Brasil

O que esperar do depoimento de Mandetta na CPI da Covid

Veja, em cinco pontos, os assuntos que devem ser levantados na oitiva do ex-ministro da Saúde, primeiro a ser ouvido pela comissão

Luiz Henrique Mandetta. (Getty/Getty Images)

Luiz Henrique Mandetta. (Getty/Getty Images)

AA

Alessandra Azevedo

Publicado em 4 de maio de 2021 às 06h00.

Última atualização em 4 de maio de 2021 às 10h39.

Esta reportagem faz parte da newsletter EXAME Desperta. Assine gratuitamente e receba todas as manhãs um resumo dos assuntos que serão notícia.

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta será a primeira pessoa a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga ações e omissões do governo durante a pandemia de covid-19. A oitiva, uma das mais esperadas pelo colegiado, será às 10h desta terça-feira, 4. No período da tarde, também será ouvido o ex-ministro Nelson Teich, que sucedeu Mandetta e ficou no cargo apenas 29 dias.

À frente da pasta entre 1º de janeiro de 2019 e 16 de abril de 2020, Mandetta encarou a chegada do novo coronavírus ao Brasil e esteve a par das primeiras políticas adotadas pelo governo para conter a propagação do vírus. O ex-ministro foi demitido em meio a divergências com o presidente em relação a medidas de isolamento social e tratamento precoce. 

Veja os assuntos que podem vir à tona durante o depoimento de Mandetta:

 

1. Questões políticas e divergências com o presidente Jair Bolsonaro 

Médico de formação e ex-deputado federal pelo DEM, Mandetta saiu do governo em um clima pouco pacífico, quando o país tinha acabado de completar 1.924 mortes pela covid-19, e acabou se tornando um dos rivais políticos do presidente Jair Bolsonaro. É apontado, inclusive, como possível adversário em uma corrida presidencial em 2022. 

Nesse cenário, os senadores acreditam que Mandetta deve adotar um tom político e tentar evidenciar, no depoimento, as diferenças entre Bolsonaro e ele. A expectativa é de que o ex-ministro coloque na conta do governo federal eventuais erros na contenção inicial da pandemia. Por exemplo, em relação à dificuldade de testagem da população.

É possível que Mandetta se apresente como a voz “sensata” dentro de um governo que indicava uso de medicamentos sem eficácia comprovada e se posicionava contra medidas de isolamento -- duas atitudes que ele, particularmente, não tomou. O próprio contexto da demissão pode ser usado como prova de que ele discordava das políticas de Bolsonaro.

Os senadores governistas, entretanto, não pretendem deixar que a CPI se torne um “palanque político” para Mandetta. As perguntas devem ser bem direcionadas, relacionadas especificamente a políticas adotadas pelo ministério, para dar menos margem a avaliações pessoais sobre o governo. Já a oposição deve apostar na possibilidade de que o ex-ministro leve novas evidências de atitudes erradas ou pressões por parte de Bolsonaro. 

 

2. Demora e erros nos protocolos adotados no começo da pandemia

Nos meses que passou no ministério, Mandetta divergiu de Bolsonaro quanto a questões básicas, como a importância do isolamento social e do uso da máscara, negligenciadas pelo presidente. Mas os senadores também querem saber se certas decisões da pasta podem ter endossado o comportamento do Planalto e se o ministro não poderia ter adotado barreiras sanitárias logo no início da pandemia.

Uma das questões será sobre o protocolo sugerido para pessoas com sintomas de covid-19, no início de 2020. O ex-ministro será perguntado sobre a recomendação inicial do ministério de que os doentes só procurassem ajuda médica em hospitais se tivessem sintomas graves, como falta de ar. Depois, essa posição foi revisada, e passou a ser para que buscassem atendimento o mais rápido possível.

Outro assunto inevitável será o tratamento precoce e a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada. Senadores querem saber qual foi a participação do Ministério da Saúde, durante a gestão Mandetta, quando o presidente da República começou a indicar tratamentos ineficazes e potencialmente perigosos para a covid-19, como o uso de cloroquina e ivermectina.

 

3. Falta de testes de covid-19

Os protocolos referentes à testagem da população também devem ser levantados pelos senadores. Em abril de 2020, o Brasil era um dos países que menos fazia testes para a detecção do novo coronavírus, segundo estudo da Universidade de Oxford -- na contramão da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de testagem em massa.

Eles devem lembrar que Mandetta chegou a dizer, em março, que a recomendação da OMS de que toda a população fosse submetida a testes seria “um desperdício de recursos preciosos para as pessoas”. Não havia, segundo ele, testes suficientes para testar na quantidade defendida pela autoridade internacional.

Os senadores devem perguntar o porquê de o ministério não ter investido em testagem e apontar que o rastreio dos contágios não era feito de forma eficaz. As perguntas devem envolver quantos testes foram feitos, a comparação com outros países à época e os motivos para o Brasil estar entre os menos testados.

 

4. Alertas sobre de lotação de UTIs e falta de equipamentos

O Brasil começou a sofrer com a falta de equipamentos médicos ainda em 2020, o que levanta dúvidas sobre o que o ministério poderia ter feito para evitar esse tipo de situação. A pergunta, nesse caso, é: de que forma a pasta comandada por Mandetta poderia ter se antecipado à falta de insumos básicos?

A Associação Paulista de Medicina (APM) divulgou uma pesquisa em abril de 2020 mostrando que metade dos médicos que atuavam no combate à covid-19 relatavam falta de equipamentos de proteção individual, como máscaras N95 ou PFF2. Muitos também se queixavam da falta de orientação para atendimento. 

Entre março e abril de 2020, os estados começaram a alertar o governo da possível falta de leitos de UTI. O secretário estadual de Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, por exemplo, avisou em 15 de abril que os leitos do estado começariam a ficar muito cheios a partir do mês seguinte. Em março, a falta de respiradores já era uma realidade.

Senadores vão questionar o que o governo fez diante dessa situação e dos aviso, o que poderia ter feito diferente e se houve demora na reação de Mandetta, já que outros países, à época, estavam em estágios muito mais avançados da pandemia e poderiam ter servido de exemplo para que as autoriaddes brasilerias se antecipassem aos problemas.

 

5. Vacinação: o país já deveria estar atrás de imunizantes no início?

É fato que, na época que Mandetta estava à frente do ministério, ainda não havia vacinas disponíveis nem testes de imunizantes contra a covid-19 em seres humanos. Mas senadores governistas podem questioná-lo se o ministério já se preparava para integrar convênios, por exemplo, para ajudar na corrida pelos imunizantes e reservar parte da produção para o Brasil. 

As perguntas de senadores da tropa de choque do governo podem ir na mesma linha da fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, que afirmou, em março deste ano, em entrevista à CNN Brasil, que "deveríamos estar comprando vacina desde a época do Mandetta". A responsabilidade sobre isso deveria ser "compartilhada", disse Guedes.

Em resposta, pelo Twitter, Mandetta disse que o ministro é “desonesto e mentiroso” e atacou o "negacionismo" do governo. Se o assunto vier à tona, o ex-ministro deixará claro que o primeiro teste de vacina contra covid-19 em humanos aconteceu apenas em maio de 2020, quando ele já estava fora do ministério.


O podcast EXAME Política vai ao ar todas as sextas-feiras com os principais temas da eleição americana. Clique aqui para ver o canal no Spotify, ou siga em sua plataforma de áudio preferida, e não deixe de acompanhar os próximos programas.

    Entenda como as decisões da Câmara e do Senado afetam seus investimentos. Assine a EXAME.

     

    Acompanhe tudo sobre:CongressoCPI da CovidLuiz Henrique MandettaMinistério da SaúdeSenado

    Mais de Brasil

    STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

    O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

    Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

    Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022