Reforma Eleitoral: especialistas criticam mudanças de regras que inviabilizam a transparência (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 17 de setembro de 2023 às 10h00.
Após idas e vindas na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou os projetos da minirreforma eleitoral, que alteram regras de prestação de contas, cota de sobras, candidaturas femininas, federações partidárias e propaganda eleitoral. O projeto foi encaminhado ao Senado.
O objetivo dos parlamentares é que as mudanças das regras já possam valer nas eleições municipais de 2024. Para isso acontecer no próximo pleito, as propostas precisam ser aprovadas no Senado e serem sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o dia 6 de outubro deste ano.
O relator do PL, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), afirmou que a medida visa aprimorar o sistema atual ao simplificar e ajustar pontos hoje questionados na Justiça. "É indispensável que nós racionalizemos o processo de prestação de contas. E estamos simplificando as regras da propaganda eleitoral para prestigiar o próprio candidato", disse.
Além do projeto, a Câmara também discute a chamada "PEC da Anistia", que impede sanções de qualquer natureza, como devolução de valores, multa ou suspensão dos recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, a partidos políticos que não cumpriram as cotas mínimas de destinação de recursos em razão de sexo ou raça nas eleições de 2022. Esse projeto está em tramitação em comissão especial.
Apesar da fala de Pereira Júnior, especialistas e entidades de defesa da transparência eleitoral criticam alguns pontos da proposta.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que representa 16 mil associados membros dos Ministérios Públicos dos estados, Distrito Federal e Territórios e Militar, apontou que a minirreforma traz “graves retrocessos” na legislação eleitoral.
Entre os pontos considerados críticos pela Conamp, estão:
Na mesma linha da associação, o advogado eleitoral Ricardo Penteado, sócio da Malheiros Penteado Toledo e Almeida Prado Advogados, aponta que algumas das mudanças estimulam a falta de transparência sobre as contas dos partidos. Ele cita o ponto da impenhorabilidade dos recursos oriundos do fundo partidário — ou seja, impossibilidade de bloqueio dos valores do fundo pública por causa de dívidas — como um retrocesso na legislação eleitoral.
"O fundo partidário pode e deve ser gasto com despesas de campanhas eleitorais, mas se o partido quiser contratar uma dívida com esses serviços e não pagar, não pode ter o seu fundo atingido pelo crédito do seu credor. É um grande absurdo e uma forma de o partido político se financiar com o calote que dá aos seus credores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas", disse.
Ao mesmo tempo, Penteado considera positiva uma revisão das regras eleitorais, sobretudo para dar clareza e objetividade à lei. "Há muito tempo que a legislação precisa de uma reforma que não ocorra num momento de traumas, como foram algumas reformas anteriores que coincidiram com o mensalão, Lava-Jato e outras situações em que as emoções e oportunismos políticos estavam à flor da pele", afirma.
A nova regra define que os membros do Legislativo e Executivo ficam impedidos de disputar pleitos oito anos após a decisão e não mais o tempo do mandato remanescente e mais oito anos. Com isso, Marcelo Issa, da Transparência Partidária, afirma que a alteração beneficia quem já está inelegível. Na prática, se um senador perder o mandato no primeiro ano — de um mandato de oito anos — ele fica, pela regra atual, inelegível por 15 anos. Com a nova regra, seriam apenas oito anos.
Issa avalia que, entre os pontos positivos, está o tratamento da violência política de gênero na legislação. O projeto amplia o rol de vítimas da violência política contra a mulher pré-candidata e qualquer mulher que seja agredida em razão de atividade política, partidária ou eleitoral. Para ele, um dos efeitos para as eleições municipais será a intensificação do fenômeno de candidaturas a vice femininas.
Um ponto que gerou discordância entre os deputados foi a alteração do cálculo para vagas que não são preenchidas a partir da relação entre os votos dos partidos e o número de cadeiras (quociente eleitoral e quociente partidário).
A proposta aprovada determina que apenas os partidos que atingiram o quociente eleitoral poderão participar das sobras, regra que privilegia os mais votados e que já elegeram deputados na primeira rodada. Hoje, quem tem 80% do quociente pode participar das sobras.
A deputada Gleisi Hoffman (PT-PR), presidente do PT, afirmou, em plenário, que a nova regra vai reduzir o número de vereadores eleitos pelo seu partido. O relator Rubens Pereira Júnior ressaltou, porém, que a regra de 80% está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal. O objetivo da mudança, segundo ele, é reduzir o número de partidos políticos e fortalecer as federações.