Usuário de drogas poderá ser submetido à internação compulsória (Christopher Furlong/Getty Images/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 8 de maio de 2019 às 16h59.
Última atualização em 8 de maio de 2019 às 17h43.
As Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS) aprovaram em conjunto, nesta quarta-feira (8), o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 37/2013, que promove mudanças na política sobre drogas.
A proposta altera o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que coordena medidas relacionadas à prevenção do uso de psicoativos, à atenção de usuários e à repressão ao tráfico.
O texto regula temas controversos como internação compulsória de dependentes, comunidades terapêuticas e a caracterização do porte de droga em menor quantidade.
Entre outros pontos, o texto possibilita a internação involuntária de usuários de droga e aumenta a pena mínima para o traficante que comandar organização criminosa, de 5 para 8 anos de reclusão, com máximo de 15 anos. O texto segue para a Comissão de Direitos Humanos e Partcipação Legislativa (CDH).
Ao longo dos seis anos de tramitação no Senado, o PLC 37/2013 chegou a ser aprovado, com alterações, pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), mas o relator na CAE e na CAS, senador Styvenson Valentim (Pode-RN), decidiu resgatar o texto aprovado pelos deputados federais. Ele defendeu a proposta da forma como veio da Câmara dos Deputados, para evitar que emendas e o substitutivo já aprovado na CCJ levem o projeto a retornar à análise dos deputados.
— Mesmo reconhecendo que algumas alterações propostas pelas comissões do Senado são meritórias, o ganho para a sociedade que elas proporcionariam é comparativamente pequeno, frente ao tempo adicional que teríamos de aguardar para que a Câmara deliberasse sobre essas inovações — defendeu o relator.
Mas a votação da proposta enfrentou resistência. Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE) apresentaram voto em separado para incorporar mudanças sugeridas durante a análise do projeto na CCJ e na CE.
Eles defenderam, entre outros pontos, a definição de parâmetro mínimo de porte de droga para diferenciar usuário de traficante e a facilitação do processo de importação e comercialização de derivados e produtos à base de cannabis — princípio ativo da maconha — para uso terapêutico.
Também criticaram a não inclusão à atenção psicossocial, ao lado do tratamento ambulatorial, como forma prioritária de tratamento dos dependentes de drogas. Segundo Humberto Costa, a proposta traz de volta a abstinência como objetivo do tratamento da dependência, quando as políticas mais modernas voltadas ao tratamento de saúde de usuários estão focadas na redução de danos.
— Não estamos discutindo liberar o consumo de drogas não, nem descriminalizar. O que é que há de novo nesse projeto? Comunidade terapêutica já existe, já recebe recursos. Elas precisam de regulamentação, de regras para não transformar a comunidade terapêutica em uma manicômio. Rede assistencial de saúde que não é sequer citada no projeto... É como se houvesse apenas uma abordagem para enfrentamento da questão: a abstinência — criticou.
Criminalização do porte
Apresentado pelo ex-deputado e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, que esteve presente à votação, o PLC 37/2013 agrava as penas do acusado que atue no comando individual ou coletivo de organização criminosa. A pena mínima, nesse caso, passa de 5 para 8 anos de reclusão. A pena máxima permanece em 15 anos.
O texto define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas com estrutura ordenada para a prática de crimes cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos.
Para tentar evitar a aplicação de pena de tráfico a usuários, a proposta cria um atenuante na lei. O projeto prevê a redução da pena quando o acusado não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou se as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta. Nesse caso, a pena deverá ser reduzida de um sexto a dois terços.
A norma, contudo, continua sem estabelecer critérios objetivos. Segundo o relator, caberá ao juiz avaliar caso ao caso.
Styvenson exaltou essa medida, que, segundo ele, “permite a punição mais branda de traficantes de pequeno porte e daqueles que simplesmente transportam drogas”. O efeito provável dessa intervenção, conforme pontuou o relator, será a diminuição da população carcerária, já que cerca de 25% dos homens, e mais de 60% das mulheres, encontram-se presos por tráfico de drogas.
Mas, para o senador Rogério Carvalho, sem um critério objetivo, abre-se caminho para a manutenção do encarceramento em massa sob o pretexto de tráfico de drogas. Ele alega que pode haver discrepâncias entre o que cada juiz ou policial considera tráfico.
— Poderíamos dizer, legislar, tratar da questão central sobre o que é usuário e o que é traficante. Estamos nos negando e deixando para que, na ponta, o policial, o juiz de primeira instância, o promotor, defina diante das circunstâncias se é ou não é traficante — apontou.
Juíza Selma (PSL-MT) e Fabiano Contarato (Rede-ES) argumentaram que a situação é subjetiva e exige das autoridades policias e do Judiciário uma interpretação dos fatos.
— Não há como engessar uma circunstância. Devemos de fato julgar casa a caso. Definir objetivamente nunca vai funcionar. O traficante sempre vai dar um jeito de aliciar ppequenos traficantes paras satisfazer o seu comércio — avaliou a senadora.
Para Styvenson, definir uma quantidade aceitável para o usuário seria, na prática, legalizar as drogas
— Esse projeto não se trata do quantitativo, mas do acolhimento, do cuidado, de onde serão cuidados e como serão reinseridos. Eu entendo que colocar um quantitativo seria uma permissão hoje para o uso de drogas no nossos país.
O texto possibilita a alienação de veículos, embarcações, aeronaves, máquinas, ferramentas, instrumentos e objetos de qualquer natureza usados no tráfico de drogas antes mesmo de promovida a denúncia.
Internação compulsória
O projeto modifica a Lei de Drogas (Lei 11.343, de 2006) e outras 12 leis. O texto determina que o tratamento do usuário ou dependente de drogas ocorra prioritariamente em ambulatórios, admitindo-se a internação quando autorizada por médico em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares.
A internação poderá ser voluntária (com consentimento do dependente de drogas) ou não. A involuntária, também chamada de compulsória, dependerá de pedido de familiar ou responsável legal ou, na falta destes, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad e será formalizada por decisão médica.
Essa internação involuntária dependerá de avaliação sobre o tipo de droga, o seu padrão de uso e a comprovação da impossibilidade de uso de outras alternativas terapêuticas. O dependente químico poderá ficar internado involuntariamente por até 90 dias para desintoxicação. O familiar ou representante legal pode pedir ao médico a interrupção do tratamento a qualquer momento.
Todas as internações e altas deverão ser informadas ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização do Sisnad em 72 horas. O sigilo dos dados será garantido.
Ao criticar a atual redação da proposta, Humberto Costa afirmou que, diferentemente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/ 2001), o texto que veio da Câmara não atribui à família ou ao responsável legal o poder de determinar o fim da internação involuntária.
Comunidades de acolhimento
Outra forma de atendimento ao usuário ou dependente prevista no projeto é o acolhimento em comunidades terapêuticas, que passam a ser incorporadas ao Sisnad. São definidas no projeto como pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que realizam o acolhimento do usuário ou dependente de drogas. As comunidades terapêuticas acolhedoras devem oferecer ambiente residencial propício à promoção do desenvolvimento pessoal e não poderão isolar fisicamente a pessoa.
A adesão e permanência são voluntárias. Usuários que possuam comprometimentos de saúde ou psicológicos de natureza grave não poderão ficar nessas comunidades. O ingresso nelas dependerá sempre de avaliação médica, a ser realizada com prioridade na rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, existem mais de 1,8 mil comunidades terapêuticas espalhadas pelo país. Esses estabelecimentos filantrópicos fazem o acolhimento do usuário ou dependente químico, mas não se caracterizam como unidades de saúde, conforme destacou Styvenson.
No substitutivo apresentado, Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-PE) impunham uma série de exigências a essas comunidades, como a existência de equipe multiprofissional e respeito à liberdade de crença e o exercício de manifestações religiosas. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que apoiou o relatório de Styvenson, disse conhecer a realidade dessas comunidades, que classificou como "muito sérios".
— O que aprovamos aqui é reconhecer a importância dessas comunidades e dar a elas condição financeira para sua manutenção. As comunidades terapêuticas vivem hoje de doação. Esse discurso de que é para desviar recursos públicos é de quem não tem conhecimento do trabalho sério dessas comunidades — disse Eliziane.
Reinserção social e ações fiscais
Um conjunto de ações fiscais e sociais também foi pensando para dar suporte a essa revisão da política nacional de drogas. O projeto permite a dedução do Imposto de Renda da pessoa física ou jurídica, de até 30% de quantias doadas a projetos de atenção ao usuário de drogas previamente aprovados pelo Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas. Esses recursos, podem, por exemplo, ajudar a financiar ações e atividades das comunidades terapêuticas acolhedoras.
Outra forma de incentivo fiscal é a doação aos fundos federal, estaduais e municipais, cujo valor poderá ser deduzido do imposto de renda devido no limite de 1% (empresas tributadas pelo lucro real) e 6% (pessoa física). Essas doações poderão ser em bens ou em espécie.
Na esfera social, foram previstas ações como reserva de 3% das vagas em licitações de obras públicas com mais de 30 postos de trabalho para pessoas atendidas por políticas sobre drogas, e oferta de vagas aos usuários do Sisnad nos cursos de formação profissional oferecidos pelo Sistema S.
Maconha
Entre os pontos aprovados em outras comissões, mas que foram descartados pelo relator, está a possibilidade de importação de derivados e produtos à base de cannabis para uso terapêutico e a criação de um limite mínimo de porte de drogas para diferenciar usuário comum de traficante.
“Propõe-se também incluir no PLC, dispositivos garantindo o direito de importar medicamentos à base de canabidiol (CBD), mas trata-se de iniciativa que não guarda relação direta com o objeto do projeto. Ademais, é assunto que já está sendo devidamente resolvido por regulamentação infralegal emanada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)”, argumenta Styvenson no relatório.
Semana Nacional de Drogas
Também foi instituída a Semana Nacional de Políticas Sobre Drogas, voltada para as atividades de prevenção, de atenção à saúde e a divulgação de ações que visem estimular o diálogo e a inserção social de pessoas que fazem uso de drogas. A ideia é que eventos com esse objetivo aconteçam anualmente na quarta semana do mês de junho.
Informação e avaliação
O projeto estabelece que caberá à União criar e manter um sistema de informação, avaliação e gestão das políticas sobre drogas. O governo federal terá também de elaborar metas, prioridades e indicadores e adotar medidas para fortalecer a política nas fronteiras.
Já os estados, terão de estabelecer e manter programas de acolhimento, tratamento e reinserção social e econômica. A elaboração de programas de prevenção caberá aos municípios.
Estados, Distrito Federal e municípios deverão elaborar seus respectivos planos de políticas sobre drogas.
Na sequência, o PLC 37/2013 será votado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e pelo Plenário do Senado. Se o texto aprovado pela Câmara também for mantido nessas duas instâncias de votação, será enviado, em seguida, à sanção presidencial.