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“O que Bolsonaro acha não vai mais ser relevante”, diz Eduardo Giannetti

Economista afirma que, ao minimizar os riscos da pandemia, presidente está se isolando do processo decisório, mas ainda é cedo para falar sobre impeachment

Eduardo Giannetti: "Podemos caminhar para uma situação de isolamento do presidente e de perda da capacidade de governar" (Germano Lüders)

Eduardo Giannetti: "Podemos caminhar para uma situação de isolamento do presidente e de perda da capacidade de governar" (Germano Lüders)

Janaína Ribeiro

Janaína Ribeiro

Publicado em 31 de março de 2020 às 18h40.

Última atualização em 31 de março de 2020 às 21h44.

Ao negar os riscos sanitários da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro não é mais obedecido dentro do próprio governo, sem falar no Legislativo e no Judiciário. A análise é do economista e filósofo Eduardo Giannetti, autor de vários livros, entre eles O Valor do Amanhã. Para Giannetti, conselheiro econômico da candidata Marina Silva nas últimas eleições presidenciais, Bolsonaro está se tornando “uma figura completamente isolada no processo decisório”, mas não há ainda um ambiente para falar em impeachment, por ser este um processo longo e que exige muitos rituais para ganhar corpo.

O economista afirma que a pandemia escancara a enorme desigualdade no Brasil, as condições precárias em que vive a maior parte da população e a ineficiência do Estado. É numa situação de emergência como esta, segundo Giannetti, que a qualidade da liderança poderia fazer toda a diferença.

A seguir, trechos da entrevista:

A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus vai ser longa?

Essa é uma incógnita e ninguém sabe dizer. Fiquei pelo menos aliviado que o presidente Donald Trump reconheceu que o cronograma com que vinha trabalhando, de voltar à normalidade em 12 de abril, era absolutamente irrealista. Espero que a ficha caia também para nosso presidente, nosso "sub-Trump". Não se lida com uma situação deste tipo com negacionismo e bravata. Espero que, como resultado permanente desta crise, haja a desmoralização dessa atitude obscurantista de Trump e Bolsonaro. É exatamente a mesma coisa que eles tentam fazer em relação à mudança climática: ridicularizar, menosprezar, dizer que é histeria, que nada é tão sério assim, que são problemas que a gente pode ignorar e continuar com o business as usual. Só que a temporalidade do coronavírus não é a temporalidade da mudança climática. E eles foram atropelados pelos fatos. Trump já se deu conta disso. Bolsonaro, não.

Se o presidente Bolsonaro não mudar de atitude, existe o risco de caminharmos para uma crise de governabilidade? Alguns líderes da oposição começaram a levantar a bandeira do impeachment. Esse movimento pode crescer daqui para a frente?

Não vislumbro um impeachment, porque é um processo muito complexo, com muitos rituais. Agora, pode caminhar para uma situação de isolamento do presidente e de perda da capacidade de governar. Ele não é mais obedecido dentro do próprio governo. Ele não é obedecido dentro do próprio Executivo, para não falar do Legislativo e do Judiciário. Bolsonaro está conseguindo se isolar de tal maneira que ele vai ficar inoperante, uma figura completamente isolada no processo decisório. O que ele acha não será mais relevante.

E isso pode ter um impacto na nossa democracia?

Acho que pode ter um impacto salutar, que é desacreditar essa cracolândia digital, de completo descompromisso com a verdade, com a seriedade e com a objetividade. Tudo isso sai muito fragilizado num momento como este, tanto que as pesquisas estão mostrando que a comunidade científica, os meios de comunicação tradicionais, os veículos com mais compromisso com o conhecimento objetivo estão sendo reconhecidos neste momento. Quando uma questão desta ordem acontece, não dá para continuar no mundo do vale qualquer coisa, porque a realidade se impõe.

Em relação à economia brasileira, o que o senhor imagina que possa acontecer no futuro próximo?

Estamos num país de renda média, onde a carga tributária bruta é de 33% do PIB, ou seja, é um terço da renda nacional. É uma carga tributária muito elevada para nosso nível de renda comparativamente ao restante do mundo. E, no entanto, o mais espantoso não é o tamanho da carga tributária em si, mas o fato de que, num país onde o Estado drena um terço do PIB, quase metade dos domicílios brasileiros não tem saneamento básico. Uma crise como esta escancara o absurdo do modo como o Estado brasileiro faz a intermediação dos recursos que ele apropria da sociedade e que ele devolve, ou não devolve, a ela. Esta crise escancara o modo como a desigualdade nos fragiliza. Um dos grandes complicadores no país é o fato de que dezenas de milhões de brasileiros vivem numa enorme precariedade, sem uma situação regular de emprego e sem nenhum recurso de poupança para atravessar uma situação de adversidade. O poder público tem dificuldade até mesmo de chegar a essas pessoas com suas políticas, o que nos deixa muito vulneráveis numa situação de emergência como a que estamos vivendo.

As medidas anunciadas até agora pelo governo com o objetivo de socorrer financeiramente a população mais desassistida, como os trabalhadores informais e os idosos, estão na direção correta?

Gostei da palavra que você usou: “anunciadas”. Estou cansado de ver números mirabolantes que são anunciados a todo momento. Quero ver resultado, quero ver a coisa acontecer. Não estou vendo.

Qual a principal lição que podemos tirar disso tudo?

Que a qualidade da liderança faz toda a diferença num momento como este. E também a capacidade de ação rápida. Veja o que aconteceu na Itália. Eles tentaram lidar com o problema como se não fosse acontecer com eles e perderam o controle da situação. Para o Brasil, a grande mensagem é: a desigualdade nos fragiliza enormemente como nação, todos nós, e não só os desfavorecidos. Toda a sociedade se torna frágil por causa da profunda e secular desigualdade que prevalece na vida brasileira. Se fôssemos um país mais equilibrado, mais equânime, teríamos condições de atravessar esta crise de uma maneira muito mais consistente.

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