Brasil

Olimpíadas trazem esperança a jovens de favela do Rio

Na academia, uma dúzia de meninas e meninos entre seis e 12 anos dão murros em sacos de pancada e pulam sob argolas


	Menino aprende boxe em ONG na favela da Maré: ensinar um esporte violento pode, inicialmente, parecer uma forma estranha de formar cidadãos-modelo
 (Christophe Simon / AFP)

Menino aprende boxe em ONG na favela da Maré: ensinar um esporte violento pode, inicialmente, parecer uma forma estranha de formar cidadãos-modelo (Christophe Simon / AFP)

DR

Da Redação

Publicado em 3 de fevereiro de 2016 às 17h03.

Para as crianças de uma das comunidades mais conflituosas do Rio, o sonho de infância da glória olímpica vem com uma motivação a mais: ter a chance de permanecerem vivos.

O boxeador brasileiro Roberto Custódio cresceu imerso na violência e sofreu com o assassinato de seu pai, no Complexo da Maré.

Se não tivesse se tornado um grande atleta, este também poderia ter sido seu destino.

"Eu via aqui outros meninos do tráfico que eram bem conhecidos, eu vi que o esporte também estava sendo bem reconhecido dentro da minha comunidade e eu queria ser reconhecido como lutador e não como um marginal e o projeto me trouxe aqui na seleção brasileira, onde eu estou prestes a disputar uma vaga olímpica dentro da minha cidade", comemora o atleta.

Custódio, de 29 anos, teve seu primeiro contato com o boxe na Luta pela Paz, uma academia fundada por Briton Luke Dowdney na Maré para oferecer aos jovens carentes lições de boxe, de outras artes marciais e de vida.

A limpeza da academia, suas paredes azuis e o pátio arrumado se destacam em meio ao emaranhado de prédios simples e casas inacabadas que constituem o cenário da comunidade, lar de aproximadamente 100 mil pessoas, embora o número não seja oficial.

Ali perto está o aeroporto internacional e o estádio do Maracanã, onde políticos, personalidades e turistas assistirão à abertura dos Jogos Olímpicos, no dia 5 de agosto. A Maré é uma realidade à parte, mais parecida com filmes de ficção científica como "Mad Max" do que com os vistosos novos projetos das autoridades do Rio.

Numa visita recente, um carro da Luta pela Paz transportando jornalistas da AFP teve que passar por uma barreira de traficantes de drogas em um beco da comunidade.

Homens sentados ao redor de uma mesa na calçada carregam pistolas no que parecia ser um ponto de vendas de drogas.

Mais à frente, um homem de chinelo segurava um rifle preto. Vários outros vagavam em motocicletas transportando walkie-talkies e pistolas em seus cintos.

"Não olhem para eles", alertou o motorista da Luta pela Paz, "e, sob nenhuma circunstância, tirem fotos".

Herói Local

Na academia, uma dúzia de meninas e meninos entre seis e 12 anos dão murros em sacos de pancada e pulam sob argolas. Logo em seguida, tem início uma aula para adolescentes, alguns deles já em níveis avançados.

"O esporte fez muito por mim. Eu não estaria aqui hoje se não fosse por ele. Eu poderia estar correndo na rua com uma arma na mão", disse Daniel Soares, um boxeador de 16 anos.

"A maioria dos meus amigos diz: 'Eu escolhi outra vida, eu escolhi o crime'. Mas eu escolhi diferente: Eu escolhi lutar, competir, fazer esporte", contou.

"As Olimpíadas vão mudar a vida de muitas pessoas, porque muitas pessoas vão procurar o esporte depois das Olimpíadas. Porque o esporte salva muitas pessoas".

Custódio treina em São Paulo, mas volta para a Maré com frequência, onde é um herói local.

"Ele é nosso ídolo. Ele nos inspira com sua humildade e com quem ele é. Ele faz com que os jovens daqui se sintam alguém porque ele vem, ele treina e conversa com eles", disse Raíssa Lima, de 20 anos, uma das boxeadoras.

O treinador Antônio Cruz de Jesus, conhecido por Gibi, disse que os quase 10 bilhões de dólares gastos nas Olimpíadas deste ano não parecem ter passado pela Maré. Graças a Custódio, contudo, "os jovens estão ansiosos" pela chegada do evento.

Regras ao invés de caos

Ensinar um esporte violento pode, inicialmente, parecer uma forma estranha de formar cidadãos-modelo.

Mas Gibi explicou que, em uma comunidade onde a polícia é temida até mais do que os narcotraficantes, as principais lições do boxe vão muito além de bater no oponente.

"Trata-se de disciplina, regras. Tudo na sua vida muda. É o que eu passo adiante para os alunos", disse o boxeador já aposentado.

Bruno Brito, de 19 anos, que já participou de 42 lutas amadoras, disse que a academia só permite a participação das crianças que mantêm em dia seus deveres de casa.

"Isso te mantém fora das ruas", afirmou. "Muitas crianças acabam no narcotráfico quando não estudam."

Ao menos os pequenos boxeadores da Maré poderão esperar por um tempo livre para assistir à luta de Custódio na televisão em agosto. E ele estará pensando neles quando pisar no ringue olímpico.

"Não foi fácil eu chegar até aqui, então acho que a nossa vida nunca vai ser fácil, a gente que vem da comunidade tem diversos preconceitos, a gente tem que lutar sempre e jamais desistir".

"Eu não represento só o Brasil, eu represento a minha comunidade, acho que o peso maior para mim é este, representar a juventude do projeto e o fundamental é poder mostrar para eles que eu, Roberto, saí do mesmo lugar que eles, eu vim da comunidade e muitos me conhecem, então da mesma forma que eu consegui chegar aqui na seleção e estar perto de disputar as Olimpíadas, eu acho que eles têm todo o direito, têm todo o poder de buscar e botar na cabeça: Por que o Roberto pode? Porque ele está lá e eu não posso?".

Acompanhe tudo sobre:cidades-brasileirasCriançasFavelasMetrópoles globaisRio de Janeiro

Mais de Brasil

'Fuck you': Janja diz não ter medo de Elon Musk e xinga dono do X durante painel do G20

Qual o valor da multa por dirigir embriagado?

PF convoca Mauro Cid a prestar novo depoimento na terça-feira

Justiça argentina ordena prisão de 61 brasileiros investigados por atos de 8 de janeiro