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O problema da educação não é a falta de dinheiro, diz Viviane Senna

Para a presidente do Instituto Ayrton Senna, o Brasil ainda está atrasado por privilegiar “achismos” e o partidarismo em vez de evidências científicas

"Trabalhar política pública com base em evidência ainda é, até hoje, um desafio", diz Viviane Senna (Daniel Vorley/Getty Images)

"Trabalhar política pública com base em evidência ainda é, até hoje, um desafio", diz Viviane Senna (Daniel Vorley/Getty Images)

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André Jankavski

Publicado em 12 de junho de 2019 às 06h00.

Última atualização em 12 de junho de 2019 às 06h00.

São Paulo – O Instituto Ayrton Senna esteve no centro das atenções um pouco antes do início do governo de Jair Bolsonaro. Em novembro do ano passado, a vontade do agora presidente da República era de que a responsável pelo Instituto, a empresária e psicóloga Viviane Senna, assumisse o Ministério da Educação (MEC).

Não foi o que aconteceu. E, de longe, Senna acompanhou as crises e desencontros do MEC, e que já resultaram na demissão do ex-ministro Ricardo Vélez. Mesmo assim, a empresária acredita que há espaço para o Ministério recuperar o tempo perdido. Mas é necessário se atentar às decisões ligadas ao espectro ideológico – estas devem trazer apenas prejuízos para a educação.

“A política partidária e ideológica não pode ser o tomador de decisão em política pública de educação. Temos que olhar os dados científicos e a experiência empírica”, diz Senna.

Não à toa, Senna sempre repete a importância de se acompanhar dados e criar políticas em cima deles. Um exemplo que ela sempre cita é o da cidade cearense de Sobral, vista como o grande modelo de evolução educacional no país. Há duas décadas foi iniciada uma política em parceria do Instituto Ayrton Senna com a prefeitura, então comandada pelo atual senador Cid Gomes (PDT).

Com mudanças na gestão e foco na alfabetização, a cidade possui hoje as melhores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em português e matemática – em alguns casos, com notas 50% superiores às de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro.

“Sobral era um município que tinha 97% das crianças atrasadas, o pior do Brasil. Hoje é o melhor. Mas a cidade não mudou por interferência partidária ou por ideologias e achismos”, diz Senna. Confira, a seguir, a sua entrevista:

O município de Sobral é utilizado como o grande exemplo de avanço da educação brasileira nas últimas duas décadas. O que a fez ser diferente das demais?

Sobral seguiu todo um planejamento e, principalmente, manteve a educação blindada nos últimos 20 anos e levaram a política para todo o Ceará. Por isso, não é à toa que Sobral se tornou o município exemplo. Precisa consistência em política pública para a roda girar. Mas também foi uma coincidência, afinal foi uma mesma família esteve no poder durante todo esse tempo. Não estou defendendo que apenas uma família governe, mas que os sucessores mantenham o que foi feito de bom por governos anteriores. Sobral era um município que tinha 97% das crianças atrasadas, o pior do Brasil. Hoje é o melhor. Mas a cidade não mudou por interferência partidária ou por ideologias e achismos.

Mas por que não temos outros exemplos de “Sobrais”?

Trabalhamos em cidades que também tiveram resultados expressivos, apesar de não terem o mesmo de Sobral. Há municípios em que as decisões em educação mudaram de acordo com a alternância de governos. Aquilo que era evidência, e que nós nos sempre nos baseávamos, era mudado para achismos e conveniências partidárias de todos os tipos. Muitas vezes, quem toma as decisões para a educação é o departamento da política e não o da política educacional. Era a politicagem, além de caixa dois, que também acontece. Temos que trazer a evidência e a ciência para dentro da escola. E temos soluções para isso, que são quatro alavancas.

Quais são essas alavancas?

Qualquer processo de educação não responde a somente um tipo de medida. É necessário um conjunto inteiro. Quando o presidente Bolsonaro me convidou para ajudar na área de educação, ele me pediu um diagnóstico e os meios para a resolução. Com isso, identificamos algumas alavancas: alfabetização no primeiro ano de escola, formação de professores, gestão e decisões baseadas em evidências.

Na questão da alfabetização, eu até propus ao presidente que precisaríamos criar um programa de analfabetismo zero, algo que fosse o carro chefe do governo. Um programa nos mesmos moldes do que foi feito com o Fome Zero (programa lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, para combater a fome).

A ideia de analfabetismo zero, que a senhora comentou, foi abraçada pelo atual governo?

Foi criada uma secretaria de alfabetização dentro do MEC. Eu vejo um indicador de que esse elemento foi incluído de alguma forma nessa visão de educação. Mas eu não sei se isso terá a capacidade de bater as metas que eu comentei com o governo. Eu queria algo maior.

Na sua opinião, por que a formação dos professores ainda está a desejar?

Ainda temos uma formação deficiente, que é muito direcionada para o conceitual e o ideológico. A formação, hoje, não forma professor para desenvolver o aluno. Não há um interesse das universidades em ver o que realmente funciona. A formação do professor precisa ser focada na implementação dos modelos de aprendizado e evidências científicas. O professor sozinho é responsável por 70% do resultado de aprendizagem do aluno. Isso não é um achômetro, pois é o que a ciência mostra.

E o que fazer para melhorar a gestão das escolas públicas?

A gestão é absolutamente crucial. Não adianta alfabetização e formação, se a gestão de processos não funciona. Tudo depende do acompanhamento por meio de gestão da sala de aula, da escola e também da rede educacional. É um passo a passo. Tem que realmente entender o problema e fazer um diagnóstico. Nós, por exemplo, propusemos uma prova de alfabetização para diversos municípios, como foi o caso de Sobral, para entender o tamanho do problema. Não se pode acelerar um aprendizado se uma criança é analfabeta. Muitas vezes, tem que descer degraus e entender.

Trabalhar política pública com base em evidência ainda é, até hoje, um desafio. As pessoas não trabalham com informações, mas com achismos e chutômetros. Não pode ser ideologia de direta e nem de esquerda. Tem a ver com o foco no resultado e tem que ter a participação de todos: professores, coordenadores e diretores. O diretor, por exemplo, não pode ficar sentado preenchendo papel, mas também precisa ser um gestor da aprendizagem do aluno.

Como resolver isso? O Brasil precisa investir mais em educação?

Esse tema do financiamento é bem interessante porque muitos colocam a culpa na falta de investimento. A evidência mostra que não isso. Mais importante do que ter mais recursos, é ter mais gestão e mais eficiência no uso do dinheiro. Todos os municípios que trabalhamos são pobres, com situações bastante desafiadoras, mas conseguem ter melhorias. Mas aí falta a convergência entre todos os níveis de governo. Não podemos ver a educação como uma questão de partido, mas de estrutura. As pessoas simplificam o problema. Precisamos ter mais foco e consistência. É falta de compromisso, competência e eficiência.

Uma crítica que existe a governos anteriores é que eles não colocaram foco na educação básica. Qual é a sua opinião?

O último governo olhou, sim, para a educação básica. Mas o foco não pode ser apenas teórico – precisa se transformar em execução. O Brasil é muito bom em ter ideias e em planejar, mas muito ruim de executar. É uma parte da nossa cultura. Qualquer empresário sabe que para se ter sucesso é necessário um planejamento bem feito e entender o que fazer e como fazer antes de começar.

Depois, é necessária uma execução a altura de um projeto. Se um for bom e o outro for ruim, não funciona. Pode ser uma obviedade, mas na política pública isso não parece ser óbvio. Sobretudo, não é feito. Trazemos esse tipo de informação há 25 anos.

O espectro ideológico ainda atrapalha o diálogo entre governo federal, estados e municípios? Por exemplo, um governador de direita pode não querer ajudar um prefeito de esquerda?

Isso pode acontecer, mas acredito que o problema é maior do que isso. O problema estrutural é que não existe governança e operação em conjunta entre os diferentes poderes. Ainda é cada um por si. Em vez de serem integrados, todos agem de forma autônoma. Existe um princípio, que inclusive é legal, é o regime de colaboração entre estados e municípios. Teoricamente, uma criança não é de responsabilidade de uma cidade ou outra, mas do estado.

Então, tanto os secretários municipais quanto os estaduais deveriam estar trabalhando em prol dessas crianças. O MEC também. O objetivo precisa ser na criança. É como se fosse uma corrida. Quando o piloto vai para o box, a equipe inteira tem que agir de maneira integrada para fornecer um bom carro. Se cada um trabalhar de maneira individual, o piloto não terá sequer um carro. O que falta no Brasil é essa integração nos três níveis.

O assunto da “Escola Sem Partido” sempre vai e volta para discussão. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de discussão? Críticos falam que isso poderia censurar professores.

Quando eu critico política na escola, eu quero dizer interesse partidário. Isso que tem que sair da sala de aula. As pessoas precisam ter a liberdade de discutir qualquer assunto que seja dentro da escola. Mas não pode se misturar politicagem com política. Não importa se é de direita ou de esquerda. São coisas totalmente diferentes.

Apesar de criticar governos anteriores pelo mesmo motivo, o atual MEC insiste em pautas ideológicas. Isso pode atrapalhar o desenvolvimento educacional no Brasil?

A política partidária e ideológica não pode ser o tomador de decisão em política pública de educação. Temos que olhar os dados científicos e a experiência empírica. Toda vez que isso não acontece, teremos um prejuízo em educação.

Mas a senhora percebe essa vontade no MEC?

Os secretários executivos do MEC estão trabalhando com muita abertura, como o Janio Macedo (secretário de Educação Básica). Estão querendo construir um planejamento estratégico para o MEC envolvendo diversas organizações e especialistas para pensar em uma política educacional para o Ministério. Nós, inclusive, fazemos parte desse grupo.

Estamos mudando a percepção da educação no Brasil ou continuamos dando um tom político-partidário para elas?

Tem uma frase que envolve o economista Cláudio de Moura Castro que representa muito o meu pensamento. Teve uma vez em que ele foi para um seminário sobre educação e tinha uma hora para falar. Ele foi com um slide e disse que liberaria as pessoas em poucos minutos para ir tomar um café. No slide estava escrito: "no dia em que o Brasil torcer e vigiar a educação da mesma forma que ele faz com a seleção brasileira, nós teremos uma educação de qualidade".

Estamos caminhando, mas ainda não chegamos lá. Precisamos melhorar a oferta e a demanda por educação. Não pode ser vaga na escola. Há momentos em que as pessoas pensam que o filho estando na escola e ganhando merenda é o suficiente. Escola não pode ser vista como estacionamento de criança ou lanchonete. Isso não é educação.

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