A presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer (Lula Marques/Agência PT)
Da Redação
Publicado em 16 de abril de 2016 às 17h53.
Um por um, os legisladores brasileiros aparecem em rede de televisão nacional com os rostos incendiados de indignação e a voz agitada clamando pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff ou denunciando um "golpe" contra a democracia.
O problema desta cena, repetida diversas vezes, é o surpreendente número de parlamentares acusados por crimes como o de corrupção.
Com uma política que muitas vezes beira o surrealismo, o aspecto que mais chama a atenção - apesar de ignorado - é que grande parte dos políticos que pedem a cabeça de Dilma Rousseff ou que a defendem como mártir deveriam estar em uma situação tão ou mais complicada que a da presidente.
Dilma enfrenta um processo de impeachment sob a acusação de ter maquiado as contas públicas em 2014, ano de sua reeleição. Ela não nega as "pedaladas", mas argumenta que presidentes anteriores, governadores e prefeitos usaram esses mesmos mecanismos até 2015.
"Querem condenar uma inocente e salvam os corruptos", afirmou Dilma Rousseff em artigo publicado neste sábado no jornal Folha de S. Paulo.
Dilma Rousseff e seus partidários apontam em primeiro lugar o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, arquiteto do processo que pode levar à sua destituição.
As acusações, entretanto, não são capazes de tirar o peemedebista da liderança. Cunha nega todas as acusações e continua exercendo um enorme poder, enquanto se defende no Comitê de Ética da Câmara por supostamente ter mentido sobre contas que manteria na Suíça.
Este domingo, Cunha conduzirá a crucial votação que decidirá se a Câmara dos Deputados abrirá o processo de impeachment contra Dilma, sua adversária política.
Já o vice-presidente Michel Temer, que eventualmente assumirá a Presidência se a Câmara decidir pelo impedimento e o Senado o ratificar, está sob suspeita de ter participado em transações ilegais de etanol.
"Meu Deus do céu!"
Temer e Cunha são os dois políticos que encabeçam a linha de sucessão de Dilma. Depois deles, o presidente do Senado, Renan Calheiros, também tem sua lista de pendências, incluindo suspeitas de sonegação de impostos e de recebimento de uma mesada de um lobista para pagar a manutenção de uma ex-amante com quem teve uma filha.
À medida que se desce a pirâmide do poder, a mancha da corrupção se transforma em um oceano, do qual poucos se salvam.
A ONG Transparência Brasil calcula que 58,1% dos 513 deputados da Câmara presidida por Cunha enfrentam - ou enfrentaram - acusações, que vão de corrupção a estupro e assassinato.
No Senado, onde Dilma Rousseff pode ser finalmente destituída, os números são ainda mais contundentes: pelo menos 60% dos 81 senadores têm, ou tiveram, processos judiciais abertos.
O pouco edificante espetáculo formado pelos políticos manchados por escândalos trabalhando para derrubar a presidente, impressionou o juiz do STF Luís Roberto Barroso.
Depois de ver como Cunha e outros pesos-pesados do PMDB festejavam a ruptura com o governo, Barroso afirmou: "Meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de governo".
Ex-presidentes sob suspeita
Uma das razões pelas quais os políticos parecem invulneráveis é que seus casos são julgados pelo respeitado, embora lento, Supremo Tribunal Federal (STF).
Outro motivo é a amplitude de uma corrupção arraigada, como demonstra a operação Lava Jato, envolvendo poderosos empresários, diretores da Petrobras e políticos de quase todos os partidos. Entre eles, o ex-líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, e o tesoureiro do partido, João Vaccari.
Em um país com tanta corrupção - a Transparência Internacional classifica o Brasil em 76º lugar de seu ranking, empatado com Burkina Faso e Índia - os envolvidos nesse tipo de crime podem estar em qualquer lugar.
O ex-senador Gim Argello, por exemplo, foi preso nesta semana acusado de operar pagamento de propinas de R$ 5,3 milhões para tentar barrar a convocação de empreiteiros para depor nas comissões parlamentares que investigaram irregularidades na Petrobras.
Os tentáculos da trama também chegaram a ex-presidentes. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é suspeito de ter recebido subornos de construtoras envolvidas no megaescândalo. E Fernando Collor de Mello teve carros de luxo (uma Ferrari, um Porsche e um Lamborghini) apreendidos em sua casa em julho do ano passado.
Entre os políticos importantes do Brasil, Dilma Rousseff é uma das poucas a não ser alvo de acusações.
"Aqui temos uma pessoa que não sofre qualquer indagação, qualquer condenação, qualquer acusação em julgamento. E encontramos entre aqueles que vão julgar no Congresso imputados, acusados, indagados e com expedientes pendentes", defendeu na sexta-feira, em Brasília, o secretário da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.