Assembleia Constituinte de 1988: texto elaborado na época determina as estruturas e instituições democráticas do país (Arquivo/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 1 de outubro de 2018 às 19h26.
São Paulo — A quatro dias de completar seu aniversário de trinta anos, a Constituição Brasileira de 1988 ganhou a atenção dos candidatos à Presidência que lideram as pesquisas eleitorais.
No debate deste domingo (30), na TV Record, a proposta de Fernando Haddad (PT) de convocar um novo processo constituinte foi alvo de críticas, principalmente por parte de Ciro Gomes (PDT).
Ainda em setembro, o general Hamilton Mourão, vice de Jair Bolsonaro (PSL), disse durante uma palestra em Curitiba que chamaria uma "comissão de notáveis", que não precisam ser eleitos, para elaborar um novo texto para a Constituinte. “Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo. Já tivemos vários tipos de Constituição que vigoraram sem ter passado pelo Congresso eleitos”, afirmou. A ideia não está oficializada no plano de governo, mas gerou controvérsia.
No debate deste domingo, Ciro chegou a comparar a proposta de Haddad com a de Mourão. O petista negou semelhança e disse que para ele, "a liberdade e a democracia vêm sempre em primeiro lugar”.
Segundo o texto do plano de governo do PT com o PCdoB e o Pros, a convocação de uma constituinte teria como finalidade de "restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao país".
Além disso, o documento afirma que para assegurar as conquistas democráticas inscritas na Constituição de 1988 seriam criadas "condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, livre, democrática, soberana e unicameral".
A Constituição de 1988, que sofre críticas por sua ineficácia em alguns aspectos, marca a conclusão do processo de redemocratização do Brasil, após o fim do regime militar, e é, até hoje, o principal documento que determina as estruturas e instituições democráticas do país.
O advogado Saul Tourinho Leal, especialista em direito constitucional da Ayres Britto Advocacia, explica que convocar uma nova Constituinte, seja ela popular, seja ela de notáveis, não garante que o objetivo seja alcançado.
"Você sabe como ela começa, mas ninguém sabe como termina. Quem estiver encarregado do novo texto, pode fazer o que quiser", afirma. Ele acredita que em um contexto de polarização de ideologias, não é recomendado sequer propor uma emenda constitucional.
"No fim, ela pode vir com um sentimento de revanche, de acerto de contas, autoritária e conservadora. Mesmo que a ideia da convocação não tenha sido essa", completa.
Haddad disse no debate deste domingo que a ideia de propor uma nova Constituição parte da necessidade de "modernizar o texto, deixá-lo mais enxuto e refazer o sistema tributário que penaliza gravemente os mais pobres, além de reafirmar os direitos de 88".
De acordo com Sergio Praça, professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV, não existem indícios de que os direitos constitucionais estão sob perigo. "Se Haddad souber de algum direito em perigo, por favor nos informe", diz.
Para solucionar lacunas que o texto de trinta anos atrás não supre, como ampliar as definições de discriminação para abarcar orientação sexual e identidade de gênero, existem as chamadas emendas. Atualmente, são mais de cem emendas aprovadas, que incorporam e modernizam o texto.
Saul completa ainda que a constituinte não autoriza ninguém, nem o presidente do país, a mudá-la. "A Constituição de 1988 não dispôs sobre a sua própria morte. Ela está viva, então não há nenhum comando constitucional que dê a possibilidade de sepultá-la", conclui.
Com a repercussão negativa da proposta do plano de governo, Haddad afirmou nesta segunda-feira (01) que o Congresso eleito decidirá a melhor forma de fazer reformas constitucionais propostas, e uma Constituinte virá "se o Congresso assim entender".