Cultura: exposição é uma das categorias financiadas via Lei Rouanet (Facebook/Magnetoscópio/Reprodução)
Clara Cerioni
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 18h59.
Última atualização em 27 de dezembro de 2018 às 20h38.
São Paulo — Em 1991, o governo de Fernando Collor dava o aval para aprovar a principal lei de incentivo à cultura da história do país, a Lei Rouanet. Nesses 27 anos, a legislação esteve presente em incontáveis debates — mas que normalmente ficavam restritos aos profissionais do ramo.
Desde 2016, no entanto, a lei virou alvo de críticas em diversos setores da sociedade, que a consideram um "roubo ao dinheiro público" para "bancar artistas que já são milionários".
Na época, uma operação da Polícia Federal revelou um esquema que chegou a desviar 180 milhões de reais que deveriam ter sido destinados a projetos culturais.
As investigações apontaram, contudo, que as irregularidades eram praticadas por um grupo de dez empresas, que fraudavam projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (MinC).
Nesta semana, a Rouanet voltou ao foco dos debates após um manifesto de artistas contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) vir à tona. O candidato acusou os profissionais de trocarem apoio político por dinheiro para financiar projetos culturais.
Em seu Twitter, o presidenciável afirmou que, se eleito, manterá as verbas da cultura, porém, elas serão voltadas para artistas que estão iniciando suas carreiras e não possuem estrutura.
"Isso acabará com os milhões de dinheiro público financiando 'famosos' sob falso argumento de incentivo", escreveu o ex-deputado em sua página oficial.
O posicionamento de Bolsonaro desencadeou uma onda de críticas à Lei Rouanet. Na segunda-feira (24), a #RouanetNão atingiu o primeiro lugar dos assuntos mais comentados do Twitter. A situação se transformou, aos poucos, em um conflito de opiniões.
De um lado, os apoiadores afirmavam que os críticos "não sabem o que é a lei". Do outro, os contrários à legislação usavam argumentos de que "falta dinheiro para a saúde e para a segurança, mas não para os artistas".
Nesta quinta-feira (27), Alexandre Frota foi condenado a pagar 20 mil reais a Gilberto Gil, por uma publicação sobre a Rouanet. O processo teve por base postagens ofensivas do candidato a deputado federal ao cantor. Frota teria dito que "Gil não pode mais roubar livremente recursos oriundos da Lei Rouanet."
Para entender o que é a lei e quais são suas cláusulas, EXAME reuniu explicações sobre os principais pontos que geram conflito.
Qualquer brasileiro interessado em conseguir apoio cultural, via Lei Rouanet, pode inserir o projeto no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), de forma eletrônica.
Depois, o MinC tem até 60 dias, com possibilidade de ser ampliado para até 120 dias quando os projetos forem de restauração do patrimônio histórico ou construção de imóveis, para autorizar a captação de recursos. A aprovação é publicada no Diário Oficial da União.
Em 2017, foram 5 mil projetos aprovados. O investimento propiciado via renúncia fiscal de empresas e pessoas físicas destinado para produções culturais atingiu 1,1 bilhão de reais, 7 milhões a mais do que no ano anterior.
O dinheiro destinado por renúncia fiscal à cultura é pequeno. Ao todo, hoje 354 bilhões de reais entram na isenção das empresas.
A produtora Ana Ferguson, sócia da Consultoria Cultural e especialista em leis de incentivo, explica que após o processo de admissão, a fase de conseguir o investimento é de total responsabilidade do proponente do projeto. "O ministério apenas faz as verificações para ter certeza de que a proposta está dentro da lei. Feito isso, é preciso bater na porta das empresas para mostrar o projeto", diz.
Para as empresas investirem nos projetos, a Rouanet permite que 4% do valor recolhido no Imposto de Renda anual seja destinado à cultura, a chamada renúncia fiscal.
Segundo Ana, esse dinheiro não sai diretamente do governo, apesar de ele ser público. "A empresa pagaria de qualquer jeito o IR, mas tem a possibilidade de incentivar a cultura do país."
Há, ainda, duas formas de financiar um projeto aprovado pelo MinC no mecanismo de incentivo fiscal da Lei Rouanet: por doação ou patrocínio.
A doação é um repasse sem retorno de imagem para o incentivador. É um apoio que resulta apenas da decisão de aplicar parcela do imposto de renda. Já o patrocínio é um repasse com retorno de imagem.
Um dos maiores conflitos em relação à lei é a ideia de que só pessoas já famosas conseguem o aporte. "Isso não é verdade, há projetos financiados desde shows grandes até ações desenvolvidas em comunidades ribeirinhas", afirma Ana.
Segundo a especialista, só no ano passado, 1,5 mil projetos de música foram financiados — e mais da metade era de música instrumental.
"É claro que existem empresas que só querem patrocinar famosos porque é visibilidade certa. Mas essa característica é encontrada em uma parcela pequena de investidores", explica.
Outra crítica em relação à legislação é sobre a predominância de projetos aprovados no Sul e Sudeste do Brasil.
No entanto, em julho deste ano, o ministro da cultura, Sérgio Sá Leitão, recebeu uma proposta do governo do Amazonas para direcionar projetos via Rouanet ao Norte, Nortesde e Centro-Oeste.
O pedido prevê que 45% dos recursos destinados por patrocinadores a projetos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais sejam direcionados a essas regiões, onde a captação por iniciativas locais é significativamente inferior.
"A proposta é consistente, coerente e bem pontuada. É necessária, no entanto, uma avaliação legal, com a devida atenção à liberdade de escolha do contribuinte", afirmou Sá Leitão.