, diz Ribeiro. “Mas há também convergências de interesses e pautas entre esses movimentos estudantis e partidos de esquerda.”
Na sexta-feira (04), o MEC divulgou a lista das 364 escolas que terão o Enem atrasado. Se novas ocupações ocorrerem neste sábado ou domingo, os coordenadores dos locais podem encerrar a aplicação dos testes, o que aumentaria a quantidade de alunos que só farão o exame dias 3 e 4 de dezembro. Segundo o governo, caso aconteçam, as novas mudanças serão comunicadas aos estudantes envolvidos.