Presidential candidate Jair Bolsonaro of the Party for Socialism and Liberation (PSL) attends the first television debate at the Bandeirantes TV studio in Sao Paulo, Brazil August 9, 2018. REUTERS/Paulo Whitaker (Paulo Whitaker/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 1 de novembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 1 de novembro de 2018 às 06h00.
São Paulo — No seu primeiro dia como presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) declarou em entrevista ao Jornal Nacional que, no que depender dele, "imprensa que se comportar de maneira indigna não terá recursos do governo".
Na ocasião, o capitão reformado afirmou ser "totalmente favorável à liberdade de imprensa", mas condicionou que os investimentos serão destinados de acordo com o "comportamento" das empresas.
"Não quero que a imprensa acabe, mas no que depender de mim, na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira [em referência ao jornal Folha de S.Paulo], mentindo descaradamente, não terá apoio", disse.
A fala do presidente eleito reverberou negativamente entre associações de profissionais de comunicação, organizações dos direitos humanos e entre seus próprios adversários do primeiro turno.
Em seu Twitter, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que os ataques representam um "acinte a toda a imprensa e a ameaça de cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional", escreveu.
É pretender substituir a liberdade de Imprensa pelo clientelismo de Imprensa. Alguns fazem críticas aos seus críticos porque não conhecem seus próprios limites. O futuro Presidente vai ter de conviver e de respeitar todos e, em especial, os que a ele dirijam críticas.
— Geraldo Alckmin 🇧🇷 (@geraldoalckmin) October 30, 2018
Mesmo que não de forma explícita, a prática de priorizar investimentos em veículos que tenham posicionamentos favoráveis não é nova, apesar de existir leis que deveriam coibir esse tipo de atitude.
As mais consolidadas tomam por base que a publicidade federal deve ter o objetivo de informar a população de assuntos de interesse público.
O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que "a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."
Outro documento, a Instrução Normativa da Secretaria de Comunicação da Casa Civil da Presidência da República nº 7, de 19 de dezembro de 2014, estabelece o chamado "critério técnico" para o planejamento de mídia.
O artigo 7 determina: “Usar critérios técnicos na seleção de meios e veículos de comunicação e divulgação; desconcentrar o investimento por meios e veículos; valorizar a programação de meios e veículos de comunicação e de divulgação regionalizados."
De acordo com Eugênio Bucci, professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, o presidente não pode direcionar a verba publicitária para os veículos que ele quer e deve se pautar por critérios técnicos.
"O dinheiro destinado não pode passar por nenhum critério pessoal que avalia o desempenho dos órgãos de imprensa. O presidente pode ter sua opinião pessoal, mas não fazer investimento de recursos públicos a partir de seus gostos", diz.
Ele avalia que, além do critério de audiência e alcance, a publicidade oficial deve ser definida, como qualquer outra publicidade, tomando por base o público que se pretende atingir - no caso de uma campanha de vacinação, por exemplo, ao público que deve ser vacinado.
Em 2018, até outubro, o governo de Michel Temer (MDB) gastou R$ 1,24 bilhão com publicidade oficial e a Rede Globo foi o principal destino.
Neste ano, suas empresas já receberam 416 milhões de reais, o que corresponde a 33% das verbas. Em segundo lugar estão os Diários Associados, com investimento de 118 milhões de reais, 9,5% do total, e em terceiro, a Folha de S.Paulo, com 80 milhões de reais, 6,4% do montante.
Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, de 2009 a 2014, o gasto esteve no patamar mais alto da série histórica iniciada em 2000, chegando ao pico de R$ 2,9 bilhões em 2013.
Na entrevista ao JN, Bolsonaro revelou que as empresas que fizessem "conteúdos mentirosos" seriam punidas, com o corte da publicidade governamental.
Para Leandro Consentino, cientista político do Insper, o presidente não tem o poder de determinar o que é ou o que não é uma mentira, em um meio de comunicação. "Esse tipo de retórica é preocupante, porque quem define o que é verdade não é o presidente", explica.
Segundo o professor, se Bolsonaro se sentir atacado de alguma forma, ele pode entrar na justiça, que tem mecanismos como o direito de resposta e a indenização por danos morais.
"Definir de antemão que o conteúdo é mentira é forçar que, para se manter, os veículos façam um papel de chapa branca para não perderem as verbas", conclui.
Na falta de regras claras para atuação da mídia e exigências de transparência da parte do governo, o risco de que o presidente eleito não respeite a legislação é alto.
No ano passado, Temer interrompeu um período de 17 anos de transparência na publicidade, que desde 1999 até 2016 publicou os dados dos gastos estatais com propaganda.
De acordo com Luiz Peres-Neto professor e pesquisador do PPGCOM-ESPM (Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo), há anos, a fiscalização foi diminuindo e não há mecanismos para amenizar o problema. "Ninguém pune, ninguém faz averiguação e ninguém cobra."
O especialista afirma, ainda, que no governo Bolsonaro a expectativa é que as empresas possam sofrer tanto do lado financeiro quanto do lado da reputação junto ao público.
"Ele deve adotar o lema 'aos amigos tudo, aos inimigos nada' e isso fará com que as empresas se asfixiem financeiramente, além de ganhar o desprezo dos leitores com as declarações de descrédito do presidente eleito", conclui.