Temer: “A única coisa que quero é ser reconhecido pela história" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 17 de outubro de 2017 às 17h10.
Última atualização em 17 de outubro de 2017 às 22h03.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara passou a terça-feira debatendo a nova denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer.
O risco de Temer ser afastado do mandato é mínimo. Mas os escândalos e as trapalhadas que insistem em não passar têm levado um grupo crescente de analistas a reavaliar as expectativas em relação ao governo.
Nos últimos três dias, o advogado de Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trocaram acusações; o Ministério Público pediu afastamento do ministro da Saúde, Ricardo Barros; um nova portaria do Ministério do Trabalho dificulta o combate ao trabalho escravo; o celular do presidente foi parar em uma lista no site da Câmara, e ele atendeu a chamada de um jornalista.
A um ano das eleições de 2018, a missão para a reta final do mandato-tampão seria deixar um legado de reformas que pudessem colocar a economia nos eixos e garantir um crescimento sustentável para o país pós-crise.
“A única coisa que quero é ser reconhecido pela história. Quero ser recordado pelo serviço que faço ao meu país”, disse o presidente em abril.
A economia está de fato se recuperando lentamente, com queda nos juros e na inflação. Mas, a 440 dias do fim do mandato, há em Brasília uma impressão crescente de que o melhor ficou para trás.
Ao montar seu governo, em maio de 2016, Temer talvez não imaginasse a avalanche de problemas que teria por manter políticos envolvidos Operação Lava-Jato em postos centrais da administração.
Não contava, provavelmente, com os efeitos de perder oito ministros no percurso, ter seu núcleo de articulação — Moreira Franco e Eliseu Padilha — investigado nos escândalos e deixar-se vulnerável como alvo de delatores que procuravam brecha para a liberdade.
O então reformista hoje trabalha para encerrar a segunda cruzada para salvar seu mandato contra uma denúncia da PGR, desta vez por obstrução de Justiça e organização criminosa, para pensar adiante na reforma da Previdência.
Com alguma sorte, o Executivo dará andamento ao pacote de concessões, capitaneado pelo Programa de Parcerias e Investimentos. E não sobra muita coisa, segundo economistas e cientistas políticos consultados por EXAME.
Neste cenário de limitações, o primeiro passo está quase dado. O relatório de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) é favorável ao arquivamento da denúncia e o clima no Plenário não deve ser diferente.
A segunda etapa não é tão simples. A reforma da Previdência, principal pauta do ajuste fiscal anunciado no início do governo, corre risco de nem sair.
Temer chegou a ter 70% de apoio na Câmara há quase um ano, quando tramitava a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos na Câmara dos Deputados.
O número médio daquelas votações seria mais que suficiente para emplacar as mudanças, mas o desgaste desde o caso J&F cresce dia a dia.
As relações do Palácio do Planalto com o Congresso foram mantidas à base de emendas parlamentares, cargos e afagos às grandes bancadas.
O custo de apoio ao governo agora é mais alto e o tempo é curto. Por mais importante que seja, a reforma da Previdência é rejeitada por 71% dos brasileiros, segundo o instituto Datafolha. Não há nada pior para um político em ano eleitoral que uma agenda negativa.
Portanto, o tempo de aprovação de uma reforma nas aposentadorias seria do início de novembro até o fim do ano, o que demandaria uma tramitação recorde.
Até o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vergou-se às pressões dos ministros palacianos. Admitiu nos bastidores que o governo não tem condições de reformar as aposentadorias a contento, aceitando “suavizar” o texto original enviado à Câmara e que estava aprovado em comissão especial.
As articulações são para manter ao menos o estabelecimento de idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens e uma regra de transição que agrade boa parte dos parlamentares — e ainda assim com a chance de os servidores públicos ficarem de fora das mudanças.
Para a consultoria Tendências, a desidratação dá cerca de 60% de chances de Temer conseguir algum avanço na Previdência.
O Congresso funciona sob pressão e a votação necessária para passar a Previdência é de 308 votos, em dois turnos, nas duas casas legislativas.
“Deputados declaram publicamente que seria melhor deixar para depois da reforma do funcionalismo público, mas a unificação dos regimes é algo fundamental para o equilíbrio das contas, principalmente de estados e municípios que estão com alta pressão no orçamento”, afirma o ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola.
“A eficácia vai depender muito do engajamento do PSDB, do DEM e outros partidos da base. É preciso um mínimo consenso de que não dá deixar para depois”.
Segundo Juliana Inhasz, professora de macroeconomia da escola de negócios Insper, as políticas de ajuste de Temer só seriam consideradas um sucesso se conseguissem atacar o alto déficit das contas públicas, fixado em 159 bilhões de reais para este ano e o próximo, e se pudessem reverter a escalada da dívida pública, hoje em cerca de 75% do PIB e em rota de ascensão.
“O déficit continua aí, mesmo com contingenciamentos e reforma pontuais. Ao passar algo pela metade, voltaremos a ter mesmo problema em breve”, afirma a economista.
“A indústria e os serviços vêm melhorando, o desemprego está melhor. Há sinais que mostram uma leve recuperação. Mas o governo pode abrir a torneira para gastos seguindo a dinâmica eleitoral do ano que vem e botar até essa reação a perder”.
Restariam duas reformas. A trabalhista, aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente, ainda depende de medidas provisórias para corrigir brechas e falhas de texto que o Senado se negou a fazer para acelerar a tramitação.
Temer não apresentou pistas do que fará com as MPs, mesmo com a reforma promulgada há quase 100 dias.
No dia 11 de novembro, as medidas entram em vigor, estejam como estiverem. Já a reforma tributária foi para escanteio.
A comissão especial montada na Câmara é relatada por Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que apenas apresentou uma minuta de proposta de reforma.
“As discussões devem continuar ano que vem, mas as chances de ter uma reforma tributária ampla nesta legislatura são muito baixas. É preciso acertar muitos consensos e diversos setores têm críticas a fazer”, diz Juliano Griebeler, cientista político da consultoria Barral M Jorge. “Sem o governo abraçar a causa de fato a reforma não anda”.
Em outra frente, o calendário de concessões e privatizações vem ficando mais apertado, mas está andando. O Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), colocado ao lado das reformas como grande bandeira econômica de Temer, tem até agora destino mais satisfatório.
Foram destinados 146 projetos, dos quais 54 foram leiloados ou renovados, outros 19 serão concedidos até o fim do ano e o restante, segundo o governo, em 2018, quando termina o mandato.
O problema é que o programa seria mais efetivo acompanhado das reformas. São 57 bilhões de reais que o governo está de olho com a venda de ativos.
A meninas dos olhos, a Eletrobras, será o maior desafio e principal meta em todos esses sentidos. “Junto com a Previdência, a Eletrobras é o osso duro de roer do governo”, diz o consultor em infraestrutura e presidente da InterB, Cláudio Frischtak.
“Estamos cumprindo o prazo de todos os projetos e acreditamos que a privatização vai acontecer dentro do mandato”, afirma Adalberto Vasconcelos, secretário especial do PPI. O impasse fica com a modelagem que será escolhida para a desestatização da empresa. As opções mais prováveis são uma pulverização de ações ou venda por partes.
O governo, diz Vasconcelos, não quer uma privatização clássica para que um ente privado não tenha controle de toda a empresa.
“Independentemente do número de ações comercializadas, cada detentor só poderá ter 10%. Isso também tem que estar em uma lei”, afirma.
Para desfrutar dos louros de uma privatização do tamanho da Eletrobras, será preciso correr — o que não deixa de ser um perigo.
Para Frischtak, o governo pode propor um modelo de privatização até o fim do ano, mas a tramitação passaria pelo Tribunal de Contas da União, haveria manifestação do Ministério Público e os congressistas seriam ouvidos antes que se possa partir para o leilão.
“É um setor com muitos interesses. No contexto que vivemos, de crise política, é preciso primeiro baixar a poeira para discutir um caso assim. E não vai baixar até o fim do ano”, afirma.
“Privatizar a Eletrobras é uma boa ideia, não há dúvida disso. Mas existe uma janela de seis meses para fazer isso no ano que vem. E é muito difícil pensar em seguir nos primeiros meses, até o Carnaval. Ficamos com um espaço entre março e junho. Depois, é eleição”.
E seja o que Deus quiser.