Segurança: intervenção das Forças Armadas está no plano de Bolsonaro (Pilar Olivares/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 20 de outubro de 2018 às 08h00.
Última atualização em 20 de outubro de 2018 às 08h00.
São Paulo — A segurança pública do Brasil está em ruínas. Só no ano passado, o país registrou 63 mil homicídios e 71% foram através de armas de fogo, de acordo com o 12º Anuário de Segurança Pública. Por dia, 175 pessoas foram assassinadas.
Os dados mostram também que a violência contra as mulheres está em disparada: ao longo do ano, 50 mil estupros de mulheres foram registrados, assim como 221 mil denúncias de violência doméstica. 1.133 mulheres foram vítimas de feminicídios e 4.539, de homicídios.
Somado à insegurança da população, o sistema penitenciário brasileiro segue em descontrole. Números mais recentes do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), de 2016, mostram que há 726 mil presidiários espalhados pelo país — o dobro da capacidade das prisões (368 mil vagas).
Em pesquisa recente, o Datafolha apontou que para 20% dos eleitores, segurança pública é o principal problema do país. Um ano antes, a questão era citada por 9%.
Às vésperas de concluir a corrida eleitoral deste ano, os dois candidatos à Presidência que disputam o 2º turno, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), trazem propostas divergentes sobre como resolver os problemas de segurança pública.
EXAME dividiu as ideias de ambos por temas, de acordo com o plano de governo da campanha do pesselista e do petista, e entrevistas recentes dos presidenciáveis.
Para analisar as duas propostas, a reportagem conversou com o pesquisador em segurança pública Túlio Khan, que já foi secretário de segurança do Estado de São Paulo.
No final do ano passado, ele fez um levantamento com 86 profissionais da área sobre os principais pilares que moldam a segurança de uma sociedade.
De forma geral, Khan analisa que Bolsonaro traz propostas vagas e ideológicas, enquanto as de Haddad são altamente elaboradas, mas complexas para se colocar em prática. "O projeto do pesselista tem palavras de ordem, mas o do petista é detalhado demais", afirma.
O especialista acrescenta, no entanto, que ambas as sugestões encontrarão dificuldades orçamentárias para serem colocadas em prática. "Segurança custa caro, os governos federais historicamente investiram pouco nessa área e com o desequilíbrio fiscal será difícil que qualquer um dos dois projetos consiga fazer investimentos vultuosos de proteção", resume.
Revogar o estatuto do desarmamento, de 2003, é a principal bandeira levantada por Jair Bolsonaro. Seu plano de governo afirma que "as armas são instrumentos, objetos inertes, que podem ser utilizadas para matar ou para salvar vidas. Isso depende de quem as está segurando: pessoas boas ou más."
No entanto, 65% dos especialistas entrevistados por Khan rechaçam essa possibilidade. "No ano em que sancionamos o estatuto, o país conseguiu reduzir o número de homicídios pela primeira vez. Em efeito de segurança pública, isso foi uma das poucas medidas que surtiram algum efeito", explica.
No começo desta semana, em Curitiba, o pesselista disse diante de 2 mil pessoas que "a arma, mais que a defesa da vida, é a garantia da nossa liberdade”, justificou.
Já Fernando Haddad propõe o oposto: em seu plano, ele afirma que irá intensificar o controle de armas e de munição. "Perseguiremos a meta de tirar a arma da mão do criminoso e equipar melhor a polícia, para que o Estado cumpra seu dever de oferecer segurança pública", afirma.
Nesta quarta-feira (17), a campanha do petista divulgou uma propaganda eleitoral sobre o tema. Na peça, um menino criança pega uma arma e sugere um tiro no pai.
É pela vida. pic.twitter.com/usenpQKnXx
— Fernando Haddad (@Haddad_Fernando) October 17, 2018
O Brasil é o quinto país mais populoso do mundo, mas tem a terceira maior população carcerária. Em relação às falhas do nosso sistema, os dois candidatos também apresentam sugestões opostas.
O capitão reformado do exército sugere "prender e deixar na cadeia", além de acabar com a progressão de penas e reduzir a maioridade penal para 16 anos, mas não menciona formas de ampliar a capacidade do sistema prisional.
Em entrevista à rádio Jovem Pan, em setembro, o candidato afirmou: "Por que a pena de uma tentativa de homicídio tem que ser abaixo de um homicídio? Vamos mudar isso no futuro, caso eu seja presidente, e mais ainda, acabar com a progressão de pena." Ele já reafirmou essa posição diversas vezes.
De acordo com o estudo de Khan, 56% dos especialistas em segurança pública são contrários à diminuição da maioridade penal.
Haddad não cita mudança de maioridade penal e propõe criar uma Política Nacional de Alternativas Penais. O objetivo é enfrentar o encarceramento em massa, sobretudo o da juventude negra e da periferia.
Para conter a morte de policiais que atuam no Brasil, Bolsonaro diz que "um dos compromissos será lembrar o nome de cada um desses guerreiros! Suas famílias serão homenageadas e cada um desses heróis terá seu nome gravado no Panteão da Pátria e da Liberdade!"
Além disso, ele oferece imunidade automática para o policial militar que matar alguém em serviço. O capitão reformado quer aplicar automaticamente a presunção de legítima defesa a qualquer caso de morte provocada pela PM durante operações, de forma que os policiais não sejam punidos por homicídios.
O Ministério Público Federal (MPF) já se pronunciou sobre essa proposta e disse que irá refutá-la caso o candidato seja eleito. Ela "é ruim para a própria corporação", disse a subprocuradora-geral da República Luiza Frinscheisen, coordenadora da Câmara Criminal do MPF.
Já o plano petista afirma que "a modernização do sistema institucional de segurança não pode mais ser adiada".
Para isso, o texto propõe fortalecer a polícia científica e valorizar o profissional da segurança, com melhores salários, capacitação adequada, seguro de vida, habitação, assistência e previdência dignas.
"O que acho de melhor no plano de Haddad é a polícia única, que não seja PM ou Civil, para que você tenha uma uniformizada e uma investigativa para dar apoio", diz Khan.
Haddad também vem citando a possibilidade de colocar a Polícia Federal para enfrentar as organizações criminosas nacionalmente.
O programa de Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército e tem como vice um general, propõe dar mais direitos às Forças Armadas.
"Vamos recuperar condições operacionais das Forças Armadas e haverá ao menos um colégio militar em todos os estados. Também serão responsáveis pela garantia da Lei e da Ordem."
No estudo com especialistas em segurança pública, 65% são contra usar o exército para garantia da Lei e da Ordem.
O petista quer recuperar a Política Nacional de Defesa – PND. Segundo o texto, há "um progressivo desvirtuamento do papel constitucional das Forças Armadas de resguardar nossa soberania. O maior exemplo disso é intervenção militar no Rio de Janeiro, em que o Exército foi levado a assumir indevidamente o papel das forças de segurança pública."
Em seu plano de governo, Bolsonaro não cita políticas voltadas para a segurança das mulheres. Apenas em um trecho aparece que ele pretende "combater o estupro de mulheres e crianças, com mudanças ideológicas", mas sem detalhar como isso aconteceria.
No entanto, o presidenciável já deu declarações em que defende endurecer penas para crimes de estupro, incluindo a castração química voluntária em troca da redução da pena.
Em 2013, quando ainda era deputado, o candidato foi um um dos autores de um projeto de lei para impedir que o SUS (Sistema Único de Saúde) preste atendimento obrigatório a vítimas de violência sexual.
Em oposto, Haddad promete "consolidar" políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e ao feminicídio, como a Casa da Mulher Brasileira, que atende mulheres vítimas de violência, e a Lei Maria da Penha. "Prometo inaugurar um novo período histórico de afirmação de direitos", diz o texto de seu plano.